- Reprodução/ItamaratyTelegrama mostra que Itamaraty pode ter favorecido empreiteiras da Lava Jato no Haiti
Telegramas divulgados pelo Itamaraty revelam que diplomatas brasileiros
podem ter favorecido as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez em
uma licitação internacional para obras viárias no Haiti em 2006, quando o
presidente era Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um telegrama enviado
pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe ao Ministério das Relações
Exteriores mostra que um diplomata cedeu documentos relativos a um
conjunto de obras a representantes das duas empreiteiras antes mesmo de
eles serem distribuídos a outras empresas brasileiras do setor. As
empreiteiras e o governo brasileiro negam o favorecimento.
A possível atuação do Itamaraty em favor da Odebrecht tem sido investigada como parte de um inquérito que apura o suposto tráfico de influência do ex-presidente Lula junto a líderes internacionais para que a empreiteira conseguisse contratos fora do país. No dia 8 de julho, o MPF-DF (Ministério Público Federal do Distrito Federal) abriu um inquérito para investigar o caso. Os telegramas divulgados em junho deste ano foram obtidos por meio da Lei de Acesso a Informação.
Um deles revela que no dia 22 de agosto de 2006, o então embaixador
brasileiro no Haiti Paulo Cordeiro de Andrade Pinto enviou um telegrama
ao Itamaraty no qual ele relata ter recebido um "mapa com o
planejamento" para obras de construção e recuperação de estradas do
Haiti.
O mapa, segundo Cordeiro, teria sido elaborado pelo
governo haitiano e as obras, avaliadas em US$ 215 milhões (valores da
época), seriam financiadas por organismos estrangeiros como o Banco
Mundial, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e União Europeia.
Desde 2004, o Brasil liderava o braço militar da Minustah (Missão das
Nações Unidas para Estabilização do Haiti).
Ainda no telegrama, o
ex-embaixador brasileiro no país afirma que, antes mesmo de remeter os
mapas com o planejamento das obras ao Brasil para que o governo
brasileiro informasse empresas de construção civil interessadas em
participar de uma futura concorrência internacional para as obras no
Haiti, ele cedeu o original dos mapas para os então representantes da
Odebrecht e Andrade Gutierrez na República Dominicana, país que faz
fronteira com o Haiti.
"Estou enviando por mala diplomática para
a DOC [Divisão de Operações de Promoção Comercial do Itamaraty] o mapa
com os projetos rodoviários para este país [Haiti], que foi cedido pelo
BID. Esclareço ter conversado sobre o tema com os senhores Rommel Curzio
e Ernesto Baiardi, respectivamente gerentes das filiais das
construtoras Andrade Gutierrez e Odebrecht na República Dominicana a
quem emprestei o original do mapa para que fizessem cópias", escreve o
embaixador.
Suspeita de favorecimento
Para Vinícius
Rodrigues Vieira, doutor e pesquisador do Instituto de Relações
Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), a cessão do mapa com
os projetos para as empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez antes mesmo
de o documento ter chegado ao Brasil é suspeita.
"É normal que o
governo brasileiro tente promover empresas brasileiras no exterior. Mas
esse tratamento levanta suspeitas em relação a um eventual
favorecimento. Se o Brasil tinha outras empresas de construção civil
aptas a atuar no exterior, por quê o documento foi repassado
primeiramente a essas duas empresas? Isso precisa ser investigado",
afirma o pesquisador.
O Itamaraty, no entanto, negou que a
Embaixada do Brasil no Haiti tenha favorecido as duas empreiteiras. Em
nota enviada à reportagem do UOL, classificou como "correta" a conduta do então embaixador brasileiro.
"Como a informação sobre a licitação já estava sendo divulgada pelo
próprio BID junto a potenciais investidores de outros países,
concomitantemente ao envio para Brasília, o embaixador informou todas as
empresas instaladas na ilha [Hispaniola, onde estão Haiti e República
Dominicana]. Como os prazos de licitação são longos e o sistema de
comunicação do MRE (Ministério das Relações Exteriores) é instantâneo,
não houve diferença significativa entre a transmissão da informação no
exterior e a chegada do relato a Brasília", afirmou o Itamaraty.
Questionado sobre a razão de o então embaixador ter divulgado as
informações sobre o projeto antecipadamente às duas empreiteiras, o
Itamaraty disse que o diplomata "repassou a mesma informação enviada a
Brasília aos representantes de todas as empresas brasileiras com
operação na ilha" e que "na época, somente havia a Odebrecht e a Andrade
Gutierrez" operando na República Dominicana.
Por meio de suas
assessorias de imprensa, as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez
negaram terem sido favorecidas pelo Itamaraty. A Odebrecht negou
qualquer relacionamento indevido de seus executivos com diplomatas. "O
teor das mensagens não indica nenhum tipo de ação que fuja à normalidade
da prática diplomática internacional, o que inclui, em todo o mundo, o
apoio à ação comercial do país e de suas empresas", disse.
A
Andrade Gutierrez, por sua vez, disse que "a companhia considera que o
relacionamento institucional de empresas brasileiras com atuação no
exterior e representantes do governo brasileiro nesses países seja uma
prática normal e legal". As duas empreiteiras afirmam que não executaram
as obras citadas no telegrama.
Procurado pela reportagem do UOL,
o BID, instituição que, segundo o telegrama da embaixada brasileira,
teria cedido o mapa com os projetos das obras no Haiti, informou, por
meio de sua assessoria de imprensa, que a instituição "não comenta sobre
comunicações diplomáticas dos governos".
Odebrecht e Andrade
Gutierrez são algumas das empreiteiras investigadas pela operação Lava
Jato, que investiga irregularidades em contratos firmados junto à
Petrobras. Segundo as investigações, um grupo de empreiteiras formou um
cartel e superfaturava contratos com a estatal. Parte do dinheiro obtido
a partir do superfaturamento era repassada a partidos e políticos. Os
presidentes das duas empresas, Marcelo Bahia Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, estão presos.
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19.jun.2015
- O presidente da Construtora Norberto Odebrecht, Marcelo Odebrecht (de
óculos), deixa a Superintendência Regional da Polícia Federal (PF) em
São Paulo, na zona oeste da capital paulista, com destino ao Aeroporto
de Congonhas, nesta sexta-feira (19). De lá, ele seguirá rumo a
Curitiba, onde estão centralizadas as investigações da operação Lava
Jato. Marcelo Odebrecht foi um dos presos na manhã desta sexta pela PF,
na mais recente fase da operação Lava Jato. Todos os detidos estão sob
suspeita desde setembro do ano passado, quando foram citados pelo
ex-diretor de Abastecimento da Petrobras como responsáveis pelo
pagamento de US$ 23 milhões de propina da Odebrecht para uma conta
aberta na Suíça Leia mais Rafael Arbex/Estadão Conteúdo
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