A conduta da Polícia Federal na Lava Jato foi o pretexto para a convocação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pela CPI da Petrobras, na Câmara. O deputado Eduardo Cunha, seus seguidores e o senador Renan Calheiros têm acusado a polícia, como parte da Lava Jato, de criar suspeições com objetivo político, por ordem do governo. Cunha e Renan foram citados no primeiro semestre do ano passado, no início da operação. Àquela altura não haveria motivo para o governo complicar a vida do deputado ainda discreto. E o senador era aliado de razoável comportamento com a candidata do PT à reeleição.
Um argumento óbvio foi suficiente para o ministro liquidar a questão central: ao ministro da Justiça não cabe interferir na autonomia das investigações da Polícia Federal, competindo-lhe agir apenas em caso de anormalidade. Foi o que fez o então ministro Márcio Thomaz Bastos, ao qual se deve que a Polícia Federal deixasse de ser discriminatória, e se iniciassem no Brasil as investigações dos grandes sonegadores, contrabandistas do luxo e praticantes de fraudes. Mas o mesmo Thomaz Bastos teve, de repente, de interferir: na euforia da sua nova ação, a Polícia Federal passara a adotar arbitrariedades, abusos de poder e de exibicionismo.
O que Márcio Thomaz Bastos fez é o que José Eduardo Cardozo está por fazer. A prisão de Adarico Negromonte Filho, ao se apresentar, proporcionou uma das imagens do inaceitável: algemado (por quê?) e cercado de policiais federais nos seus sinistros uniformes pretos, de duvidosa legalidade, Adarico é forçado a apressar o passo pela mão de um policial apertada em sua nuca como garra, forçando-o ainda a encurvar-se, cabeça humilhantemente abaixada. A cena ilustrou o noticiário da Lava Jato nas tevês e nos jornais.
Nem que o seu preso fosse culpado, a Polícia Federal poderia justificar seu modo de agir. Mas, além disso, Adarico Negromonte Filho, preso apenas por quatro dias, é declarado inocente pelo juiz Sergio Moro. Embora, para ser assim declarado, precisasse esperar por oito meses.
Alternativa de imagem simbólica, ainda mais exibida e repetida até hoje, Marcelo Odebrecht é levado preso por policiais federais, em sua imitação sinistra de série de tv, cobertos de coldres e bolsas de armas e granadas e munições –e fuzil. Em diagonal no peito, dedo sobre o gatilho. É uma configuração completa da violência gratuita, absurda, prepotente. A conduta sóbria do policial de feições orientais, o mais presente e sempre contido nas prisões da Lava Jato, não atenua a situação. Até a agrava, pelo contraste.
A criminalidade violenta exige das polícias, inclusive por sobrevivência, condições e disposições de ação ditadas pelos que se põem como inimigos armados e violentos. Não é o caso, no entanto, das prisões da Lava Jato e das numerosas operações contra corruptos, sonegadores e suspeitos equivalentes.
O exibicionismo policial não é só violento em si mesmo. Como sintoma, exprime e irradia abusos de poder. Um exemplo grave está documentado em representação agora feita pela OAB: a Polícia Federal impediu a advogada Dora Cavalcanti de acompanhar a inquirição de um cliente, direito de defesa assegurado pela própria Constituição.
A perda de interesse da imprensa por notícias tem omitido do público a quantidade e a importância das operações praticadas pela Polícia Federal a cada dia, no país quase todo. É um trabalho feito com competência crescente. Mas os abusos que aí se incluam passam de ação policial a outras coisas. E José Eduardo Cardozo diz que anormalidades são caso de providências ministeriais.
SÓ MÉRITO
O Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo dado a Dorrit Harazim é justíssimo. Rigorosa no teor e brilhante na forma, sem temores e sem artimanhas políticas, assim Dorrit alicerça o seu talento para um jornalismo fascinante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
POLÍTICA E ECONOMIA