terça-feira, 28 de julho de 2015

'Ajuste é necessário, mas não para elevar confiança', diz economista

Jeremy Sutton-Hibbert/Getty Images
O professor de economia política internacional de Brown (EUA), Mark Blyth
O professor de economia política internacional da universidade de Brown (EUA), Mark Blyth
28/07/2015 02h00

A Grécia passa por sua mais grave crise econômica e social, implementando medidas de austeridade em uma já combalida economia por imposição de seus credores. 


O Brasil, a caminho da recessão e com desemprego em alta, tenta promover um ajuste fiscal por decisão do governo Dilma. Analistas começam a apontar similaridades entre os dois países, mas, para Mark Blyth, professor de economia política internacional da Universidade Brown (EUA), comparar as duas situações é apenas nonsense. 

Austeridade é a especialidade desse cientista político escocês. Seu livro "Austerity: The History of a Dangerous Idea" (sem edição brasileira) foi eleito um dos livros do ano de 2013 pelo jornal britânico "Financial Times" e faz uma detalhada investigação de países que adotaram essa estratégia, que julga deletéria. 

Na entrevista à Folha, concedida por Skype, Blyth afirma que o deficit orçamentário grego equivale a um erro de arredondamento para o PIB europeu, e considera adequada a recente redução da meta fiscal brasileira. 

Folha - O sr. recentemente escreveu que a crise na Grécia se tornou uma peça do teatro do absurdo. O que vem a seguir?
 
Mark Blyth - Nada, é uma peça contínua. Em última análise, a Grécia representava 2% do PIB da zona do euro, hoje já está em 1,7%. Um deficit orçamentário grego de 10% representa 0,17% da economia da zona do euro. É um erro de arredondamento! 

Por qual razão isso está causando uma crise internacional? Porque ninguém quer ser responsável por resolver a situação, oferecendo um perdão da dívida ou, alternativamente, propondo que nenhum pagamento seja feito por um prazo de 30 anos. 

Como o sr. analisa o campo político dessa crise?
 
Você pode pedir uma vez que a população vote por uma recessão, se prometer que as coisas vão melhorar. Você pode pedir uma segunda chance, mesmo se não tiver obtido resultados –talvez seja porque você não tentou duro o bastante. Mas na terceira vez a resposta é "não, vá se ferrar, não mesmo, isso é uma besteira", e foi assim que o Syriza se elegeu. 

Então o novo governo disse "vocês viram, não dá para pedir que o povo vote pelo que vocês pedem", mas a Europa respondeu que o Syriza deveria implementar austeridade ou deixar a zona do euro. E o que me parece loucura, não consigo acreditar, é que os gregos na realidade não tinham um plano B. Como é que isso poderia funcionar? 

Analistas começam a dizer que o Brasil pode se tornar a Grécia. O que o sr. acha?
 
Não faz sentido, é apenas nonsense. Emissores de moeda não se tornam a Grécia.
Embora as pessoas estejam preocupadas com o nível da dívida pública –é verdade, ela subiu da casa dos 40% para a dos 60% do PIB, mas ainda hoje está em 62%. Olhe para a Europa: a dívida está em 92% do PIB. Precisamos lembrar que o B de Brics é o Brasil por um motivo, certo? 

Como os dois países podem lidar com suas crises?
 
A Grécia literalmente não tinha maneiras para lidar com a crise. Se você é o Brasil, pode desvalorizar a moeda, pode expandir o crédito, porque tem a própria moeda, pode criar inflação. Pode também ajustar no lado dos gastos, e combinar essas estratégias. Mas, se você está preso no euro a única coisa que pode fazer é dar o calote, o que não seria permitido porque significaria um baque nos bancos da Europa, ou fazer desvalorização interna –austeridade. 

O sr. vê austeridade no caso brasileiro?
 
Austeridade é a crença de que, ao cortar salários e preços, você vai inspirar a confiança do mundo dos negócios, que seria condição essencial para aumento dos investimentos. Acho que é completamente equivocado. Mas há situações em que você está gastando a um nível X, permitido pelos impostos que você recolhe, sua arrecadação cai e de repente você tem um problema orçamentário e precisa lidar com ele. 

Austeridade é parte do que o Brasil está fazendo? Sim, é. Mas Dilma falou uma coisa na eleição e aplicou outra? Na verdade não, porque a maior parte do ajuste foi feita pela taxa de câmbio. Se Dilma tivesse vencido e cortado o Bolsa Família, eu diria que sim. 

O discurso adotado por Joaquim Levy, ministro da Fazenda é exatamente nessa linha que o sr. menciona: reformas para assegurar a confiança dos investidores.
 
Acho que aqui trata-se apenas de equilibrar os números. A razão pela qual o governo reduziu a meta fiscal na semana passada é a arrecadação muito baixa. Basicamente é preciso aumentar a arrecadação até equipará-la ao nível dos gastos, do contrário você gera um grande deficit de longo prazo. 

Considerando que a demanda por commodities é fraca no momento, você não quer estar do lado errado dessa tendência. 

Inspirar confiança nos investidores internacionais, isso é tudo bobagem. Pense bem: juros e ativos ao redor do mundo dão tão pouco retorno que o Brasil ainda é uma boa aposta. Posso sentar com meu dinheiro em uma conta de um banco alemão e não ganhar nada em um ano, ou depositar em um banco brasileiro e ganhar. 



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