Se Dilma não tem compromisso com malfeitos, deve
tecer no Congresso reformas ante o esgotamento das práticas de
governabilidade da Velha Política
Paulo Guedes, O Globo
A semana registrou substancial avanço das tropas favoráveis ao
impeachment. A “declaração de guerra” e as bem-sucedidas manobras de
Cunha na Câmara, a “declaração de afastamento” do governo pelo vice
Temer e a “declaração de alinhamento” tucano pelo impedimento mudaram as
probabilidades dos cenários políticos.
Por um lado, torna-se cada vez menos provável a “sarneyzação” do
mandato de Dilma, pelo esgotamento da velha política, à base do
fisiologismo do Legislativo e da cumplicidade do antigo Judiciário. Por
outro lado, o desemprego em massa e a corrupção sistêmica aumentam a
probabilidade do impedimento da presidente por irresponsabilidade fiscal
ou desgoverno ético, configurando o cenário de “collorização” de seu
mandato.
A presidente assegura que não participa nem tem compromisso com
malfeitos. Diz que não tem conta na Suíça e desafia quem possa
repreendê-la pelas práticas políticas impróprias ora investigadas. Essa
postura defensiva é pouco efetiva ante o avanço da proposta de
impedimento, pois “um regime só se mantém na medida em que o sentimento
que lhe é necessário existe entre o povo.
Segundo Montesquieu, existem três sentimentos políticos fundamentais, e
cada um deles assegura a estabilidade de um tipo de governo: a
república depende da virtude, a monarquia, da honra, e o despotismo, do
medo. A virtude da república não é uma virtude moral, mas política:
consiste no respeito às leis”.
A propósito das pedaladas fiscais, “Montesquieu sugere que o orçamento
deve ser votado anualmente, de modo que o Poder Executivo tenha de
depender do Poder Legislativo para o levantamento de recursos públicos. A
votação anual do orçamento é assim uma condição da liberdade”, comenta
Raymond Aron.
A presidente segue encurralada entre cenários desfavoráveis, o que tem
alimentado a sugestão de sua renúncia. Mas ainda lhe resta a opção de
atravessar “uma ponte para o futuro” com a bandeira da reforma política.
Se Dilma não tem compromisso com malfeitos, deve tecer no Congresso
reformas ante o esgotamento das práticas de governabilidade da Velha
Política. Pouco importa se lubrificaram moderadamente a emenda da
reeleição de FHC ou contribuíram abusivamente para a governabilidade dos
sucessivos mandatos do PT. São inadmissíveis.
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