domingo, 19 de julho de 2015

O golpe do parlamentarismo

A manobra depende da existência de um clima de inquietação, com a economia em queda e o desemprego em alta
Elio Gaspari, O Globo

A repórter Raquel Ulhoa avisou: arma-se no Congresso um golpe para mutilar a Presidência da República estabelecendo um regime parlamentarista. Numa ponta dessa conversa, para logo, já se viu o senador Renan Calheiros. Noutra, defendendo a ideia para mais adiante, entrou o deputado Eduardo Cunha. Pairando sobre ambos há uma parte do tucanato, desencantada com as bandeiras do impedimento, das contas do TCU e dos processos do Tribunal Superior Eleitoral.


A manobra depende da existência de um clima de inquietação, com a economia em queda e o desemprego em alta. Disso, a doutora vem cuidando. Para piorar, o Congresso aprova maluquices que agravam as dificuldades. O caldo entornará com as manifestações de agosto (desprezando-se a possibilidade de surgimento de manifestantes contra golpes, ladroagens e truques dos suspeitos de sempre).

O parlamentarismo pode ser instituído com a aprovação por maioria de três quintos das duas Casas do Congresso, em duas votações. São necessários 51 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados. Isso só se consegue com uma crise do tamanho da de 1961, quando o país esteve à beira da guerra civil, e aprovou-se uma emenda parlamentarista, mutilando o mandato de João Goulart.

É muito comum ouvir-se falar em “golpe paraguaio” ou “golpe boliviano”. A manobra criaria o “golpe brasileiro”, superando de longe os dois outros. O parlamentarismo foi rejeitado pela população em dois plebiscitos, sempre por larga maioria. O primeiro deu-se em 1963, e o segundo, em 1993. Nele, o regime parlamentar teve 16,5 milhões de votos, contra 37,2 milhões dados ao presidencialismo. O restabelecimento da monarquia teve 6,8 milhões.

De acordo com o processo legislativo e a Constituição, seria mais fácil revogar a Lei Áurea, sancionada a partir de um simples projeto de lei votado pelos deputados e senadores. Ela nunca foi submetida a um referendo, quanto mais a dois. A velha e boa plutocracia nacional deve reconhecer que essa mágica é impossível, mas ela haveria de lhe fazer o gosto.
Parlamentarismo (Foto: Arquivo Google)
Elio Gaspari é jornalista



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