Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa na CPI da Petrobras na Câmara |
Sem a barba esbranquiçada que lhe dava um ar de náufrago e com o cabelo
curtíssimo, como um militar da Segunda Guerra, o ex-diretor da Petrobras
Paulo Roberto Costa parece um homem novo: perdeu o ar arisco de quem
nunca imaginara ser apanhado e passou mais de cinco meses preso na
Polícia Federal em Curitiba (PR) e um ano em prisão domiciliar no Rio de
Janeiro (RJ).
A mudança de humores tem uma razão. Desde 8 de outubro, ele cumpre
regime semiaberto e pode sair de casa das 6h às 20h, de segunda a sexta.
Parece uma maravilha, mas não está sendo fácil, segundo ele. Nesse
primeiro mês, ele foi até a farmácia em Itaipava, o distrito de
Petrópolis onde mora, almoçou num restaurante, no qual sentou de costas
para a porta com boné e óculos escuros, e desceu até o Rio para renovar a
carteira de habilitação, que venceu na prisão.
"Virei um leproso. Esse ano de prisão foi um ano de lepra. As pessoas
fugiam de mim e continuam fugindo, mas isso está mudando", diz em
entrevista à Folha, a sua primeira após deixar a prisão, em
setembro do ano passado. Ele se refere ao sumiço dos amigos, que se
encontravam praticamente toda semana na casa da Barra da Tijuca (zona
sul do Rio), para jogar buraco.
A principal mudança que Costa notou nos últimos dias é que os gritos de
"bandido!", que ouvia ao pegar um avião, são cada vez mais rarefeitos e
estão crescendo manifestações de apoio ao acordo de delação que fechou
com os procuradores e a PF na Operação Lava Jato. "As pessoas dizem: 'Parabéns! Muito bem! Você entregou os políticos!'".
É essa montanha-russa de sensações, misturada com a história de sua vida
pré e pós-corrupção, que ele começou a relatar em letra miúda, num
caderno espiral, que pretende publicar em livro. "Vou deixar claro no
livro que errei", afirma.
Lentamente, Costa começa a deixar a casa de montanha onde vive com
autorização judicial, um imóvel de classe média com quatro quartos num
condomínio fechado. "A simples compra de um pão na padaria virou um
grande prazer. Ir na farmácia é uma alegria", conta, rindo.
A tornozeleira eletrônica, no entanto, presa na perna esquerda e
protegida por uma meia branca, continuará com ele até outubro de 2016.
A DELAÇÃO
Costa fechou o primeiro acordo de delação da Operação Lava Jato, em
agosto do ano passado, entregou quem pagava propina, quem fazia os
acertos do cartel que agia na Petrobras e devolveu US$ 25,8 milhões que
recebera de propina na Suíça e nas ilhas Cayman, além de cerca de R$ 10
milhões em dinheiro e bens que comprara com recursos de suborno.
"Sem a minha delação, a Lava Jato não teria existido", diz. O acordo de
Costa forçou o doleiro Alberto Youssef a seguir o mesmo caminho, gerou
uma sucessão de delações e transformou a Lava Jato na maior investigação
sobre corrupção no país. Já são 35 delações, e o número deve subir.
"Fechei a delação por orientação da minha família, a coisa mais valiosa
que tenho hoje", conta, sem confirmar que os policiais ameaçaram prender
suas filhas, mulher e genros, beneficiários de contas na Suíça.
A gênese dos problemas da Petrobras, segundo ele, é a indicação política
para cargos de diretoria e o sistema de financiamento de campanhas
eleitorais. O diretor indicado, diz, tem de pagar um pedágio ao partido
que o indicou e isso faz com que o executivo leve a corrupção para o
interior dos negócios da estatal.
Ele refuta, no entanto, que os preços eram superfaturados ou que a
Petrobras fez obras desnecessárias. "Posso provar para qualquer um que a
refinaria do Nordeste [Abreu e Lima] foi um ótimo negócio. O erro é
julgar a refinaria com olhos de hoje, com o dólar altíssimo e o preço do
barril de petróleo lá no chão". O problema da refinaria, para ele, é
que não havia um projeto detalhado, o que elevou as estimativas iniciais
de custos, de US$ 3,5 bilhões para US$ 20 bilhões.
"Não acredito em desvio de R$ 6 bilhões", diz, referindo-se à cifra que a
Petrobras colocou em seu balanço de 2012. "Dá uns R$ 3 bilhões no
máximo. A Petrobras não pode misturar queda do preço do petróleo,
aumento do dólar e desvio de dinheiro".
Costa diz que a Lava Jato causou um grande problema de imagem para a
Petrobras, mas alfineta: "A defasagem do preço do combustível é dez
vezes maior do que os desvios da Lava Jato. A defasagem provocou um
rombo de US$ 60 bilhões, US$ 80 bilhões. A Lava Jato não chega a 5%
disso. O problema da Petrobras é que a companhia não tem caixa. E isso
veio da defasagem de preço ou da Lava Jato? É uma conta muito fácil de
ser feita. Levei esse problema [da defasagem de preço] mais de dez vezes
ao conselho da Petrobras até 2012, mas nunca fui ouvido".
O TÉCNICO
Engenheiro mecânico formado na Universidade Federal do Paraná, Costa
entrou em 1977 na Petrobras por meio de concurso, fez um curso de um ano
na própria companhia sobre exploração de petróleo em alto-mar com
outros 19 profissionais e foi para Vitória (ES) por vislumbrar que a
área cresceria.
"Trabalhei 27 anos na Petrobras sem influência política", diz. "O único
político que conhecia até 2004 era o prefeito de Macaé [base no litoral
fluminense para a exploração da bacia de Campos]. Até hoje não sei quem
indicou o meu nome para o José Janene", diz, referindo-se ao político do
PP que colocou-o na diretoria de Abastecimento da Petrobras, na qual
comandava 20 mil funcionários, com a condição de que arrecadasse
recursos para o partido.
Ele gaba-se da bacia de Campos, da qual foi gerente. Quando chegou a
Vitória (ES), no seu primeiro posto na Petrobras, em 13 de agosto de
1978, a área produzia 10 mil barris por dia. Quando deixou o cargo de
gerente de Campos, em 1995, a produção havia se multiplicado e atingira
os 50 mil barris ao dia.
Costa quer relativizar no livro que escreve o período em que recebeu
cerca de R$ 95 milhões de propina, em valores atuais. "Não foram só oito
anos de bandidagem", afirma, e desata a falar do que chama de suas
"conquistas". Diz, entre outros pontos, que foi ele o responsável por
ter elevado a qualidade dos processos na diretoria de Abastecimento, o
que culminou com uma conquista que a Petrobras nunca havia obtido, o
Prêmio Nacional de Qualidade.
A QUASE MORTE
"Não aguento esses políticos. Vou largar esse mundo!". O desabafo de
Costa, segundo sua mulher, Marici, ocorreu à época em que ele quase
morreu, em 2006, em consequência de uma pneumonia e uma malária que
pegou ao visitar uma refinaria na Índia. Marici diz que tinha certeza
que o marido não sairia da CTI (Centro de Terapia Intensiva), onde ficou
15 dias em coma induzido.
A Petrobras levou de São Paulo para o Rio o infectologista David Uip,
que reuniu a família e contou que as chances de sobrevivência de Costa
não passavam de 5%.
Ele sobreviveu, sua mulher implorava que ele largasse os políticos, mas
ele se aprofundou ainda mais no jogo. Como tentaram derrubá-lo do cargo
no período da doença, buscou apoio no PMDB para continuar na diretoria
de Abastecimento. Conseguiu.
A PRISÃO
Costa foi preso pela primeira vez em 20 de março do ano passado, três
dias após a Lava Jato ter sido desencadeada. No dia 17, a Polícia
Federal fizera buscas em sua casa, mas não havia ordem de prisão. A
ordem veio quando a PF notou que parentes de Costa retiraram documentos
de um escritório que mantinha na região da Barra.
"Foi o pior dia da minha vida. Quando fecharam a porta da cela, eu achei
que estava dentro de um pesadelo, que aquilo não estava acontecendo
comigo", afirma, sobre a sua entrada na custódia da PF em Curitiba (PR).
Na PF, até que a vida era tranquila, segundo ele. "A grande parte dos presos era traficante. A gente pegava a quentinha [refeição], sentava no chão e comia conversando com os traficantes".
A pior parte do período em que ficou preso, segundo ele, foi quando o
juiz Sergio Moro autorizou a sua transferência para um presídio
estadual, em Curitiba (PR). "Foi um inferno. Teve até tentativa de
extorsão."
Após quatro dias, a diretora do presídio pediu a sua transferência sob
alegação de que não tinha condições de oferecer segurança ao ex-diretor
da Petrobras.
Costa foi solto pelo Supremo Tribunal Federal em maio de 2014 e voltou a
ser preso no mês seguinte, quando a Suíça informou que ele tinha contas
secretas no país, o que ele negara até então.
O VÔMITO
"Contar essa história é muito importante para mim", diz Costa sobre o
livro que começou a escrever, já com 70 páginas. "Eu queria registrar
alternativas e soluções para que isso não volte a acontecer. Estou
colocando com clareza que errei".
"É como se o Paulo estivesse vomitando, limpando o corpo", diz Marici. A lepra, para ela, está cicatrizando.
Primeiro ele fala: O erro é julgar a refinaria com olhos de hoje, com o dólar altíssimo e o preço do barril de petróleo lá no chão".
ResponderExcluirE na sentença seguinte já diz algo que contradiz a frase anterior:
"O problema da refinaria, para ele, é que não havia um projeto detalhado, o que elevou as estimativas iniciais de custos, de US$ 3,5 bilhões para US$ 20 bilhões."
É lógico que isso é prova de que a obra foi realizada com o único intuito de gerar propina.
É interessante como está virando moda roubar, ser pego e lançar um livro.