É aprazível a vista do mar, dizia Lucrécio, para quem, no cais, está a salvo das tribulações e tormentas.
Os clássicos versos do poeta latino ganham nova e bizarra pertinência
nestes dias, quando se divulgam os resultados de uma abrangente pesquisa
sobre a poluição dos oceanos, no encontro anual da Associação Americana
para o Avanço da Ciência (AAAS), em San Jose, na Califórnia.
Invisível para quem, da praia, contempla o horizonte –mas capaz de
enredar baleias em seu lençol tóxico–, o plástico que se acumula na
superfície dos mares vai assumindo dimensões gigantescas.
A cientista Jenna Jambeck, da Universidade da Georgia, soube traduzir de
forma vívida a extensão do problema. Para cada metro de praia, joga-se
nos oceanos o equivalente a 18 sacolas de supermercado cheias de
produtos plásticos.
Esse lixo nem sempre volta ao litoral de onde foi despejado. Levado
pelas correntes, dá origem a uma extensão redemoinhante de polímeros a
1.600 km do Havaí.
Esse verdadeiro monstro marinho, a que se deu o nome de Grande Mancha de
Lixo, possui uma área calculada em 1 milhão de quilômetros quadrados
–quatro vezes o tamanho do Estado de São Paulo.
No outro extremo da escala, ficaram conhecidas as fotos de filhotes
mortos de albatroz no oceano Pacífico: traziam na carcaça os resíduos
plásticos com que tinham sido alimentados pelos pais. De baleias a
micro-organismos, exemplares de toda a fauna marinha parecem ter sido
expostos à silenciosa violência desse inimigo químico.
Inimigo humano, a bem dizer. São 8 milhões de toneladas de plástico
despejadas anualmente nos mares. A pesquisa divulgada pela AAAS incide
de modo específico sobre o ano de 2010. A previsão é que essa quantidade
se multiplique por dez até 2025.
São poucas as propostas para corrigir o problema. No máximo, e já não
parece um cenário dos mais prováveis, haveria de ser desencadeado um
esforço internacional para reduzir o fluxo dos detritos.
Enquanto isso, a grande mancha flutua, como se fosse a versão de
pesadelo da história de José Saramago, "O Conto da Ilha Desconhecida".
Na ficção do Nobel português, a jangada de um viajante utópico assumia,
aos poucos, a forma da ilha que ele sonhava descobrir.
Na realidade, a forma de nossos tantos sonhos triviais de consumo se
resolve em lixo –e o país de plástico se estende, como uma mortalha
indestrutível, pelos quadrantes mais remotos do mar.
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POLÍTICA E ECONOMIA