05 Junho 2016 | 03h 05
Passados os dias de ansiedade do
processo de impeachment, com forte probabilidade de o Senado reafirmar a
decisão da Câmara, o País perceberá que seus problemas continuam à
espera de solução. São muitos, desde os econômicos (para os quais o novo
governo, forçosamente, voltará o olhar), passando pelos morais (a Lava
Jato é o melhor sinal de que podem ser encaminhados), até os sociais,
que são os que mais atazanam o povo, à frente o desemprego e a carestia,
frutos da má condução econômica das últimas fases do petismo no poder.
Estes problemas, infelizmente, não poderão ser resolvidos da noite para o
dia. Como tampouco poderão ser os da saúde, os da educação, da
segurança ou os dos transportes.
O povo sente que é assim. Espera sinais de mudança e isso o governo Temer pode e deve dar.
Há outros temas para os quais os primeiros passos podem ser
dados. Refiro-me aos entraves políticos em sentido profundo: não foram
só um governo e o partido que o sustentava que desmoronaram. Há a
implosão de todo um sistema político-eleitoral que aparta o Congresso,
os partidos e mesmo o Executivo do sentimento popular. A legislação
partidária e eleitoral criada a partir da Constituição de 1988 não
corresponde mais aos anseios do povo nem cria as condições de
governabilidade que a sociedade requer. Espera-se que o novo governo dê
os passos iniciais da reforma política. Estruturas políticas (como as
econômicas e as sociais) não mudam de repente nem o fazem em sua
totalidade, salvo em momentos historicamente revolucionários, o que
claramente não é o nosso caso. Sendo assim, no que consiste a falada
reforma política?
A resposta é valorativa: para mim é fundamental aproximar os
eleitores dos eleitos e construir pontes para alguma forma de governo
que, não sendo ainda parlamentarista (nossa experiência partidária
caótica afasta momentaneamente o eleitorado de um governo dos partidos),
se encaminhe para um semipresidencialismo. Mesmo isso requer a
regeneração dos partidos. Como? O Congresso aprovou e o Supremo Tribunal
Federal (STF) anulou, em 2006, um dos pré-requisitos: uma regra que
faça a presença dos partidos no Congresso depender de certa porcentagem
de votos no País todo e em diversos Estados, a cláusula de barreira. Ou
bem o STF reinterpreta sua decisão ou será preciso aprovar uma emenda à
Constituição.
Em 2015, o Senado introduziu, mas a Câmara derrubou, a
proibição de coligações proporcionais nas eleições legislativas. Essa
medida complementaria a cláusula de barreira evitando a eleição de
representantes nas asas do voto dado a deputados de outros partidos.
Alguns dos partidos que se formam no Congresso são meros agregados de
interesses específicos visando à obtenção dos recursos do Fundo
Partidário e de tempo nas TVs para barganhar nas campanhas eleitorais.
Pior, são quase gazuas para o acesso a recursos públicos, na infinita
negociação com o Executivo. Num Congresso fragmentado, com poucos
deputados, pode-se formar um lobby com o nome de partido para obter um
posto no Executivo que permita vantagens clientelísticas, corporativas,
quando não pecuniárias.
Há outras questões para dar os passos iniciais de uma
verdadeira reforma: é preciso estabelecer o voto distrital (prefiro o
misto, a discutir). Em colégios eleitorais com milhões de votantes e
centenas ou milhares de candidatos, os verdadeiros eleitores não são os
cidadãos, mas as organizações intermediárias que financiam campanhas
e/ou coletam votos para os candidatos: uma prefeitura, uma igreja, um
sindicato, um clube de futebol, uma empresa. É a estas organizações que o
representante se sente ligado e a elas presta serviços. Baseada em
associações desse tipo, somada ao acesso a fundos públicos e privados, a
“máquina eleitoral” está suficientemente azeitada para produzir o
resultado político pretendido pelos que a operam. O cidadão comum está e
continuará distante do eleito, cujo nome nem guardará, e seus
interesses e sentimentos serão olimpicamente desconhecidos pelo
parlamentar. É assim que se faz grande parte de nossa “representação”
política.
É difícil de mudar essas regras, mais fácil começar a
instaurá-las nas eleições municipais. Nestas, fica evidente que o voto
distrital aproxima o eleitor do representante. Havendo a necessária
obrigatoriedade de cada partido lançar apenas um candidato por distrito,
torna-se também mais nítida a mensagem dos partidos. A campanha será
mais barata se as novas regras vierem junto com a proibição de
“marquetagem” nas TVs, reservando o tempo gratuito para debates entre os
candidatos e para a apresentação de seus projetos. Reduz-se, assim, a
busca incessante de dinheiro (e os desvios de dinheiro público com esse
disfarce) e pode-se ter uma norma mais realista de financiamento: cada
conglomerado empresarial poderia contribuir com x milhões de reais,
dando-os apenas a um dos contendores e entregando-os ao Tribunal
Superior Eleitoral, a quem os partidos enviariam a cobrança dos gastos
de campanha (além das contribuições, limitadas, de pessoas físicas).
Falta falar sobre o principal: um partido não pode ser apenas
uma organização nem um lobby. Precisa defender valores, ter uma mensagem
que mostre sua visão do país e da sociedade. Até hoje, como expressão
de algo parecido a isso, só o PSDB e o PT, e agora o PMDB, se propuseram
a “liderar” o País. Há outros partidos, menores, que se juntaram aos
três referidos, como o DEM, o PCdoB, o PPS, os socialistas e outros
poucos mais. Estes partidos, a despeito de seus choques atuais, precisam
dialogar sobre a reforma. E tomara isolem os que se congregam no
chamado “centrão”, expressão que caracteriza os agrupamentos de pessoas e
interesses clientelísticos, “fisiológicos” e corporativistas, que, sem
terem um projeto político nacional, mantêm a sociedade amarrada ao
reacionarismo político e cultural. Matéria que fica para outro artigo.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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POLÍTICA E ECONOMIA