Luís Inácio Adams
TENDÊNCIAS/DEBATES
A afirmação do ministro Gilmar Mendes não guarda qualquer proximidade com o efetivo funcionamento das instituições brasileiras
A partir de uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes à Folha,
em que ele afirma que "o STF não pode se converter em uma corte
bolivariana", suscitou-se um intenso debate nos meios de comunicação.
De uma só vez, o ministro questionou três Poderes da República. O
Executivo, pois é a Constituição que determina ao presidente da
República a indicação dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O
Legislativo, já que incumbe ao Senado a aprovação da indicação. E o
Judiciário, uma vez que o STF é nossa corte suprema. Mas, sobretudo,
foram atingidas a democracia brasileira e suas instituições.
Tal declaração assenta-se em grave equívoco. A realidade venezuelana não
se compara à do Brasil, sendo que a afirmação do ministro Gilmar Mendes
não guarda qualquer proximidade com o efetivo funcionamento das
instituições políticas brasileiras, particularmente do Supremo Tribunal
Federal.
De fato, a nossa corte suprema tem se notabilizado, nos 26 anos de
vigência da Constituição, como uma instituição independente e
vocacionada à defesa da dignidade da pessoa humana, da democracia e do
Estado brasileiro.
É preciso reafirmar que o governo do presidente Lula e o governo da
presidenta Dilma Rousseff foram exemplares no fortalecimento das
instituições democráticas. Apoiaram a aprovação e a implementação do
Conselho Nacional de Justiça, por meio da Emenda Constitucional 45,
assim como a adoção de diversas leis que aperfeiçoaram o funcionamento
do Poder Judiciário, a partir de dois Pactos Republicanos assinados
pelos três Poderes da República.
Os presidentes Lula e Dilma indicaram nomes para compor o Judiciário e a
direção do Ministério Público Federal com base em critérios
republicanos e no devido respeito à independência de nossas
instituições.
Consoante a essa diretriz republicana, das quatro indicações ao STF
feitas pela presidenta Dilma, três recaíram em magistrados de carreira e
uma em procurador de Estado. Na atual composição do tribunal, sete
ministros foram escolhidos pelos presidentes Lula e Dilma, seguindo
determinação constitucional, e todos exercem suas atividades com
independência.
Exemplo disso são os relevantes casos conduzidos pelos ministros
indicados pelos últimos dois presidentes da República e que têm reflexo
nas áreas econômica e social, como as discussões relativas à liberdade
de imprensa, à demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, à
liberação das pesquisas com células-tronco, ao reconhecimento civil das
relações homoafetivas e aos aumentos de alíquotas de contribuições
sociais por meio de medida provisória.
Na realidade, a ameaça às instituições democráticas brasileiras vem do
nosso passado de intolerância e autoritarismo, que julgávamos enterrado.
Não se trata apenas de descabidas propostas de intervenção militar, mas
de uma série de iniciativas que agridem a democracia. O pedido de
recontagem de votos, elaborado sem nenhum fato que lhe dê sustentação,
atinge a Justiça Eleitoral e um sistema de votação elogiado em todo o
mundo.
Essa perigosa aposta política na ingovernabilidade nos aproxima da
insensatez e do paroxismo político que não condizem com o Brasil
democrático que tanto nos custou construir. É um supremo equívoco.
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