O paradoxo salta aos olhos. Temos um governo de perfil estatizante,
cioso da sua orientação nacional-desenvolvimentista, mas que logrou a
proeza de arrebentar nossas duas principais empresas estatais. Obra de
raro descortino.
A Petrobras, orgulho nacional, não só perdeu a condição de apresentar um balanço auditado crível como será forçada a republicar balanços anteriores, corrigindo as baixas referentes ao pagamento de bilhões de reais –quem saberá ao certo?– em propinas nos últimos anos (outro exemplo da máxima, atribuída a Pedro Malan, de que "no Brasil até o passado é imprevisível").
Já a Eletrobras, vítima da MP 579, de 2012, que antecipou a renovação das concessões de energia mediante a redução das tarifas, acaba de admitir que não disporá de recursos para pagar dividendos neste ano.
Além da queda do seu valor de mercado, com ações negociadas abaixo do valor patrimonial, a Eletrobras teve prejuízo de R$ 2,7 bilhões só no terceiro trimestre deste ano, o que inviabiliza a remuneração mínima de 6% prometida aos acionistas.
Os caminhos do inferno, é claro, diferem. A ruína da Eletrobras foi fruto das boas intenções do governo Dilma (o setor elétrico, aliás, teria sido o tema da dissertação de mestrado da presidente na Unicamp), ao passo que a devastação da Petrobras resulta, entre outras coisas, da ação articulada de profissionais: uma quadrilha de empreiteiros, burocratas, lobistas e dezenas de políticos que conferiu ao lema getulista –"o petróleo é nosso"– inédito e inadvertido significado.
Mas existe um substrato comum a esses descalabros. Ambos refletem a deformação patrimonialista do Estado brasileiro –"o capitalismo politicamente orientado", no dizer de Raymundo Faoro em "Os Donos do Poder", que aportou por aqui com as caravelas, atravessou cinco séculos de história e foi alçado a novo patamar no atual governo.
As facetas do patrimonialismo relevantes nestes casos são 1) o microgerenciamento e a tutela do Estado sobre a atividade econômica, alterando regras e revendo contratos de forma arbitrária ao sabor de conveniências circunstanciais e 2) o condomínio do poder calcado na simbiose promíscua entre público e privado aliado ao loteamento de órgãos e empresas estatais como forma de cooptação política.
A probabilidade de existir corrupção aumenta à medida que os governos se envolvem em todos os meandros da economia. A debacle da Eletrobras e o escândalo da Petrobras chocam pela magnitude, mas estão em perfeita linha de continuidade com a atual recaída patrimonialista.
O Brasil carece de instituições que mantenham os cidadãos e a economia a salvo dos abusos, inépcia, venalidade e ambições dos donos do poder.
FOLHA
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POLÍTICA E ECONOMIA