Na maior ocupação do MST no país,
mais de 3 mil famílias resistem em deixar propriedade do senador Eunício
Oliveira em Goiás. A Revista Congresso em Foco foi até o local e mostra
como é a vida dos trabalhadores e por que eles não saem de lá
O limite das terras fica a perder de vista. O solo fértil, cor de
barro, é um chamativo para a boa produção. A proximidade com a cidade
atrai o agricultor que pretende comercializar os produtos. Tudo isso,
aliado à identidade do proprietário da fazenda, o senador Eunício
Oliveira (PMDB-CE), é um prato cheio para justificar a maior ocupação
promovida hoje no Brasil pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST).
A coordenação do MST na região afirma que 3.500 famílias estão no
local, mas a Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) estima a
presença de 700. A explicação para essa diferença está no fato de a
maior parte dos sem-terra ter armado os barracos para garantir o espaço e
passar a semana trabalhando em Goiânia, Corumbá (GO) e outras cidades
goianas próximas. Complexo de mais de 20 mil hectares (200 milhões de
metros quadrados), a fazenda Santa Mônica está situada a 150 km de
Brasília, entre os municípios de Alexânia, Abadiânia e Corumbá.
Homens, mulheres e crianças sobrevivem lá em condições precárias na
esperança de ganhar um pedaço de chão para plantar e fugir da vida
difícil da cidade. O agricultor Francisco Filho, 27 anos, nasceu na roça
e virou motorista em Anápolis (GO), distante a pouco mais de 50 km.
Cansou de trabalhar. Mas não conseguiu comprar uma casa. “Sempre
trabalhei com a terra. Esse lugar é ideal. Aqui plantamos alface, couve,
cebola, coentro e outras sementes para toda a comunidade”, afirma.
Francisco foi um dos primeiros a chegar à fazenda, ocupada desde o
último dia 31 de agosto, com a mulher e o filho de dois anos. “Não vou
sair daqui. É melhor do que ficar na cidade passando dificuldades”, diz.
Por enquanto, a alimentação que chega é doada. Ou então preparada lá
mesmo no acampamento, com fogão improvisado de tijolos e lenha no chão.
Preparativos
Um dos coordenadores nacionais do MST, Valdir Misnerovicz explica que
o movimento passou seis meses se preparando para ocupar a fazenda.
Segundo ele, as terras fazem parte de um latifúndio improdutivo,
comprado por meio de coerção. “A matriz inicial tinha 3 mil hectares e
foi se expandindo. O senador Eunício comprou 91 propriedades próximas
por meio de transações escusas, expulsões e compras forçadas”, acusa
Misnerovicz.
Eunício Oliveira declarou, em seu Imposto de Renda, ter comprado a
terra por R$ 386 mil, valor bem abaixo de mercado, de acordo com o
coordenador do MST. “Aqui dentro tem um aeroporto oficial, autorizado
pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). O povo que teve de sair
da região conta que malas e malas de dinheiro chegavam de avião”, afirma
o líder sem-terra. Misnerovicz diz não se importar com os argumentos do
senador, em juízo, de que a fazenda é produtiva. “O MST luta contra o
latifúndio. E nossa forma de luta é a ocupação. Onde houver latifúndios,
vamos lutar, não importa quem seja o proprietário”, declara.
Enquanto não se decide sobre a permanência ou não dos sem-terra, a
coordenação do movimento elabora o perfil do público e organiza os
núcleos responsáveis pelas áreas do acampamento. O MST entende que pelo
menos 1.500 famílias poderão ser assentadas no local.
Esperança
Na
Santa Mônica, há cavalos, bois, vacas e uma infinidade de área verde
pronta para o plantio. Um rio passa pela fazenda, o que facilita a
irrigação das plantações. As lonas dos sem-terra estão instaladas às
margens dele.
Enquanto aguarda o posicionamento do Instituto Nacional de Reforma
Agrária (Incra) para comprar as terras ou desapropriá-las, Valdir
Misnerovicz entende que o governo, se quiser, entrega a fazenda para os
sem-terra. “É a oportunidade que o governo tem para pôr em prática o que
Dilma Rousseff diz sobre reforma agrária, que combina locais próximos
aos consumidores com terra de boa qualidade para a produção de alimentos
saudáveis. E a Santa Mônica reúne tudo isso”, desafia Misnerovicz.
Atual líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira é da base aliada da
presidente Dilma. O senador perdeu, no segundo turno, a disputa pelo
governo do Ceará. Ele liderou a bancada do PMDB na Câmara, em 2003, e
foi ministro das Comunicações no governo Lula, entre 2004 e 2005.
É um dos políticos mais ricos do Brasil e tem o maior patrimônio
declarado à Justiça Eleitoral dentre os 169 candidatos a governador dos
26 estados e Distrito Federal. Seus bens declarados passam dos R$ 99
milhões. Desse total, mais de R$ 11 milhões são atribuídos a 94
propriedades rurais, entre elas, a Santa Mônica.
Ordem ignorada
Dois dias depois da ocupação, o juiz da Comarca de Corumbá, Levine
Raja Gabaglia Artiaga, determinou a retirada dos sem-terra em 48 horas. O
prazo expirou faz tempo e a Secretaria de Segurança Pública de Goiás
não cumpriu a decisão. A Comissão de Conflitos Fundiários da secretaria
já fez pelo menos quatro reuniões com representantes de vários órgãos,
entre eles, o Ministério Público, o Judiciário e as Polícias Civil e
Militar, e o MST, para negociar uma saída pacífica.
O Ministério Público de Goiás manifestou-se pela retirada dos
ocupantes da Santa Mônica. O promotor de Corumbá, Fabiano de Souza
Naves, disse que não há nada que garanta as terras para o MST nem que
possa ser alvo de desapropriação. “É uma propriedade privada,
produtiva. Eles devem sair de lá. Mas o Ministério Público não é a favor
da violência. Queremos uma desocupação pacífica”, observa.
A reportagem procurou o senador Eunício Oliveira para comentar as
acusações e a ocupação do MST. Por meio de nota, a assessoria do
peemedebista afirma que: “A ação do MST, embora política e com fins
eleitorais, será tratada apenas nas esferas administrativa e judicial. A
invasão da fazenda Santa Mônica é um ato surpreendente por se tratar de
uma área totalmente produtiva, implantada no estado de Goiás há mais
de 25 anos, localizada numa região sem conflitos agrários”.
O ouvidor agrário nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), o desembargador Gercino José da Silva Filho, informa que a
Ouvidoria Agrária Nacional fez várias reuniões em Goiânia com a
participação de representantes do senador e dos trabalhadores rurais que
ocupam a fazenda.
“Acertamos a suspensão temporária do cumprimento do mandado de
reintegração de posse, com a concordância do requerente e alguns
compromissos do Incra, no sentindo de fazer o cadastro dos trabalhadores
rurais sem terra que estão ocupando a área. Também acertamos o
compromisso do Incra de buscar imóveis para assentar esses trabalhadores
rurais futuramente”, diz o ouvidor em no
Congresso em Foco
LEOPOLDINA CORRÊA é jornalista com formação em Mídias Digitais pela UFC >>>> Diploma
LEOPOLDINA CORRÊA é jornalista com formação em Mídias Digitais pela UFC >>>> Diploma
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