domingo, 6 de setembro de 2015

'Precisamos aumentar impostos provisoriamente', diz Mercadante

Brasil em crise

Pedro Ladeira - 3.set/15/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 03-09-2015, 11h00: Entrevista exclusiva com o Ministro Aloizio Mercadante, da Casa Civil. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO***
O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, durante entrevista, em Brasília
06/09/2015 02h00
O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, afirmou à Folha que é preciso aumentar impostos "provisoriamente" para ajudar o governo a reverter o deficit projetado para o Orçamento de 2016 e abrir espaço para uma queda mais rápida das taxas de juros. 


Na entrevista, em que pediu tempo para o governo resolver a crise, Mercadante ecoou o discurso do titular da Fazenda, Joaquim Levy, segundo o qual o Executivo perseguirá a meta de economizar no próximo ano o equivalente a 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto), apesar de ter encaminhado ao Congresso uma proposta orçamentária que prevê um resultado negativo de R$ 30,5 bilhões. 

"Precisamos aumentar impostos provisoriamente, por exemplo, para abrir espaço para uma queda mais rápida das taxas de juros", disse o ministro. 

Braço direito da presidente Dilma Rousseff, o chefe da Casa Civil afirmou que 2014 é um "ano que não acabou para oposição" e diz que, "se melhorar o ambiente político, sairemos mais rápido [da crise]". 

Mercadante afirmou que as declarações do vice-presidente Michel Temer sobre o risco de o atual governo não resistir a 2018 com a baixa popularidade estavam "fora de contexto". 

A entrevista com o ministro foi realizada na manhã desta quinta-feira (3), e atualizada na sexta para que ele comentasse as declarações de Temer na véspera.
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Folha - Quanto da crise econômica atual é responsabilidade do governo?

Aloizio Mercadante - Evidente que o governo tem responsabilidade. Acho que poucos se deram conta da velocidade da queda das commodities no final do segundo semestre de 2014. Estávamos numa intensa campanha presidencial, debatendo, viajando, fazendo e, quando você chegou no fim da campanha, o mundo era outro. Vínhamos de uma década de ouro para a América Latina. Isso impactou muito as finanças públicas. Nós fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos...
Foi um erro?
A presidente já disse isso e eu concordo. Todo mundo acreditava que a economia mundial ia se recuperar.
Delfim Netto escreveu que desistiu do governo quando este começou a fazer superavit primário com aumento de endividamento público.

Nós temos um problema que em algum momento terá de ser solucionado. Como somos um dos países com mais longa fase de hiperinflação da história, nós ainda temos essa herança. A nossa taxa de juros é muito mais alta do que a da maioria das economias. Isso faz com que os bancos públicos tenham um papel decisivo no financiamento. Essa modernização do sistema produtivo, da infraestrutura do país, que estava muito atrasada, faz parte desse esforço do Estado de financiar esse mercado de consumo. Olha aí os aeroportos que tínhamos e aonde chegamos.
Mas, ministro...
Se você pegar um período do regime militar, [temos] o debate entre Delfim Neto e Roberto Campos, entre o Mário Henrique Simonsen olhando a estabilidade, o combate à inflação, as contas públicas, e o João Paulo dos Reis Velloso. É a mesma questão. Então há uma tensão e há que haver um equilíbrio entre a estabilidade, sustentabilidade fiscal, controle da dívida pública, investimento, crescimento, financiamento público.
No caso atual, Levy perdeu nos debates do Orçamento. Por quê?

O Orçamento que nós estamos apresentando hoje, se você fizer a correção pelo IPCA, é um Orçamento de 2012, de R$ 256 bilhões. É um corte de mais de 0,7% do PIB nas despesas discricionárias (investimento, custeio, políticas sociais). No primeiro semestre, avançamos muito em reduzir as despesas obrigatórias, seguro-desemprego, abono salarial, pensão por morte. Nós precisamos enfrentar as despesas obrigatórias. Não pode ter um reajuste de 76% [para o Judiciário]. 

Ter um Orçamento totalmente transparente e verdadeiro é uma grande discussão para que a gente comece a acelerar a saída da crise. O gesto do Senado de propor a Agenda Brasil, do presidente Renan [Calheiros, PMDB-AL], é uma grande sinalização para avançar.
Não é uma agenda de vento?
Não. Nós precisamos ter uma agenda de futuro. Você está tratando ali de questões regulatórias, de reforma fiscal, de reforma tributária. Nós podemos melhorar a receita e, ao mesmo tempo, simplificar tributos.
A Agenda Brasil fala em limite de endividamento da União. O sr. é a favor?

Eu assisti ao Congresso americano dizendo que não ia permitir passar de 100% da dívida pública –a nossa está em 63%, 64%. O Estado americano parou e, evidentemente, depois teve que tirar o limite. Você não controla a dívida, o que você tem que controlar é o Orçamento. 

Vamos discutir como é que vai reduzir as despesas obrigatórias. Partidos de oposição que ajudaram a fazer Lei de Responsabilidade Fiscal precisam ter responsabilidade fiscal fora do governo. Não pode votar contra tudo que significa responsabilidade fiscal.
O senhor falou que só conheceu a democracia, quando era criança, pelos livros de história, associando o impeachment à ditadura. Mas isso está previsto na Constituição.

Há manifestações explícitas nesse sentido, então nós temos que combater esse tipo de coisa. Agora, o impeachment está na Constituição, mas ela é muito rigorosa em relação a quais são as condições. O que eu não posso é ter como proposta para o impeachment a busca de um pretexto, porque isso não é democrático. 

Dou um exemplo. Eu era da oposição –aliás, fizemos pós-doutorado por tanto tempo que ficamos na oposição– quando surgiu a expressão "Fora FHC". O Brasil foi parar no FMI, havia denúncias de compra de votos para a reeleição e eu subi, junto com o presidente Lula e outras lideranças, naquele Congresso e aprovamos que o PT, como partido, não encaminharia nenhum pedido de impeachment do mandato de Fernando Henrique Cardoso. E o PT não fez. "Fora FHC" virou apenas uma expressão de disputa política.
Chamarão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para conversar ?

Eu sempre fiz uma oposição muito dura ao governo FHC, mas uma coisa que eu sempre reconheci são os valores democráticos do presidente Fernando Henrique Cardoso. E ex-presidentes precisam ser preservados, fazem parte da história do país. Acho inacreditável a forma como alguns setores da oposição tentam tratar o presidente Lula. Lula é uma referência mundial, um patrimônio que nós construímos em relação ao êxito, ao tamanho que o Brasil tem.
Vamos ter dois anos de recessão?

Não estamos vendo desta forma. Agora, setembro, outubro, novembro, já vamos sentir uma melhora. Porque uma das coisas que aconteceram, neste primeiro semestre, é que as empresas estavam com estoques elevados. Elas reduziram fortemente os estoques para fazer caixa. E agora estão voltando a encomendar. 

A inflação em agosto vai estar em torno de 0,25%, 0,26%. Quando você olha para o retrovisor, a inflação está alta. Mas, quando olha para a frente, ela já começou a cair fortemente e vamos para uma inflação de 5%, o que vai melhorar o poder de compra das famílias. 

O BC pode subir os juros em razão do deficit no Orçamento. Isso não ajuda a desacelerar?

Isso mostra que precisamos continuar no esforço fiscal. Se não tiver instrumentos legais para reduzir despesas obrigatórias –gestões vamos fazer e temos obrigação de fazer. Agora, precisamos de medidas legais para reduzir despesas obrigatórias para melhorar as receitas. Podemos fazer isto simplificando os tributos, ICMS e PIS/Cofins, que é o compromisso do ministro da Fazenda. 

Precisamos aumentar impostos provisoriamente, por exemplo, para abrir espaço para uma queda mais rápida das taxas de juros. Porque, se a taxa de juros cai, barateia o crédito e o crescimento vem mais rápido. 

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