Empresa
que vendeu os ferries gregos ao governo do estado funciona neste
prédio, no 1º andar, balcão à esquerda (Fotos: Paula Cosme Pinto)
|
A
denúncia foi realizada inicialmente pelo jornalista Fernando Conceição,
professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em seu blog.
Em
novembro de 2013, o governo do estado, através da Secretaria de
Infraestrutura da Bahia (Seinfra), comprou os ferries gregos Theologos V
e Panagiotis D, por 9.734.694,44 de euros (R$ 30,2 milhões) e
8.265.305,56 (R$ 25,6 milhões), respectivamente, num total de exatos 18
milhões de euros, em licitação vencida pela Happyfrontier. As
embarcações chegaram em Salvador em agosto, receberam os nomes de
Dorival Caymmi e Zumbi dos Palmares e começaram a operar em outubro.
Identificada
por uma pequena placa de metal ao lado do alvará de funcionamento do
“Cabeleireiro de senhoras”, a Happyfrontier Importação e Exportação Lda.
tem três sócios. Um deles é João Carlos Palmeirão de Melo, genro de
Dona Milu.
“Os negócios
dele não têm nada a ver com cabeleireiro, mas não sei bem o que são. Só
sei que recebe muita gente aqui. E que o escritório dele é aqui, também
tenho a certeza porque já lá fui cortar o cabelo e vi-o a trabalhar na
sala dele”, disse um vizinho ao CORREIO.
A
reportagem foi quatro vezes ao salão, na semana passada, mas não
encontrou a estabelecimento funcionando – nem a Happyfrontier. Apenas em
uma das visitas, a cortina da janela estava aberta, mas ninguém atendeu
à campainha. O mesmo vizinho, que informou que é comum Dona Milu fechar
o salão durante a semana, disse ter visto João Carlos no prédio na
semana anterior.
Na ocasião
da compra, a Seinfra era chefiada pelo vice-governador e também titular
da pasta, Otto Alencar (PSD). O atual secretário, Marcus Cavalcanti,
disse desconhecer que a Happyfrontier funcione em um salão de
cabeleireiros, mas destacou que a legislação brasileira não obriga que o
governo vá até a sede da empresa. “Nós estamos muito mais atentos com
que eles fossem representantes legais dos proprietários dos barcos, na
prova de propriedade de quem passou os documentos para eles e, depois,
se as embarcações atendiam (às exigências)”, disse Cavalcanti.
Outro
objeto Hoje, João Carlos Palmeirão de Melo é um legítimo comerciante do
ramo de navios, com atividade reconhecida em cartório. Mas, no dia 6 de
novembro de 2013, quando vendeu os dois ferry-boats gregos ao governo
da Bahia, a Happyfrontier tinha como objeto o “comércio por grosso de
electrodomésticos e afins, mobiliário e outros bens e equipamentos para o
lar”.
A empresa só
passou a vender navios a partir de abril deste ano — seis meses depois
de vencer a licitação. Em Portugal, Conceição teve acesso, junto ao
Instituto dos Registros e do Notariado do Ministério da Justiça de
Portugal, à ata da assembleia-geral que alterou o objeto social da
Happyfrontier.
Os sócios
portugueses João Carlos Palmeirão de Melo e Hélder José Veras Nunes
Barata e o angolano Francisco Leonardo Chivela se reuniram no dia 15 de
abril deste ano – quase seis meses após a assinatura do contrato na
Bahia – e alteraram o objeto da empresa para “comércio por grosso de
electrodomésticos e afins, mobiliário e outros bens e equipamentos para o
lar, comércio geral por grosso para compra e venda de navios,
administração de terminais marítimos, estaleiros navais, serviços de
manutenção naval, comércio de equipamentos industriais, transportes
marítimos, importação e exportação dos mesmos e serviços conexos” (veja
ao lado).
A
reportagem do CORREIO conversou por telefone com o advogado da
Happyfrontier, António Borges Pires, mas ele disse que a empresa não se
manifestaria. “A empresa não pretende, neste momento, prestar qualquer
declaração. Esta questão não é uma questão que suscite qualquer
ilegalidade do ponto de vista da empresa em Portugal. Nós conduzimos o
processo nos termos legais e, portanto, a empresa não vai prestar mais
declarações”, afirmou.
Secretaria
Já o atual titular da Seinfra, Marcus Cavalcanti, disse que a
documentação dos navios, dos proprietários e dos procuradores foi
analisada tanto pela pasta quanto pelo Ministério Público (MP), mas eles
não viram problema no fato de a empresa não ter autorização para
comercializar navios à época do contrato.
“Nós
fizemos o processo licitatório, submetemos ao Ministério Público no ano
passado, que analisou toda a documentação apresentada pelas empresas e
pelos barcos e esses dois procuradores manifestaram que toda a
documentação estava correta”, disse o secretário. Questionado se não
havia sido notado o fato de a empresa não ser do ramo de navios,
completou: “A Comissão de Licitação, os órgãos jurídicos e o procurador
do Ministério Público entenderam que não era necessário”, disse.
Parecer O
senador eleito Otto Alencar (PSD), responsável pela licitação, disse
ter se preocupado apenas com o que o MP analisou. “Eu dei atenção ao
parecer do MP. A licitação foi uma licitação que foi feita dentro dos
parâmetros da legalidade, a Procuradoria Geral do Estado deu um parecer
favorável. Depois de concluída a licitação, eu mandei para (a promotora)
Rita Tourinho, passou 60 dias na mão dela, depois que ela deu um
parecer dizendo que foi tudo feito dentro da lei, eu mandei homologar a
licitação”, disse.
Questionada,
a promotora Rita Tourinho ponderou que o parecer favorável à compra dos
ferries foi dado com base nos documentos da própria licitação. “Até
aquele momento, isso (da empresa ser habilitada só para comercialização
de eletrodomésticos e mobiliário) não era conhecido. É importante dizer
que não só o Ministério Público deu parecer favorável, mas também o
próprio Tribunal de Contas e a Procuradoria (do Estado)”, afirmou
Tourinho.
O
empresário Marcos Espinheira — que representou outras três embarcações
gregas na disputa, mas não fez a proposta de preços por não concordar
com as condições de pagamento — apresentou ao Tribunal de Contas do
Estado (TCE) a Certidão de Propriedade de Navio dos dois ferries. Nos
dois documentos, é transferida a propriedade dos armadores gregos para a
Happyfrontier nos dias 2 e 22 de maio de 2014.
No
final do mês de setembro, o conselheiro do TCE Pedro Lino confirmou que
havia recebido os documentos. “A documentação mais recente demonstra
que há fortíssima suposição de crime. Quem ganhou a licitação realizada
em novembro foi a empresa portuguesa Happyfrontier. Era uma licitação de
compra. A documentação é da Capitania dos Portos da Grécia que diz que
até 22 de maio de 2014 esses ferries eram de tomadores gregos. Quem fez a
proposta de venda, vendeu o que não era proprietário, isso pelo Código
Penal Brasileiro parece configurar um crime de estelionato”, disse.
O titular da Seinfra, Marcus Cavalcanti, disse não conhecer os documentos.
Em
abril deste ano, Happyfrontier altera objeto para inclusão de ‘compra e
venda de navios’. Licitação já havia sido vencida seis meses antes
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MP analisa denúncia de superfaturamento dos ferriesEm
janeiro deste ano, o Ministério Público (MP-BA) recebeu denúncia de
superfaturamento na compra dos ferries, apresentada pelo empresário
Marcos Espinheira (os ferries foram comprados por 12 milhões de euros
pela Happyfrontier e vendidos por 18 milhões). O processo foi arquivado.
A Seinfra entregou à reportagem um parecer da
promotora Rita Tourinho em 10 de dezembro de 2013, no qual esclarece que
o MP não dispõe de suporte técnico para avaliar se houve
superfaturamento. Ela diz que o representante que fez a denúncia leva em
consideração só o valor da embarcação, sem contar despesas com
transporte, treinamento e trâmites burocráticos. Ela compara o valor do
ferry Panagiotis (R$ 25,6 milhões) com o do ferry Anna Nery (R$ 39
milhões) e conclui que “o Estado da Bahia teve economia”.
Espinheira diz que apresentou, em seguida, orçamento
de R$ 290 mil euros para o transporte e, em outubro, a promotora Rita
Tourinho reabriu o processo. Segundo ela, o Grupo de Atuação Especial de
Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (Gepam), do
qual faz parte, entende que o governo não deve fazer o pagamento dos
35% restantes – 5,1 milhões de euros, a serem repassados quando as
embarcações completarem 120 dias de operação na Bahia. “O Gepam
deliberou pelo encaminhamento de recomendação à Seinfra para que
suspenda qualquer pagamento devido em razão da compra dos ferries,
diante de indícios de sobrepreço”, disse Tourinho.
Ela diz que a recomendação foi encaminhada ao
procurador-geral de Justiça, Márcio Fahel, em 10 de outubro, para que
encaminhe à Seinfra. Ontem, porém, a assessoria do MP informou que a
Procuradoria Geral solicitou ao Gepam as cópias do inquérito, mas os
documentos não foram enviados. “Por determinação do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), eles devem ser enviados em até 24 horas”,
diz a nota.
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