Dono
de um olfato que lhe rendeu 58 anos de exercício de mandatos eletivos,
José Sarney fareja um 2014 áspero para seus aliados do PT. Começa a
enxergar o mundo de ponta-cabeça. Acha que a entrada de Marina Silva na
disputa sucessória provocou “um tsunami político”. Avalia que “em torno
dela se criou uma frente robusta de combate ao PT e ao governo Dilma,
abrindo uma possibilidade antes considerada impossível: derrotá-los.”
“Para
fugir da ameaça de derrota, pensaram alguns líderes do PT até mesmo em
fazer Lula candidato”, constata o morubixaba do PMDB. O calendário já
não permite a troca de candidato. Talvez nem adiantasse, insinua Sarney:
Lula “parece também ter sido atingido pelo maremoto e ter perdido a
aura da invencibilidade, embora mantenha seu carisma e ainda seja a
maior liderança política do país.”
As avaliações de Sarney constam de um artigo pendurado nesta quarta-feira (17) no seu site. Publicado originalmente no diário espanhol El País,
há uma semana, o texto passara praticamente despercebido. Chama-se ‘O
Brasil em um labirinto’. Ecoa em público um pessimismo que os aliados de
Dilma só ousam sussurrar em privado.
Na definição de Sarney, os
apoiadores que potencializam as chances eleitorais de Marina “são os
mais ecléticos”. Na área política, ele inclui pedaços do próprio
conglomerado governista. Menciona “alas descontentes do PT e o
incalculável número de grupos dos partidos aliados queixosos do
tratamento recebido da presidente Dilma e da direção do PT.”
“A
sensação dos aliados”, anotou Sarney, é a de que Dilma e o PT “fizeram
de tudo para massacrá-los nos Estados, criando confrontações e arestas, e
que agora há oportunidade para reagir.” Com rara sinceridade, o coronel
do PMDB incluiu seu próprio partido na banda dos revoltados.
“Muito
dividido”, qualificou Sarney, o PMDB “só não vota contra Dilma por
causa do vínculo de sua participação na chapa” encabeçada pela candidata
do PT. “De simples adereço”, escreveu o senador, “Michel Temer passou a
ser decisivo para a vitória.” Fora da política, juntaram-se ao redor de
Marina, pelas contas de Sarney, quatro forças:
1.
“Os indignados que há pouco mais de um ano provocaram um barulho imenso
no país”. Alusão aos protestos que lotaram o asfalto em junho de 2013.
2. “Seus até recentemente frustrados seguidores” da Rede Sustentabilidade.
3. “As fortes correntes e igrejas evangélicas, que a têm como representante''.
4. “As classes conservadoras, descontentes com as políticas econômica, externa, energética, agrícola, portuária e fundiária.”
Marina
tem declarado que, se eleita, governará “com os melhores de cada
partido”. Diz apreciar o PMDB de Pedro Simon e de Jarbas Vasconcelos. E
costuma mencionar José Sarney e Renan Calheiros como protótipos da
“velha política”, que gostaria de enviar à oposição.
17.set.2014
- O candidato à Presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves, abraça
uma indígena durante encontro com mulheres no diretório estadual do
PSDB em São Paulo. No evento, Aécio afirmou que deverá rever as relações
diplomáticas com países produtores de droga, destacando que o principal
alvo da estratégia deve ser a Bolívia Leia mais Marcos Fernandes/ Divulgação
Aboletado
no poder desde a chegada das caravelas de Cabral, Sarney não parece
cultivar a pretensão de deslizar o seu grupo de apaniguados políticos
para dentro de um hipotético governo Marina. Desde logo, ele retribui a
antipatia dela: “Marina Silva é uma figura carismática, mística,
dogmática, preconceituosa e intransigente.”
Sarney dá a entender
que, na Presidência, a antagonista de Dilma seria um salto no escuro.
“Marina Silva é uma incógnita. A figura de hoje nada tem a ver com sua
radical história de guerreira dos seringais. Senadora por dezesseis anos
— em parte dos quais ocupou o Ministério do Meio Ambiente de Lula —,
deixou uma marca de radicalismo, como fundamentalista, de capacidade
limitada, preferindo sempre a confrontação ao diálogo, e buscando não o
entendimento, mas a conversão.”
Na opinião de Sarney, o histórico
religioso de Marina interfere negativamente na atuação política dela.
“Sua formação é das Comunidades Eclesiais de Base, mas agora é
evangélica ortodoxa, considerando que o mundo se reparte entre os
destinados à salvação e os condenados à perdição.”
Na noite de
terça-feira (16), num comício de Lobão Filho (PMDB), seu candidato ao
governo do Maranhão, Sarney disse mais ou menos a mesma coisa, com outras palavras:
“A dona Marina, com essa cara de santinha, mas [não tem] ninguém mais
radical, mais raivosa, mais com vontade de ódio do que ela. Quando ela
fala em diálogo, o que ela chama de diálogo é converter você.''
(divirta-se assistindo ao vídeo lá no rodapé)
Sarney parece
enxergar em Marina uma dessas evidências de que a palavra “possível”
está contida no vocábulo “impossível”. O coronel maranhense anotou em
seu artigo: “Em política há uma lei inexorável: o impossível sempre
acontece. No Brasil, várias vezes a tragédia teve consequências
drásticas, provocando grandes mudanças.”
O cacique foi aos
exemplos: “o suicídio de Getúlio Vargas, que, já praticamente deposto,
com a bala no peito atinge os adversários; o derrame cerebral e a morte
de Costa e Silva, que levam a um golpe dentro do golpe, desaguando numa
Junta Militar e numa nova Constituição outorgada; a morte do Presidente
Rodrigues Alves, eleito pela segunda vez, atingido pela gripe espanhola;
Tancredo Neves, eleito para fazer a redemocratização, adoece no dia da
posse e em seguida morre.”
Para Sarney, Marina Silva encarna um
desses momentos que prenunciam grandes mudanças. “Sessenta dias antes da
eleição, num desastre aéreo, desaparece o candidato a presidente
Eduardo Campos. A comoção toma conta do país, mas não é ela a
consequência maior. É a ressurreição de Marina Silva, que na eleição
anterior obteve 20 milhões de votos.”
Sarney avalia que “a energia
inicial” da onda Marina esgotou-se na produção de dois efeitos. Num, a
eleição foi empurrada para o segundo turno, provocando “uma disputa
acirrada, em que tudo pode acontecer”. Noutro, o PSDB, “maior partido de
oposição”, que tem em Aécio Neves um “excelente e talentoso candidato”,
terminou “imprensado pela guerra entre as duas candidatas originárias
da esquerda.”
Os elogios a Dilma, por escassos, foram confinados
num mísero parágrafo do artigo de Sarney. Nele, lê-se que a presidente,
“com seu forte caráter de chefia, já conquistou seu espaço como
administradora e não é mulher de jogar a toalha ou aceitar humilhação.”
A
despeito do ânimo de Dilma, Sarney revela-se um personagem inusualmente
inseguro: “A campanha atingiu um alto grau de violência, com ataques
rasteiros”, escreveu, sem dar pseudônimo aos bois violentos. “O quadro é
de pesquisas nervosas, esquizofrênicas, que indicam que tudo pode
acontecer. As sondagens —e são muitas— sempre mostram uma vantagem de
Dilma no primeiro turno e a vitória de Marina no segundo turno, que
exige maioria absoluta.”
Traduzindo o sentimento que lhe invade a
alma, Sarney sentenciou: “A palavra certa para a atual situação
brasileira é perplexidade.” Ao trocar seu raciocínio em miúdos, ele
esboçou um cenário que é oposto ao que se verificou em 2010, quando
Dilma foi alçada da condição de poste para a poltrona de presidente.
“O
Brasil perdeu o otimismo, há um alto aquecimento do censo crítico,
desapareceu a sacralidade das políticas sociais.” Como se fosse pouco,
Sarney insinuou que o patrono de Dilma já não parece disposto a
defendê-la a qualquer custo. “O presidente Lula dá sinais de não desejar
engajar-se num pacto de morte e se afasta de um duelo fatal. O quadro é
de um labirinto. Mistério e imprevisão.”
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POLÍTICA E ECONOMIA