ENTREVISTA
Ives Gandra Martins, advogado
Diante dos fatos que vieram à tona com as investigações na operação
Lava Jato, surgiram questionamentos sobre a o envolvimento da presidente
Dilma Rousseff e a possibilidade de um processo de impeachment contra
ela. Além do caráter político do assunto, questões jurídicas estão
envolvidas. E o debate se acirrou quando o jurista Ives Gandra Martins
emitiu um parecer a pedido de José de Oliveira Costa, advogado de
Fernando Henrique Cardoso. Para Martins, ainda que não tenha havido
dolo, o agente público pode ser responsabilizado pelo atos ilícitos que
ocorreram durante sua gestão. Ele concedeu uma entrevista ao Justiça
& Direito, por telefone, explicando os principais argumentos que
apresentou no parecer.
Quais os embasamentos jurídicos que o
senhor adotou para emitir o parecer sobre a hipótese de impeachment da
presidente Dilma Rousseff?
Há dois tipos de crimes contra a
probidade da administração: os por dolo e os por culpa. O dolo é aquele
em que eu tenho intenção de fazer o crime, quando eu uso fraude, má-fé,
simulação, há uma intenção de realmente agir criminosamente. A culpa, ao
contrário, decorre de não se tomar as medidas necessárias para que isso
aconteça. Por exemplo, a senhora vê uma pessoa, está andando de carro,
resolve matá-la, aí age com dolo. Mas, se acontecer de matar por um
acidente, não tinha intenção de matar, mas o acidente de automóvel
terminou por matá-la, isso é um crime culposo ou por negligência, por
imperícia, omissão. Eu não entro no mérito se ela [presidente Dilma
Rousseff] age de má-fé ou não, isso é a Polícia Federal que vai apurar.
Eu parto do princípio de que Dilma, pelo desastre da Petrobras,agiu com
imperícia na administração, como presidente do conselho [da empresa],
como presidente da República. A Petrobras foi pessimamente administrada,
levando a esse estado de colapso, houve omissão da parte dela .
Então o senhor parte do princípio de que a presidente teve culpa, não dolo?
Não
se pode ter uma empresa que é assaltada durante oito anos e ninguém
perceber. Parti sempre de que não o dolo, mas a culpa representa atos
contra a probidade da administração. Concluí o parecer dizendo que isso
são argumentos jurídicos e que o impeachment é fundamentalmente um
processo político. O [ex-presidente Fernando] Collor, por exemplo, foi
condenado juridicamente, mas absolvido pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). O argumento jurídico serve para deflagar o processo, mas a
decisão é eminentemente política do Congresso Nacional, e isso eu
realcei no parecer e também no artigo.
O senhor poderia mencionar algumas normas que cita no parecer?
Tanto
a Constituição Federal, quanto a legislação ordinária, a
infraconstitucional, foi citada no parecer. Eu citei artigos da
Constituição: artigo 85, inciso 5.º; artigo 37, parágrafo 6.º e
parágrafo 5.º. Também a Lei de Improbidade Administrativa: artigo 4.º,
artigo 11; e a própria Lei de Impeachment, artigo 9.º, parágrafo 3.º.
Que argumento o senhor destacaria?
O
parágrafo 5.º do artigo 37 da Constituição diz que é imprescritível a
ação de regresso do Estado contra o agente que, por culpa ou dolo, tenha
gerado lesão ao indivíduo ou à sociedade. O parágrafo 6.º claramente dá
responsabilidade ao agente por culpa ou dolo. A responsabilidade do
Estado é sempre objetiva, independe de culpa ou dolo, se causou a lesão,
o Estado tem de responder. É sempre subjetiva a responsabilidade por
culpa ou dolo, e tem que se verificar se houve culpa do agente
(negligência, imperícia, imprudência ou omissão) ou se houve dolo
(má-fé, simulação, fraude etc.). Acionistas, ou seja quem for, têm
direito de pedir de volta do agente que provocou o prejuízo que a União
teve nas ações que estão sendo iniciadas pela Petrobras. Mesmo que tenha
deixado o governo, mesmo que seja 30 anos depois. E, se por acaso os
herdeiros receberam dinheiro decorrente do período em que estava na
administração, há autores que defendem que também serão atingidas as
heranças. Mas essa não é a minha posição, minha posição é que, quando a
gente morre, [a dívida] morre com a gente. Também é importante observar
os juristas que me apoiaram, que são grandes professores de direito.
Quem são eles?
Modesto
Carvalhosa, Adilson Dallari, Sergio Ferraz, Francisco Amaral, Hamilton
Dias de Souza, Damásio de Jesus, Paulo de Barros Carvalho, Rogério
Donnini, Ruy Altenfelder Cassio de Mesquita Barros, Bernardo Cabral e
Carlos Aurélio Mota. É um parecer tranquilo, estou analisando
juridicamente, sem qualquer carga emocional, sem nada. Também deixando
claro no parecer que o processo é eminentemente político. Quem pode
decidir são parlamentares do Congresso Nacional. É deles a decisão, do
Congresso. Juridicamente há fundamentos, mas a decisão será política.
E qual o peso dos argumentos jurídicos, então?
O
argumento jurídico na discussão política tem um valor muito pequeno.
Eles vão discutir se o país é ou não governável nessa crise pela qual
está passando. E realmente foi um desastre esse primeiro mandato dela.
Isso é que o Congresso vai decidir. Mas não acho que vai ser sequer
proposto [o impeachment], porque todos os congressistas ainda estão na
expectativa do que a Polícia Federal vai apresentar e das denúncias que o
Ministério Público vai fazer contra alguns parlamentares.
Como separar as questões políticas das jurídicas?
Se
chegar ao Supremo [Tribunal Federal], vão ser analisadas só as questões
jurídicas. Mas a decisão de um impeachment nunca é do Supremo, a
decisão é do Congresso. Por exemplo, no caso do [Fernando] Collor, além
de ele ser afastado, entendiam que ele tinha cometido crime e o Supremo
absolveu. Se não por culpa, mas por dolo. Mas não acredito que haja no
momento ambiente para o impeachment. Se por acaso, não por culpa, mas
por dolo, for caracterizado que houve crime, independentemente de ser
afastada do governo, a presidente teria que responder junto ao Supremo
Tribunal Federal. Vamos ter que esperar um pouco para ver se ela
consegue aprumar de novo o barco que está afundando. Eu apenas disse que
há elementos para o impeachment, mas não disse que o impeachment é
viável.
Qual a sua posição com relação ao governo da presidente Dilma?
Enquanto
cidadão, eu tenho feito muitas críticas. Desde o início do governo, eu
tenho mostrado que a política que ela estava adotando no campo da
economia levava o Brasil à situação que está atualmente: baixo PIB, alta
inflação, descompetitividade industrial. No meu site há vários artigos,
eu vinha alertando isso. Do ponto de vista de cidadão eu sempre
critiquei o erro da posição econômica que ela adotou, mas o parecer é
exclusivamente jurídico, sem nenhuma carga emocional.
Quais seriam as consequências para o país caso ocorresse um impeachment?
Se
por acaso ela sofresse o impeachment, Michel Temer seria o novo
presidente. Eu tenho impressão de que o Michel tem uma condição muito
boa de diálogo com o Congresso, foi três vezes presidente da Câmara dos
Deputados. Também é um excelente constitucionalista, demos muitas
palestras juntos antes de ele ser vice-presidente ou político. Tenho
impressão de que poderia acontecer algo mais ou menos como aconteceu com
o Collor e o Itamar [Franco]. Todos achavam que ia ser ruim, e o Itamar
foi um excelente presidente, foi no governo dele que tivemos o Plano
Real. Mas acho que isso tudo é conjectura que os políticos devem fazer,
eu só fiz conjectura jurídica.
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POLÍTICA E ECONOMIA