Arnaldo Jabor
PUBLICADO EM 22/03/16 - 03h00
“Eu sou o único cara que pode incendiar esse país... Tá pensando o quê?
Eu estou aqui em frente ao espelho e posso falar tudo que quiser...
Ninguém me ouve. Olho-me no espelho e vejo que eu sou o povo. Sou um
fenômeno de fé. Quanto mais me denunciaram, mais eu cresci. Eu
desmoralizei escândalos, vulgarizei alianças, subverti tudo, inclusive a
subversão. Agora eu voltei como uma jararaca. Aaah. A jararaca virou
ministro... Vou morder esse Sérgio Moro na bunda. Meus inimigos odeiam o
homem maravilhoso que eu sou. Por isso querem me prender. Inveja. Não
há vivalma no país tão inebriante como eu. Eu me amo.
“Por inveja, o Supremo Tribunal Federal também está querendo me esmagar a cabeça. Estão todos acovardados sem me defender, porque são uns neoliberais de merda – covardes... E mais: e os babacas dos presidentes da Câmara e do Senado? Estão fodidos. Se derrubarem a Dilma, caem juntos.
“Agora eu chamei um novo ministro para a Justiça, o Eugênio Aragão. Ele é meio maluco, frequenta o Santo Daime, bebe ‘huascar’ e já começou a ‘trabalhar’; já ameaçou o diretor da PF e vai nos ajudar a atacar a República de Curitiba... Ainda bem que surgiu um macho para me defender, porque a ministra Rosa Weber nem deu bola – mal-amada... Até a minha assessora, Clara Ant, está com raiva, porque eu falei que ela era uma baranga... E a ingratidão daquele Janot, que eu mandei a Dilma nomear?
“Mas o povo foi para as ruas, a CUT, o MST organizaram tudo. Os coxinhas ficam com medo daquela onda vermelha... Eles têm de me respeitar... Como pode um delegado, um promotor do MPF me desrespeitar? Eu não sou um cidadão comum, como eu disse uma vez para puxar o saco do Sarney. Eu sou especial. Fui falar com o Lewandowski, que tanto nos ajudou no mensalão, e também fui traído. Ele se recusou a agir contra a República; mas, que república? Ele traiu a mim...
“Eu vou secar essa Lava Jato. Eles têm de ter medo de mim... Esse Moro está subvertendo as regras políticas de 400 anos. Sempre fomos assim, é até uma tradição... E a Receita Federal que não me respeita? Tem de ficar bisbilhotando minhas contas? Já dei um esporro no Nelson Barbosa, que fica copiando aquele babaca do Levy, querendo fazer cortes no Orçamento... Que cortes? A militância não quer. Tem de cortar porra nenhuma. Tem é que aumentar os gastos públicos ainda mais para eu recuperar minha imagem. E tem mais: vou meter a mão naquele tal de ‘fundo soberano’, nas reservas internacionais do Brasil, no peito e na raça, para distribuir presentinhos de consumo para os idiotas que me amam.
“E a porra do sítio em Atibaia? A ideia foi boa, botar tudo no nome dos
sócios do Fabinho... Mas veio essa PF, que o Aragão, graças a Deus, vai
arrasar, e fodeu tudo...
“E aquele triplex que comprei, atualmente em nome da OAS. Êta gente
boa! Eu achei pequeno como um daqueles barracos do Minha Casa, Minha
Vida, e eles reformaram tudo. A direita diz que aquelas fotos no
apartamento – eu, a Marisa e o Léo Pinheiro – provam que eu sou o dono.
Eu direi a eles que não prova nada, porque estávamos decidindo cor de
paredes, sancas, lustres etc. É isso aí, bicho. A OAS tem agora um novo
departamento: ‘OAS Decorações’. Ha ha ha...
“Espelho meu, a verdade é que eu comandei o esquema todo. Eu ia deixar toda essa grande empreitada para me salvar na mão de incompetentes como o Mercadante? Eu me salvo! Porra, tive de bancar o bobo, dizendo que não sabia de nada... Só se eu fosse um débil mental, com tudo ali à vista no Planalto, na cara.
“Eu sou foda. Eu fiz tudo sozinho. Claro que com a ajuda dos operários,
aqueles operários que acreditavam em mim enquanto eu conciliava com as
multinacionais... A verdade é que eu nunca me interessei pelo bem do
povo. Essa visão de um operário pensando no país é uma imagem romântica
de pequenos-burgueses. Operário quer é subir na vida. Fui mestre nisso.
Eu odiava o calor daqueles tetos de Eternit na fábrica, aquela cachaça
morna na hora do almoço. Aquele torno que cortou meu mindinho foi minha
primeira grande sorte (tem gente que até acha que eu mesmo cortei...).
Virei líder sindical. Foi a sorte grande. Sem dedo, descobri a massa. Eu
vi a facilidade de convencer o povão de fazer o que eu quisesse. Tudo
tão simples; basta falar como eles, falar de futebol, fingir de vítima,
injustiçado por ter origem humilde, dividir o mundo em ricos e pobres,
mentir estatísticas numa boa, falar do futuro.
“Meu grande erro, espelho meu, foi não ter pegado o terceiro mandato.
Botei aquela guerrilheira incompetente no poder, e ela também sabia de
tudo. Imagina se aquela comuna não sabia da compra da refinaria de
Pasadena pela qual pagamos 300 vezes mais que o preço original... Foi
lindo! Mais de 3% só para o PT. Quanto deu? Três por cento de R$ 1,2
bilhão quanto é? Sei lá... E dane-se que os ‘Cerverós’ da vida meteram a
mão na cumbuca... Nosso plano foi de usar a corrupção para ficar no
poder, como todos sabem... ‘Fora do poder tudo é ilusão’, dizia, acho
que foi Lênin, que aqueles imbecis citam muito... Só a corrupção move o
país.
“Ai que saudades das mãos da rainha Elizabeth – eu beijei sua mão com
um vago perfume de verbena. Ai que saudades dos tempos em que eu posava
com outros presidentes, com o Obama me puxando o saco, dizendo que eu
era ‘o cara’. Mas eu voltarei... E mesmo com tantos problemas, tenho
compensações: como é bom ver intelectuais metidos a besta ainda me
olhando com fervor, me achando o símbolo do futuro, como se eu tivesse
uma foice e um martelo nas mãos. Como são burros esses cultos, esses
intelectuais da USP/PUC reunidos para me defender... Eu confesso que não
entendo como esses artistas e cancioneiros populares ignoram que eu não
sou a salvação de merda nenhuma. Como é que eles conseguem se enganar
tanto? Só penso em mim. Mas, graças a Deus, eles têm fé... Por isso, eu
conto com esses idiotas. Suas teorias e crenças ideológicas conferem um
pouco de ‘profundidade’ a mim... Claro que estou pouco cagando para suas
teses, mas eles são úteis.
“Eles pensam que são a revolução. Mas eu é que sou a revolução. Eles não queriam arrasar o capitalismo?
“Pois eu consegui”.
Arnaldo Jabor
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