"Eu sou da República de Curitiba!", gritava o delegado da Polícia
Federal Algacir Mikalovski ao microfone no ato em frente ao prédio da
Justiça Federal de Curitiba, onde trabalha o juiz Sergio Moro, na
quinta-feira (17). Seguiram-se aplausos entusiasmados e gritos de
curitibanos que comemoravam uma espécie de nova identidade.
Ironicamente, o título abraçado pelos manifestantes foi cunhado
justamente por aquele que é o maior alvo de críticas nos protestos
contra o governo federal.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma conversa com a
presidente Dilma Rousseff interceptada pela PF, dizia estar assustado
com a "República de Curitiba", em referência a Moro e aos investigadores
da Lava Jato em primeira instância.
Guilherme Artigas - 17 mar. 2016/Fotoarena/Folhapress | ||
Manifestantes contrários ao governo exaltam "República de Curitiba" em protesto em março no Paraná |
Foi o que bastou para, no dia seguinte à divulgação da frase, a
expressão ter virado mote para páginas nas redes sociais, "endereço"
fictício em postagens no Facebook e até para estampar camisetas.
Foi em um churrasco entre amigos na quarta-feira (16) da divulgação dos
grampos que nasceu a ideia de estampar camiseta preta com a frase
"República de Curitiba" e o rosto de Moro, conta o publicitário Thiago
Cardoso, 35.
Nos protestos mais recentes, ela já disputa espaço com as roupas em
verde e amarelo. Pelo menos 500 já foram confeccionadas. Não há site ou
ponto de vendas; as pessoas copiam o modelo da internet e encomendam
para distribuir para amigos.
E há centenas de pedidos de pessoas de fora de Curitiba, via internet, interessados no produto, diz Cardoso.
"Nos protestos existia uma necessidade de um uniforme. As pessoas
estavam usando a camiseta do Brasil meio descontentes, porque não
mostrava a revolta em relação a tudo que está acontecendo", afirma o
publicitário.
Ao lado do Jardim Botânico, cartão postal da cidade, os prédios da PF e
da Justiça Federal passaram a ser visitados por turistas, de fora ou
locais, com fotos postadas na internet com a localização "República de
Curitiba".
No Facebook, há pelos menos 40 páginas com a expressão "República de
Curitiba". Uma das primeiras a ser criada reunia 20,6 mil seguidores até
esta segunda-feira (28).
"É uma expressão muito legal, todo mundo aqui adorou", diz o músico Eder
Borges, 32, criador da página e integrante dos grupos "Movimento Brasil
Livre" no Paraná e "direita de Curitiba", a favor do impeachment da
presidente Dilma.
Para o curitibano Borges, a adesão à expressão "República de Curitiba"
não é ufanismo. "Não digo ufanista, mas é o amor à nossa terra. Acho que
todo bom curitibano ama a sua cidade, de uma forma até um pouco
exacerbada. Isso é próprio do povo paranaense, do povo sulista", diz
Borges.
IDENTIDADE
A expressão, com a Lava Jato, veio trazer uma identidade ao curitibano,
opina Cardoso. "O curitibano tem uma certa falta de identidade, é
diferente do gaúcho ou do carioca. A investigação ser toda aqui, com
juiz e procuradores do Paraná, traz um orgulho para nossa cidade".
Não é a primeira vez em sua história recente que Curitiba adere a expressões que tentam reforçar positivamente sua imagem.
"Cidade Sorriso" foi uma das primeiras campanhas capitaneadas pela
prefeitura, no início dos anos 70, para vender uma boa imagem do
município até então ainda tímido frente a outras capitais, afirma o
sociólogo curitibano Nelson Romário de Souza, da UFPR (Universidade
Federal do Paraná), que pesquisa a reforma urbana na cidade.
Criação de parques e melhorias no transporte urbano ajudaram sucessivos
prefeitos a vender a ideia de Curitiba como "cidade ecológica",
"europeia" e "moderna".
Para o sociólogo, a vontade de se criar uma identidade em torno de
expressões como "República de Curitiba" não é, em si, negativa. "O
problema é quando isso se desdobra em situações de um investimento
excessivo num certo orgulho, que paralisa a reflexão."
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