A revisão da Lei da Anistia é uma aberração jurídica. Uma comissão
oficial da verdade é, por definição, uma comissão da mentira oficial.
Serve a causas políticas, a grupos ideológicos de pressão e à
consolidação de mistificações convenientes. Só não serve aos fatos.
Ainda que a Lei 6.683, a da Anistia, fosse "autoanistia", seu fundamento
foi incorporado pela Emenda Constitucional nº 26, que convocou a
Constituinte. Está lá, com todas as letras, no parágrafo 1º do artigo
4º: "É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou
conexos (...)". Na proposta original, a anistia excluía os crimes de
sangue. Foram as esquerdas que cobraram que ela fosse "ampla, geral e
irrestrita". Sei porque eu fazia parte dos grupos de pressão.
Há mais. A Comissão Nacional da Verdade foi instituída por uma lei,
igualmente aprovada pelo Congresso, a 12.528. Lê-se no artigo 6º:
"Observadas as disposições da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, a
Comissão Nacional da Verdade poderá atuar (...)". Qualquer que fosse o
trabalho da comissão, o pressuposto era a anistia.
Mais um pouco. O artigo 1º dessa lei estabelece que a comissão deve
"examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos"
praticadas de "18 de setembro de 1946 até a data da promulgação" da
Constituição. Mas a turma se dedicou apenas aos crimes havidos a partir
de 1964. A todos os crimes?
Não! Os humanistas decidiram que alguns cadáveres não merecem nem
sepultura histórica. Os assassinatos cometidos por terroristas não
ocuparam o tempo dos donos da verdade. Segundo eles, são 434 os mortos e
desaparecidos. As 120 pessoas eliminadas pelo terrorismo viraram
esqueletos descarnados também de memória. Como? Não são 120? Isso é papo
de milico? Por que os valentes da comissão não investigaram?
Pais de família inocentes sumiram do mapa dos fatos. Contumazes
assassinos, como Marighella e Lamarca, ocupam o panteão dos heróis. Esse
relatório é um lixo moral. Mais uma vez, a turma mandou a lei à breca: o
inciso 3º do artigo 3º determina que a comissão se ocupe de crimes
cometidos também "na sociedade", não só nos aparelhos de Estado.
Como levar a sério uma "Comissão da Verdade" que não respeita nem o
texto legal que a criou e que ignora que a Lei da Anistia, como condição
da Constituinte, foi referendada por um Congresso eleito livremente?
Como levar a sério uma "Comissão da Verdade" que elimina da história a
verdade dos cadáveres que não interessam à causa?
De resto, há a decisão já tomada pelo Supremo, assegurando a higidez da
Lei da Anistia. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, dado a
alegorias de mão em matéria de constitucionalismo, o tribunal deve se
debruçar de novo sobre a questão, depois que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos –certamente ignorando a aprovação da Emenda 26–
censurou a Lei 6.683 porque seria "autoanistia". Eu não sabia que a
Corte Interamericana é tribunal revisor do STF. Que besteira!
"Anistia" tem a mesma raiz de "amnésia". É, para fins políticos e
penais, "esquecimento", o que não é sinônimo de "perdão", "absolvição"
ou apagamento da memória narrativa. Para tanto, é preciso ter
honestidade intelectual para contar a história dos mortos de modo a não
servir aos interesses de vivaldinos.
FOLHA > reinaldo azevedo
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