quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Como derrotar Tiririca?

Mas acho difícil concordar com o cientista político Carlos Pereira, para quem o presidencialismo brasileiro bem ou mal dá conta do recado, ou com seu colega Fabiano Santos, para quem a reforma política seria uma caixa de Pandora, uma irresponsabilidade total. 

Vendo o assunto "de fora", pode até ser. As coisas em geral funcionam antes de entrar em colapso, e tudo o que vai indo pode piorar muito quando se tenta melhorar um pouco. 

Minha perspectiva é outra. Prefiro abandonar essa visão "macro" do sistema —pela qual se pode reconhecer que há estabilidade democrática, relativa independência dos poderes, doses razoáveis de consenso, e até (será mesmo?) padrões crescentes, embora baixos, de controle da corrupção. 

Adoto, em vez disso, um ponto de vista individual, o do eleitor comum, no caso eu mesmo. Aí acho que a necessidade de uma reforma política se impõe claramente. 

Dilma ou Aécio? A escolha do segundo turno, seja qual a preferência que tenhamos, não foi complicada, obscura, distorcida. Cada um votou em quem queria, e elegeu-se quem teve mais votos. Pode-se melhorar o conteúdo dos debates, pode-se (e deve-se) pensar em campanhas mais baratas, mas o sistema, em termos de técnica institucional, não precisa ser reformado. 

Tudo é diferente, na minha opinião, quando passamos às eleições para deputados estaduais e federais. Há milhares de candidatos. Há dezenas de partidos. Todo mundo esquece em quem votou. Na véspera da eleição, ninguém sabe direito quem vai escolher. 

Quando tanta gente vota em Tiririca, é evidente que há algo de errado no sistema. Pode-se argumentar que essa foi simplesmente a vontade da população. Discordo.

Basta imaginar o que aconteceria se Tiririca fosse candidato a senador. Na última eleição, a disputa para esse cargo se deu entre José Serra e Eduardo Suplicy. São figuras públicas de alto nível. Não acho exagero dizer que a grande maioria dos eleitores rejeitaria o nome de Tiririca se tivesse de optar entre ele e Serra, entre ele e Suplicy. 

Qual a diferença entre votar em senador e votar em deputado federal? É que, quando escolhemos alguém para uma vaga no Senado, estamos eliminando os seus rivais. Quem vota a favor de alguém vota, ao mesmo tempo, contra os seus adversários. 

No caso das eleições para deputado, isso não acontece: o voto num candidato não significa a rejeição aos outros. Pelo menos, no atual sistema proporcional. 

No sistema distrital, misto ou puro, a disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados funcionaria como no Senado: entre cinco ou dez concorrentes num mesmo distrito, escolho um e elimino os outros. Nesse caso, eleger significaria, literalmente, "escolher". Vejo todos os candidatos e determino, que seja, o menos pior. 

Por que as pessoas votam em Tiririca? Não é que o prefiram, em meio aos milhares de postulantes. Quando você tem milhares de opções, não consegue conhecer nenhuma. O voto se transforma num ato de reconhecimento: "Esse eu sei quem é". Ou, pior ainda, "Tem de votar em alguém? O único nome que me ocorre é o do Tiririca". 

É como se todos seus eleitores estivessem, na verdade, pedindo por socorro. Ajudem-nos a saber em quem votar. Ajudem-nos a ter uma eleição que faça sentido. 

Associa-se, em geral, o baixo nível da Câmara dos Deputados ao baixo nível educacional do eleitorado brasileiro. É a teoria do "reflexo". A Câmara é um espelho da sociedade. 

Mas o problema não é de espelhar o que quer que seja. E sim de representar a vontade dos eleitores. A ditadura de Idi Amin Dada era "reflexo" da sociedade ugandense dos anos 1970? Digamos que fosse. Mas isso é muito diferente de dizer que Idi Amin "representava" os desejos da população de Uganda. 

A questão é dar ao eleitor os melhores mecanismos possíveis para que ele expresse sua vontade política (que aponta para algum rumo qualquer, seja o da continuidade, seja o da mudança). 

Uma pessoa com sérios problemas de fala deve consultar um fonoaudiólogo. Mas há quem considere que seus grunhidos ininteligíveis são "uma expressão legítima" de suas pouco invejáveis condições de saúde. 


FOLHA>UOL

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