sábado, 13 de setembro de 2014

Sobre BC, Marina defende o mesmo que Renan

A ‘nova’ e a ‘velha’ política têm algo em comum. No debate sobre o papel institucional do Banco Central, a presidenciável Marina Silva e o senador alagoano Renan Calheiros, um dos políticos que ela mais abomina, frequentam a mesma trincheira. Ambos pregam a necessidade de aprovar no Congresso uma lei que dê independência à autoridade monetária.

Em discurso que proferiu da tribuna do Senado em 25 de outubro de 2013, Renan fez uma enfática defesa do projeto de lei número 102, de 2007 (assista no vídeo acima). Relatou a proposta o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), primo e apoiador do presidenciável tucano Aécio Neves. Prevê que o presidente e os diretores do Banco Central terão mandato de seis anos, podendo ser reconduzidos uma única vez.

Até os argumentos usados por Renan são semelhantes aos de Marina. “É inevitável que o Banco Central fortalecido tenha independência e fique imune aos interesses vindos da esfera política, partidária, governamental ou até mesmo da vida privada”, disse o senador em seu discurso.

Num site criado pelo comitê de Marina para se defender dos ataques que vem recebendo da rival Dilma Rousseff, anotou-se: “Banco Central independente significa que nenhum partido ou grupo de interesse usará a instituição para se beneficiar.”

Com a autoridade de presidente do Senado, Renan prometera em seu pronunciamento que levaria a proposta de Dornelles a voto até o final do ano passado. “Na minha avaliação, o Brasil já está maduro para esse debate e não devemos contaminá-lo ideologicamente. A discussão com relação à independência do Banco Central é uma discussão técnica, e somente técnica.”

O arroubo de Renan durou pouco. Faltou-lhe independência para levar adiante o compromisso de votar a proposta que inibiria a interferência do chefe do Executivo sobre as decisões do Banco Central. Onze dias depois do seu discurso, Renan foi convocado por Dilma para uma reunião no Planalto. Os dois conversaram por cerca de duas horas.

Ao final do encontro, a dependência de Renan ao governo prevaleceu sobre a independência do Banco Central. E o senador informou que desistira de submeter o texto de Dornelles a votação. Alegou que, além de Dilma, também os partidos de oposição faziam restrições à proposta. Nas suas palavras, o debate fora “interditado”.

Ouvido na época, Dornelles disse: “Na política, a gente só manda uma carta depois de receber a resposta. Na hora que Renan sentiu que a resposta era negativa, do governo e da oposição, ele, de forma competente, retirou o projeto. E afirmou que não vai colocar em votação.”

Nesta sexta-feira (12), em sabatina promovida pelo Globo, Dilma voltou a pegar em lanças contra a proposta de Marina. Disse que a independência do Banco Central criaria no país o “quarto poder”. Ela esmiuçou seu raciocínio:

“O quarto poder, que é o poder da independência do Banco Central, é algo extremamente questionável. Uma coisa é autonomia operacional. Outra coisa é independência do Banco Central. Independência é de poder. O Banco Central não é um poder. O Banco Central é uma instituição. Poder tem que ser eleito pelo povo, como o Legislativo ou o Executivo. Ou como o Judiciário, que tem um mandato durante a vida. Um presidente do Banco Central poder sair e servir a um banco [privado], ir para uma instituição de crédito lá fora.”

Confrontados com o texto da proposta que tramita no Senado, os argumentos de Dilma tornam-se falaciosos. O projeto prevê inclusive a hipótese de demissão do presidente e dos diretores do Banco Central. A diferença é que, a exemplo do que ocorre quando os dirigentes do BC são indicados pelo presidente da República, o afastamento teria de ser aprovado previamente pelo Senado.

É falsa também a tese segundo a qual o Banco Central independente faria o que bem entendesse, operando à revelia dos interesses do governo. Sobre isso, vale a pena reproduzir o que disse Francisco Dornelles no dia em que Renan deu meia-volta após conversar com Dilma:

“No meu projeto, o poder para fazer política monetária, política orçamentária, política creditícia, política cambial… tudo isso é de competência do Conselho Monetário Nacional, que tem em sua composição dois ministros indicados pela Presidência da República.”

Dornelles prosseguiu: “O que faz o Banco Central? Apenas implementa as decisões de política monetária, fixadas pelo Conselho Monetário. Na realidade, o Banco Central tem, no meu projeto, os mesmos poderes que tem hoje, com uma única diferença: hoje, os seus poderes decorrem da vontade presidencial. E, no projeto, vai decorrer de lei. Só existem três países em que o Banco Central não tem autonomia: a Costa Rica, a Venezuela e um terceiro da America Central.”

A própria Dilma, na sabatina desta sexta, realçou que, nos Estados Unidos, onde o Banco Central opera com independência, a lei impõe os objetivos que o órgão deve perseguir na execução da política monetária. “Máximo emprego, estabilidade de preço, juros moderados de longo prazo. Esse é o mandato”, disse Dilma, ecoando, com outras palavras, o que dissera Dornelles em novembro do ano passado.

Também nesta sexta-feira, em visita à cidade de Fortaleza, Marina Silva voltou ao tema: “Um Banco Central autônomo é para ficar livre da influência dos que só pensam no poder pelo poder”, disse. Em resposta à insinuação de Dilma de que ela propõe a independência do BC sob inspiração da amiga Neca Setúbal, coordenadora do seu programa de governo e herdeira do Banco Itaú, Marina declarou: “Nunca os bancos lucraram tanto. Só no governo Lula, foram R$ 199 bilhões. No da Dilma, R$ 190 bilhões.”

Horas antes, Dilma dissera que o Banco Central deve atuar sob o regime de autonomia operacional. “Autonomia não precisa de lei nenhuma”, ela enfatizou. Baseando-se em autocritérios, Dilma disse que, na sua gestão, a “autonomia” foi assegurada. No governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, comparou Dilma, foram demitidos dois presidentes do BC. “Isso é autonomia relativa. Eu sou a favor da autonomia do Banco Central. E pratico essa autonomia.”

Na avaliação dos operadores do mercado, a declaração de Dilma só é válida até certo ponto. O ponto de interrogação. A presidente é criticada por ter supostamente obrigado o Banco Central a promover uma queda artificial dos juros no início do seu mandato. Simultaneamente, o governo adotou uma política fiscal frouxa. Com os cofres abertos e os juros na coleira, a inflação desgarrou-se do centro da meta (4,5%), aproximando-se do topo (6,5%). Como resultado, o BC viu-se compelido a retomar a trajetória de alta dos juros.

Sob Lula, sucedera algo bem diferente. Eleito em meio a dúvidas sobre a política econômica que adotaria em seu governo, o antecessor de Dilma surpreendeu o mercado ao convidar o banqueiro Henrique Meirelles, ex-presidente mundial do Bank Boston, para comandar o Banco Central. Para aceitar o convite, Meirelles exigiu ampla autonomia. Algo que Lula lhe prometeu. E cumpriu.

É contra esse pano de fundo que o debate sobre a independência do Banco Central volta às manchetes na atual campanha. Pode-se concordar ou discordar da proposta. Mas quem quiser frequentar a discussão sem perder a racionalidade deve buscar argumentos longe do balé de elefantes encenado no palco eleitoral.

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POLÍTICA E ECONOMIA