quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Será preciso mexer em vacas sagradas do PT, diz ex-presidente do BNDES

Karime Xavier/Folhapress
O ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros
O ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros

O deficit primário de 0,9% do PIB (Produto Interno Bruto) previsto pelo governo para este ano é esperado dentro do cenário econômico atual e não prejudica a classificação de risco do Brasil no curto prazo, afirma o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros. 


Para ele, o medo de um colapso econômico entre os agentes do mercado diminuiu. 

"Passamos de uma histeria coletiva para uma situação de quase normalidade", afirma. A calmaria só se sustentará, no entanto, se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tiver estabilidade no cargo para continuar com as medidas de ajuste fiscal, diz. 

Ainda assim, o atual governo não terá força política para promover reformas estruturais mais profundas.
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Folha - O governo anunciou na terça (27) uma projeção de deficit primário de 0,9% do PIB [Produto Interno Bruto] neste ano. Quais as implicações da nova meta e como fica o ajuste fiscal no longo prazo?
Luiz Carlos Mendonça de Barros - Eu tenho uma visão um pouco diferente em relação à questão fiscal neste ano, por uma razão muito simples: você tem uma queda de 3% do PIB e, portanto, tem uma queda expressiva na arrecadação do governo. É uma situação normal quando se parte para um ajuste como o que está sendo feito na economia brasileira. 

Estamos passando por um ajuste recessivo, cujo objetivo central é a redução da demanda privada no país. Ora, quando isso acontece, é normal que haja queda de arrecadação. Num país como o nosso, em que 90% das despesas do governo são fixas no curto prazo, sem mudanças estruturais, o resultado final é um deficit dessa ordem. 

O que torna essa questão mais quente do ponto de vista da discussão é que o governo cometeu um erro sério, grave, no início do ano, que foi se comprometer com um superavit primário impossível de ser atingido numa situação de recessão. E, à medida que essa recessão foi se consolidando –e ainda mostrando que é mais forte do que se previa inicialmente–, você passou de uma situação de superavit primário para deficit primário simplesmente por um erro de avaliação. 

Estamos passando por um ciclo de redução de atividade provocado pelo próprio governo, por meio de duas ações: as decisões do Banco Central de subir os juros e de acabar com a farra do boi do crédito dos bancos públicos. Então, o deficit é natural dada a política econômica atual. E essa política, de redução da demanda, está absolutamente correta do ponto de vista da teoria econômica. O Brasil viveu um período de excesso de crédito e de consumo que provocou uma série de desequilíbrios, que agora estão sendo corrigidos. 

Mas vai haver aumento da relação dívida/PIB.
Sim, a dívida do governo vai aumentar. Só que o importante agora é um compromisso com o ano que vem, 2017 e 2018, de reverter essa situação. E é preciso considerar esse aumento de dívida como uma circunstância da mudança de politica econômica. Em 2009, o deficit público nos Estados Unidos chegou a 10% do PIB, todos achavam que era o fim do mundo e não foi. O deficit americano em 2015 vai ser o menor dos últimos dez anos. 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem dito que, feito o ajuste, a economia volta a crescer em seguida. O senhor concorda?
Esse é o ciclo normal da economia de mercado. Você teve um ciclo expansionista que passou do limite, e não há outro tratamento senão a redução brusca de consumo e do investimento. E isso já está começando a dar alguns sinais positivos. O mais claro e mais forte deles é o resultado das contas externas. 

É evidente que o ajuste tem se dado mais pela queda das importações do que pelo aumento das exportações, mas é assim que é a vida. O primeiro período de um ajuste desse tipo nas contas correntes é a queda nas importações. Agora, com a atual taxa de câmbio, a indústria brasileira voltou a ser competitiva e já há sinais de que as exportações estão começando a se recuperar. O que está ocorrendo, para mim, está no script de uma política econômica correta para os problemas brasileiros hoje. 

Estancada a sangria, o governo diz que deve cortar despesas nos próximos anos. É possível fazer isso no Brasil, com tantas despesas em que não se pode mexer?
É possível, mas vai ter que mexer em vacas sagradas do governo do PT e da Dilma. É preciso ter uma posição mais radical com uma série de programas do governo que até agora estão sendo preservados. 

Agora, outra questão importante é que, pela primeira vez em muito tempo, a situação fiscal virou assunto de discussão nacional. Essa é a primeira etapa para permitir que se faça um trabalho de longo prazo e estrutural nas despesas do governo. 

A expectativa de que 2016 seria o ano da recuperação vem sendo, aos poucos, substituída pela ideia de, melhora mesmo, só em 2017. O próximo ano também será ruim?
Ah sim, porque esse ajuste leva tempo. No último trimestre de 2016, a situação vai estar melhor do que na média do ano. Você vai ter uma recuperação da indústria, que representa 10% do PIB, com a recuperação importante das exportações. Se você soma isso com os 5% do PIB do agronegócio, já começa a ter recuperação. 

Além disso, a redução de crédito e o aumento de juros estão levando os consumidores a fazer uma revisão grande de seus gastos, e vamos ter um consumidor muito mais equilibrado financeiramente no ano que vem –e, portanto, com condições de recuperar o consumo. 

O que estamos vivendo é um ciclo absolutamente tradicional de ajuste, que aconteceu no mundo todo e está ocorrendo em outros países. Por isso, me chama a atenção esse excesso de nervosismo em relação a um comportamento que está nos livros de teoria econômica. 

De certa maneira, isso se explica pelo fato de que você tem várias gerações hoje no mercado que nunca viveram uma crise como essa. E o governo cometeu um erro terrível, quando ficou claro que era necessária uma correção do lado da demanda, porque procurou manter aquele período [de crescimento] ainda vivo. E então a queda no vazio foi muito pior. Tanto é verdade que isso está refletido nas pesquisas de apoio à presidente, que têm queda até maior do que a registrada pela atividade econômica. 

Mas, se o governo andar adequadamente, como é o sinal nesses últimos meses, e continuar esse trabalho pelo resto do mandato, nós estaremos saindo dessa crise em um ano, um ano e meio. 

Como o sr. avalia as chances de um impeachment hoje?
Aparentemente, esse negócio de impeachment foi jogado para a frente. Porque o fiel da balança, que é o PMDB, se convenceu de que assumir o governo agora, no meio dessa crise, vai ser um desgaste muito grande. Então, não há interesse imediato em fazer isso. E não há ainda nenhum sinal claro, gritante, de que se tenha condições de levar à frente um impeachment da presidente. 

Qual a participação do Congresso na crise?
Assim como entramos em cúmulo-nimbo [nuvem associada a tempestades e instabilidade atmosférica] da economia, nós entramos num cúmulo-nimbo da política, porque 14 anos de bem-estar correspondem a 14 anos de hegemonia política muito forte do PT. E, de repente, você tem um vácuo no Congresso: essa hegemonia não existe mais, todo o mundo sabe que a possibilidade de recuperação é muito pequena e que uma nova hegemonia deve aparecer pela frente, só que ela ainda não está construída. Esse é outro ponto de muita insegurança e que vai precisar de tempo. Da mesma maneira que será preciso reconstruir o equilíbrio econômico, teremos de reconstruir uma nova hegemonia política, que não é a centrada no PT. 

O dólar deixou de subir tanto e os investidores têm olhado bastante para o cenário externo. Os ânimos se acalmaram com relação à economia brasileira?
Acho que nós passamos de uma histeria coletiva em relação a tudo para uma situação de quase normalidade. O medo de um colapso diminuiu. A situação ainda é muito insegura, mas há sinais positivos, como os ex-ministros da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira [Sarney] e Guido Mantega [Lula e Dilma] dando apoio ao Joaquim Levy, espaço para ele respirar. 

O Brasil corre o risco de ser rebaixado novamente pelas agências de classificação de risco por causa do deficit em 2015?
Não é o caso agora. As agências já definiram o cenário que vão olhar, reduziram a nota e disseram que estão de olho muito mais em 2016 e 2017, vendo qual vai ser a posição do governo na parte fiscal, antes de tomar uma decisão final. Portanto, a estabilidade do ministro Levy no cargo ajuda a reduzir o nervosismo com o grau de investimento. 

Se perder de novo o grau de investimento, quais as consequências para o país?
Atrapalha, sem dúvida. Até porque houve tanta dificuldade para ganhar o grau de investimento, e a perda dele é uma coisa real e tem que ser evitada a qualquer tempo. E só será evitada se o ministro for prestigiado e conseguir pouco a pouco, sem nenhuma mágica, mostrar que, pelo menos, o sinal do Orçamento mudou. E aí é uma questão de tempo e força política –que esse governo não tem, isso vai estar depender do próximo– para buscar as medidas necessárias no longo prazo.
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  • RAIO-X - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Origem:
Nasceu em São Paulo (SP), em 28 de novembro de 1942
Formação:
Formado em engenharia de produção pela USP e doutor em economia pela Unicamp
Carreira:
Foi presidente do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, é presidente da Foton Aumark do Brasil, empresa chinesa de caminhões 


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POLÍTICA E ECONOMIA