sábado, 28 de maio de 2016

Para Ayres Britto, ‘não há força humana’ que barre a Lava Jato


Operação Lava Jato

Por Fausto Macedo, Ricardo Brandt e Mateus Coutinho
28/05/2016, 05h00

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, que conduziu o processo do Mensalão em 2012, avisa que a super operação contra corrupção na Petrobrás, sob fogo cerrado de políticos, tornou-se 'questão de honra nacional'
Ex-presidente do STF Carlos Ayres Brito. Foto: Dida Sampaio/Estadão
Ex-presidente do STF Carlos Ayres Brito. Foto: Dida Sampaio/Estadão


O ex-ministro Carlos Ayres Britto, que presidiu o Supremo Tribunal Federal (STF/abril a novembro de 2012), disse que ‘não há força humana’ que barre a Operação Lava Jato – maior investigação já deflagrada contra a corrupção no País.

“A Lava Jato passou a caminhar com suas próprias pernas. Ela se autonomizou e quem quer que seja, individual e coletivamente, não a deterá. A Lava Jato se vacinou contra interferências à sua continuidade. Tornou-se, portanto, um patrimônio objetivo do povo. Ela se tornou uma questão de honra nacional”

A Lava Jato, ora sob fogo cerrado de políticos que tramam seu enfraquecimento, ganhou as ruas em março de 2014. Na ocasião,o juiz federal Sérgio Moro autorizou a primeira leva de prisões, buscas e quebra de sigilo de investigados.

De lá para cá foram 30 operações sucessivas que pegaram empreiteiros, doleiros, ex-dirigentes da Petrobrás e políticos.


Conversas gravadas em março de 2016 entre o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB/AL), o ex-presidente José Sarney (1985/1990) e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, agora reveladas, indicam uma inequívoca determinação de caciques do PMDB em golpear a Lava Jato.

A estratégia inclui agressões ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem Renan e Sérgio Machado chamam de ‘mau caráter. Inclui, ainda, hostilidades ao juiz federal Sérgio Moro, da Lava Jato.

Na avaliação do ex-ministro Ayres Britto, ‘não há força humana que impeça a Lava Jato e o regular prosseguimento dessa saneadora operação dos nossos costumes no sentido mais alto da interseção do republicanismo com o Direito penal’.

“A Lava Jato é um patrimônio nacional, está andando com suas próprias pernas, emancipou-se pela sua fundamental importância nessa nova era republicana em que todos são iguais perante a lei”, disse o ex-ministro da mais alta Corte do País.

“Não há quem obstrua, quem impeça o regular andamento da operação Lava Jato. Ela se tornou uma qiuestão de honra nacional, patrimônio objetivo civilizatório. Significa também um triunfo, a vitória da toga sobre o colarinho branco”, afirma Ayres Britto.

O ex-ministro destaca que ‘os envolvidos na Lava Jato são dominantemente pessoas bem postadas na pirâmide social, empresários, políticos, dirigentes de empreiteiras’.

“O fato é que a Justiça, finalmente, após tantos anos ininterruptos de democracia passou a assumir com muito mais coragem sua própria independência.”

Para o ex-ministro, não há hipótese de o Supremo curvar-se a tramóias e apelos políticos ou de qualquer outra natureza ou origem. “O Supremo é o órgão de cúpula do Poder Judiciário. É absolutamente inconcebível que o guardião maior da Constituição vá trair a sua função institucional como garantidor último da integridade do sistema judicial.

É inconcebível, um delírio de imaginação supor que o sistema de Justiça vá trair o sistema jurídico.”

Carlos Ayres Britto diz que o País está asssitndo ao apogeu de dois fenômenos.

“O primeiro é o apogeu da opinião pública, dos debates políticos. Nunca se viu a cidadania tão militantemente envolvida com temas políticos e conhecimento da própria Constituição. A sociedade se tornou qualificado intérprete da Constituição. Vale dizer, nunca se viu uma vigília popular tão intensa sobre o funcionamento das instituições públicas. Estamos assitindo ao apogeu da cidadania. De outro lado, vivemos o apogeu do sistema de Justiça. São dois fenômenos paralelos convergentes.”

Ayres Britto, que presidiu o Supremo durante o julgamento do Mensalão, entre abril e novembro de 2012, aponta para a percepção da autonomia técnica da Polícia Federal e da independência política do Ministério Público e do Judiciário. “Esse legado técnico republicano não é de nenhum governante, de nenhuma pessoa. É da democracia. Esse é o legado que nos autoriza a concluir que nenhum novo governante, seja permamente, seja provisório, tem poder de obstruir o trânsito regular de operações como a Lava Jato e o Mensalão.”

“Nenhum novo governante e nenhum velho governante é responsável por esse funcionamento das instituições lado a lado com a Constituição. As coisas estão se impessoalizando, o que é muito bom. A sociedade brasileira se abriu para essa idéia de que todos são iguais perante a lei e que, no campo penal, é preciso resgatar a verdade dos fatos de modo apartidário, não seletivo, imparcial, objetivo como se fez a partir do Mensalão emblematicamente.”

Para Ayres Britto, no Mensalão, o Supremo ‘fez uma viagem de qualidade judiciária sem volta’.

“É o que está fazendo também emblematicamente o juiz Sérgio Moro, uma viagem de qualidade judiciária sem volta porque a sociedade braisileira se abriu, passou a crescer em torno de certos valores como a moralidade, o juízo de imprescindibilidade. O atrevimento e a insolência dos bandidos de colarinho branco experimentam uma firme e densa ação de alento pelo funcionamento republicano das instituições impeditivas do desgoverno e alento também pela ativação da cidadania. O bom funcionamento do sistema de Justiça estimula a ativação da cidadania.”

O ex-ministro fala do ‘triunfo’ da magistratura. “Como os envolvidos na Lava Jato são pessoas bem postadas na pirâmide social, econômica e política do País elas estão experimentando os efeitos da prevalência da toga sobre o colarinho branco. Estamos em uma era que, em verdade, teve o seu ponto de partida no julgamento do Mensalão.O Mensalão foi um divisor de águas.”

“Em meio a esse desalento da percepção de que o assalto ao erário persiste, emerge o alento de constatar um íntegro, hígido, funcionamento das intituições que impedem o desgoverno.”

Ele assinala que o sistema de Justiça, composto pela Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário,’tem no cumprimento irrestrito do sistema jurídico, encabeçada pela Constituição, a sua própria razão de ser, a sua única fonte de legitimidade’.

“Então, trair o sistema jurídico é afastar-se de si mesmo, se desfigura por completo, se desnatura, e isso é inconcebível. O sistema de Justiça não pode canibalizar, não pode trair jamais o sistema jurídico que é a sua própria razão de ser.”

“O sistema de Justiça afunila para o Judiciário, mas não é só o Judiciário. Ele compreende um trio institucional, a Polícia Judiciária da União, que é a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário.Esse trio institucional assume sua independência. A Polícia Federal sua independência técnica. No caso do Ministério Público e do Judiciário a independência política.”

“A Polícia Federal, é preciso distinguir, faz parte de um dos poderes, é órgão incrustrado no organograma do Ministério da Justiça. Ainda assim ela desfruta de autonomia técnica, o que é muito alentador. Agora, já o Ministério Público e o Poder Judiciário, para além da autonomia técnica, se situam no plano da independência política.”




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