João Montanaro | ||
01/05/2016 02h00
O ocaso do governo de Dilma Rousseff (PT) instaurou um clima de fim de expediente em Brasília. A falta de perspectiva de poder para o grupo instalado há 13 anos no Planalto, fruto do processo de impeachment que deverá ver a presidente afastada na semana que vem, abriu uma parada de situações insólitas.
A começar pela própria mandatária. Cinco dias depois de a Câmara autorizar a abertura do processo que pode depô-la constitucionalmente, na sessão de 17 de abril, Dilma ordenou que as suas gavetas no Palácio do Planalto fossem todas limpas.
O destino da papelada é o bunker a ser instalado no Palácio da Alvorada durante os até 180 dias em que permanecerá afastada durante o julgamento pelo Senado, caso a tendência hoje majoritária de abrir o processo seja tomada pelo plenário no dia 11.
Há a previsão de um êxodo, uma vez que há um mar de funcionários comissionados por livre nomeação –22.118, uma elite entre 617.146 servidores civis.
O destino mais óbvio são as gestões petistas Brasil afora. Segundo a Folha apurou, técnicos do PT na Saúde, Justiça e Desenvolvimento Agrário procuraram a Prefeitura de São Paulo. Os governos de Minas e da Bahia também são desejados. Outros sondaram discretamente os ministeriáveis de pastas com poder de influenciar nomeações.
Embora Dilma tenha dado a ordem à equipe para não desanimar, entre os titulares da Esplanada não se encontram mais otimistas sobre a permanência. Segundo auxiliares, Nelson Barbosa (Fazenda) deverá dar aulas na FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo. Aloizio Mercadante (Educação) disse a aliados que pretende voltar à vida acadêmica na Pontifícia Universidade Católica, também na capital paulista. Antonio Carlos Rodrigues (Transportes) deve reassumir uma cadeira de vereador em São Paulo.
Houve outros estranhamentos. Na sexta (29), os servidores da Previdência chegaram ao trabalho e descobriram que não tinham mais chefe: o secretário e ex-ministro da área Carlos Gabas era agora titular da Aviação Civil. Piloto nas caronas secretas de moto de Dilma no passado recente, ele não avisou a ninguém no ministério.
O folclore típico da cidade também deu as caras quando, na reta final de uma gestão recém-iniciada, o ministro Alessandro Teixeira (Turismo) teve fotos suas e de sua mulher, uma ex-Miss Bumbum EUA, celebrando algo insondável no gabinete divulgadas por ela na internet.
Na Câmara, durante a maior parte das votações desta semana, a primeira pós-impeachment, o governo não teve representantes orientando no microfone do plenário como sua base deveria votar.
O chamado centrão (PP, PR, PSD, PTB, PRB e nanicos) tripudiou e "elegeu" o dissidente Maurício Quintella Lessa (PR-AL) como "líder da maioria", cargo inexistente. "O governo acabou, não existe mais aqui", repetiu o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nêmesis de Dilma e do PT.
Nem a troca da bandeira do Planalto, que ocorre religiosamente todo domingo às 12h, escapou da observação de turistas na semana passada: ocorreu apenas às 13h15.
O deslocamento do magneto do poder para a figura do vice que assume em caso de julgamento, Michel Temer (PMDB), foi notado em primeiro lugar no Planalto.
Desde o começo de abril foi instalada uma nova catraca eletrônica no palácio, mas ela não chegou ainda a ser acionada. Seguranças invariavelmente fazem piada e associam isso à baixa frequência no Planalto: apenas militantes esquerdistas que frequentam as solenidades em que Dilma diz sofrer um "golpe".
Já no anexo do vice, um galpão retangular feioso após o barranco à esquerda do Planalto, o movimento é fervilhante, com políticos e empresários formando filas.
Ao chegar para uma reunião com o peemedebista, um ruralista comentou ao ver os repórteres aglomerados: "Vejo que estou no lugar certo".
No anedotário brasiliense, vive-se a hora do café frio, quando nem a bebida símbolo das mesuras burocráticas da capital é servida na temperatura correta. Por ora, não há relatos de literalidade do cenário na Esplanada.
(MARINA DIAS, GUSTAVO URIBE, DANIELA LIMA, RANIER BRAGON, RUBENS VALENTE E IGOR GIELOW)
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