Calero: "Governo Dilma jamais priorizou a cultura"
Roberta Pennafort / RIO - O Estado de S.Paulo
27 Maio 2016 | 04h 00 - Atualizado: 26 Maio 2016 | 19h 28
Em entrevista ao Estado, novo ministro defende ajuste na Lei Rouanet e garante maior atenção do governo federal ao setor
O novo ministro da Cultura, Marcelo Calero,
defendeu, em entrevista ao Estado, um “ajuste” na Lei Rouanet, de
financiamento de projetos culturais por meio de renúncia fiscal, e não
uma revisão ampla, bandeira da gestão anterior, de Juca Ferreira. Em
conversa por telefone, ele disse que no governo Michel Temer o setor
terá mais atenção do que experimentou no da presidente afastada, Dilma
Rousseff. Dispôs-se a negociar com os profissionais da cultura que
ocupam prédios do MinC em 25 unidades da Federação e até a manter
algumas atividades, como as que vêm movimentando o Palácio Gustavo
Capanema, sede no Rio, tomada por artistas no dia 16.
Calero durante sua posse em Brasília: diplomata para acalmar os ânimosOs
anúncios da extinção e da recriação do Ministério da Cultura provocaram
desgaste grande do novo governo junto ao setor cultural. É possível
reverter isso no curto prazo?A gente está num momento de estabelecer uma grande
conciliação, um diálogo, e essa reversão começa aí. Temos que entender
que há um governo instituído segundo as normas constitucionais, e que
esse governo tem a vontade de dialogar com a classe artística para a
definição de suas políticas culturais. Tem que acabar com essa ideia do
“quanto pior, melhor”. O fato de eu ser um funcionário de carreira deixa
uma mensagem muito forte de que a gente está aqui estabelecendo
políticas do Estado brasileiro, consistentes e duradouras. O presidente
Temer deixou essa mensagem muito clara com essa escolha. A volta do MinC foi uma vitória dos artistas? O presidente em exercício, Michel Temer, chegou a ouvi-lo sobre isso? Houve interlocução de diversos atores, eu procurei fazer essa
interlocução. Foi uma vitória da sociedade brasileira. O presidente
demonstrou ter uma das características mais admiráveis em uma liderança,
que é a capacidade de rever suas decisões. Grande parte do desastre
econômico e social que a gente está vivendo é fruto da incapacidade da
revisão, da arrogância que certos líderes têm, que faz com que, diante
do remédio errado, eles dobram a dose, em vez de retirar o remédio.
Temer demonstrou muita coragem e espírito de liderança, o que é raro. É
muito admirável. Vinte e cinco unidades da Federação têm prédios do
MinC ocupados por pessoas que se opõem ao governo. Afirmam que só sairão
quando Temer deixar a presidência. Como pretende tratar disso? Cogita
pedir reintegração de posse? Não está no nosso cenário no momento. O que a sociedade
brasileira quer é que as funções públicas dos edifícios sejam
preservadas. Por meio da negociação com as ocupações vamos procurar
garantir isso. Há ocupações extremamente exitosas, que deram nova função
ao prédio, como a do Palácio Gustavo Capanema. Os pilotis sempre foram
um lugar meio gélido. Agora têm ocupação artística de primeira linha,
que acho que a gente tem a obrigação de manter em longo prazo. O sr. falou em negociar com as ocupações, mas os
participantes se recusam a dialogar, porque não o reconhecem como
ministro da Cultura. Os ânimos estão exacerbados nesse momento, as paixões estão acirradas. O que todos queremos é o bem do Brasil. O sr. está dando garantia de que não haverá retirada à força? Nesse momento, não há o menor encaminhamento nesse sentido, na
medida em que haja garantia do patrimônio. As situações das ocupações
são muito diversas. Há relatos de consumo de drogas, de menores
envolvidos, de depredação do patrimônio, inclusive (ele não quis revelar
onde). Os ocupantes o chamam de “ministro do golpe de Estado na Cultura”. É difícil enfrentar essa rejeição? Não tenho problemas em ser rejeitado. O apelo que faço sempre é
que a gente, a despeito de paixões políticas e do momento politicamente
delicado, possa trabalhar pelo bem do Brasil. Sou funcionário de
carreira, do Itamaraty, fui colocado nessa posição pelo presidente para
fazer a conciliação da cultura, preservar as conquistas, aprofundar
políticas exitosas e criar novos programas. É nosso mantra aqui, maior
do que qualquer circunstância de natureza política. Nas redes sociais, grassam comentários pejorativos
sobre artistas que criticaram o rebaixamento do MinC, chamados de
“vagabundos”, “sanguessugas da Lei Rouanet”. É um sinal de desprestígio
da cultura? Como convencer a sociedade de sua relevância? A cultura é base da identidade nacional. Como as paixões estão
muito exacerbadas de todos os lados, a Lei Rouanet virou a Geni. Quem é
a favor do impeachment diz que ela serve para patrocinar artistas que
são contra o impeachment. A Lei Rouanet é responsável pela manutenção de
instituições importantíssimas da cultura nacional. Há distorções,
aperfeiçoamentos a serem feitos? Sim. Vamos dar transparência máxima. O sr. já se reuniu com representantes da música, ouviu
o pessoal do teatro, foi prestigiado por parte do mundo do cinema na
posse. Quem pretende procurar em busca de consenso? Consenso é impossível; diria conciliação. Nessas duas
primeiras semanas a gente terá conversas com nossos gestores, corpo
técnico, definindo nomes e caminhos. Depois, vamos conversar com atores
importantes das mais diversas linguagens. Ouvir muito. Mas o diálogo não
pode ser um fim de si mesmo, tem que ser produtivo, a partir do qual
surjam medidas e políticas. O sr. já declarou que a Rouanet carece de ampla
revisão. O que pretende fazer quanto à decisão do TCU, que proibiu o
Minc de autorizar a captação de recursos através da Rouanet para
projetos de “forte potencial lucrativo”? O ex-ministro Juca Ferreira já havia dito que não recorreria,
por considerar ser o Procultura o meio mais eficaz para a alocação mais
democrática dos recursos. O projeto segue parado no Senado. O Procultura
e a revisão da Rouanet seriam dois debates centrais do setor em 2016,
mas chegamos ao fim do primeiro semestre em meio a essa turbulência... A
gente precisa se concentrar nesse debate, o que o Procultura traz. Mas
antes, o grande debate é o que pode ser aprimorado na Rouanet, o
mecanismo de financiamento que temos em vigor. Houve um substitutivo que
está sendo alinhavado em relação ao Procultura e provavelmente haverá
necessidade de outros debates. O Procultura é um projeto muito polêmico.
A Rouanet é instrumento importantíssimo para o financiamento da cultura
brasileira. Temos que cuidar dele, para que seja mais transparente e
abrangente. Não diria que necessita de ampla reforma, mas um ajuste. A
grande questão da Rouanet é que você tem três níveis de ação e só um
deles foi desenvolvido, o mecenato. Por que não houve desenvolvimento do
Fundo Nacional de Cultura? O sonho de a Cultura ter 2% do orçamento da União parece distante... O governo Dilma jamais priorizou a cultura. Temos uma situação
financeira muito complexa. O presidente Temer fez um compromisso de
aporte emergencial. Faremos análise dos pagamentos pendentes, que são
muitos. Em breve, pretendo apresentar um projeto de cronograma ao
presidente Temer.
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