À beira da ruína, a Petrobras começa a recuperar a lucidez. Aliás, seria
um tanto mais justo dizer que o governo soltou algemas da empresa, que,
no entanto, ainda não foi libertada do cárcere da má administração
pública federal. A empresa vai passar o facão nas despesas, vai juntar
quanto dinheiro puder, ficando um tanto menor do que o governo a
imaginava, em parte de modo delirante.
Note-se que, de 2010 para 2014, o endividamento relativo da empresa (ponderado pela receita) foi multiplicado por quase cinco.
A Petrobras enfim deixa um pouco mais claro como vai ser o seu "ajuste".
Faz tal coisa à maneira dos governos federal e estaduais, que
procrastinaram ou procrastinam até o abismo em vez de tomar medidas a
fim de evitar a falta de água, luz e dinheiro no caixa.
Em entrevistas na tarde de ontem, a direção da Petrobras anunciou que
não vai fazer dívida alguma em 2015; muito pouco em 2016 e 2017. Neste
ano, vai reduzir o investimento em um terço, quase R$ 30 bilhões. Vai
manter o preço de gasolina e diesel a fim de compensar, em um ano e meio
ou dois, o prejuízo imposto pelo governo até o ano passado, que a
obrigava a vender produto abaixo do custo. Vai vender parte menos
interessante do patrimônio. Quer dar um jeito de cancelar subsídios para
o gás industrial e óleo combustível. Deve recuperar uns papagaios
devidos por outras partes do setor público. No limite, "talvez considere
a possibilidade" de não distribuir lucro aos acionistas, caso tenha
lucro, aliás.
"A curva de produção da companhia será atenuada. O mote do nosso plano é
o redimensionamento da Petrobras em termos de financiabilidade", disse
Graça Foster.
Além de ter causado o desaparecimento de vários anjos, silfos e fadas
protetores da língua portuguesa, o que significa essa declaração da
presidente da Petrobras? Que tanto por prudência como escassez de
dinheiro, a empresa vai pisar no freio de projetos ou investir menos, o
que vai, grosso modo, impedir que a produção da empresa cresça tão
rapidamente como o previsto nos últimos anos, anos, aliás, de metas
frustradas. A Petrobras vai furar menos poço, vai adiar a conclusão de
fábricas de derivados de petróleo, refinarias.
Não pagar dividendos, não dar lucro aos acionistas, é, a princípio,
sinal de desgraça e vexame quase terminal para uma empresa. No entanto,
dados os desastres e os azares simultâneos que atropelam a Petrobras, no
curto prazo é uma atitude sensata (ainda que talvez inevitável). Melhor
do que entupir a empresa de ainda mais dívida, dívida agora muito mais
cara. Melhor do que empurrar a tarefa de tapar um eventual buraco para o
conjunto dos brasileiros, pendurando a conta no Tesouro Nacional, o
que, além de indecente, lançaria descrédito também sobre a política de
recuperação das finanças do governo federal.
O saneamento da empresa depende do fim de outras ilusões, delírios do
Planalto, como o exagero da política de conteúdo nacional, que está
ruindo sob o próprio peso, ou da participação compulsória da empresa em
novas explorações do pré-sal, no entanto ora em hibernação. Mas, enfim, a
empresa começa a cair na real.
Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi
secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência',
'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas
políticos e econômicos. Escreve de terça a sexta e aos domingos
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POLÍTICA E ECONOMIA