sábado, 24 de outubro de 2015

Se Dilma fosse capaz de pôr limite à crise, já teria feito, diz FHC

Bruno Santos/Folhapress
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na sede se seu instituto, em São Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na sede se seu instituto, em São Paulo

24/10/2015 02h00

Às vésperas do lançamento do primeiro volume do livro "Diários da Presidência", em que narra seu cotidiano no poder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que a obra ajudará o país a entender "como o jogo político se dá". "Qualquer sistema implica em distribuição de poderes. A questão é: para quê?", afirma. 


Num paralelo com o cenário atual, diz que o país está "ladeira abaixo" e que se a presidente Dilma Rousseff fosse "capaz de botar o limite" à crise, "já devia ter posto". Ele ressalta que "não trabalha para isso", mas que vê o hoje vice-presidente Michel Temer (PMDB) com mais condições de reunir apoio do que a petista. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
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Folha - Muita gente se pergunta por que o sr. decidiu publicar esses diários agora...
Fernando Henrique Cardoso - Não é agora, esses dias, essa semana. É em vida. Acho que está na hora do Brasil entender mais diretamente o jogo político, como ele se dá, quais são as dificuldades, o que significa governar. Está tudo tão desarticulado que não custa dar um testemunho sincero, em que não estou escondendo nada, nem a mim mesmo. Não é uma coisa para se tomar como a verdade. É a minha reação sob aquelas circunstâncias. 

O vice-presidente Michel Temer procurou o sr. para negar que tivesse atuado para nomear gente no seu governo?
Não foi ele quem me pediu. Eu digo isso [no livro]. O Luís Carlos disse que ele queria... Até faço referências elogiosas a ele: que tem boa construção jurídica, que é discreto. Ele não nomeou ninguém. 

O sr. diz também no livro que há 'similitude' entre o cenário de 20 anos atrás e o de hoje.
Nossos costumes evoluíram muito pouco. A herança cultural brasileira é corporativista. E isso evoluiu pouco. Aliás, regrediu recentemente. Eu tinha uma agenda. O tempo todo tentei fazer reformas. Havia uma coalizão para isso. Evidentemente, isso tinha um certo preço. 

Qual o preço?
Qualquer sistema implica em distribuição de poderes. A questão é: para quê? Quando se tem uma agenda, você se justifica. É uma justificativa pessoal. 'Por que eu estou cedendo nisso? Porque eu preciso daquilo e aquilo é mais importante. Quando o Executivo está forte, o sistema funciona. Quando está fraco, como hoje, fica paralisado. 

A queda da presidente Dilma seria suficiente para resolver a crise?
Vou responder de outra maneira: se o Aécio tivesse ganho a eleição, a situação seria a mais ou menos a mesma, mas haveria um horizonte de esperança. Agora estamos indo ladeira abaixo e alguém vai ter que pôr um limite. Se fosse capaz de botar o limite, já devia ter posto. 

Acha que num eventual impeachment o PSDB deveria dar sustentação a Temer?
Não estou dizendo que vai acontecer ou que estou trabalhando para isso, mas acredito que o Michel teria a sensibilidade para ter um apoio mais amplo. 

O sr. conta no livro que barrou a nomeação de Eduardo Cunha para um cargo.
Eu não o conhecia. Tinha o registro do tempo do Itamar [Franco]. Sabia que ele não tinha sido reconduzido... Enfim, boatos, que não se comprovam, mas existiam. 

E como vê a aproximação do seu partido com ele hoje?
Um lado precisa interagir com o presidente da Câmara. Outra questão é o que ele está sendo acusado, aparentemente com muitas provas. Tem que responder. 

A posição do PSDB com relação a ele é satisfatória?
O PSDB fez o que tinha que fazer: pediu o afastamento. 

O sr. reclama muito da imprensa no livro, à exemplo do que fazem aliados do governo hoje. É uma prerrogativa de quem está no poder?
Mesmo fora do poder! Vou reclamar já. Outro dia, vi um relato do livro dizer que alguém veio até mim falar que a Petrobras era um 'verdadeiro escândalo'. O escândalo ali se referia à gestão, não era roubalheira. Depois eu resolvi. Como colocaram, parece que eu estava falando de corrupção. Essas coisas, quando se está no governo, isso tudo te deixa bastante chateado. 

O sr. não temeu esse tipo de questionamento?
Não. Os diários são um documento histórico. Os chamados escândalos estão lá no livro, Sivam, Pasta Rosa... Nunca fui transigente com essas questões. 

O sr. diz que os amigos dão mais trabalho que os inimigos no governo.
Isso é do poder. Ali, entre os ministros, havia cinco ou seis de alta qualidade e muito amigos. São pessoas fora de série e, como é normal, pessoas fora de série são difíceis umas com as outras. Eu arbitrava, com jeito. 

O sr. chega a dizer que o 'mal' está no grupo mais próximo...
Eu pedia comedimento, 'não falem tanto'. Mas, no balanço, é uma injustiça que fiz com meus amigos. Uma reação subjetiva, que registrei. 
 

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