quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

MP infla prova que liga máfia do ingresso com empresa da Fifa, indica laudo


  • Vinicius Konchinski
    Ray Whelan chegou a ser preso, mas agora responde a processo em liberade Ray Whelan chegou a ser preso, mas agora responde a processo em liberade

A denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro da existência de um esquema criminoso de venda de ingressos acima do preço para os jogos da Copa do Mundo no Brasil continha um erro de fato.

A investigação, que levou à prisão preventiva por 24 dias de Raymond Whelan, diretor-executivo da Match Services, empresa parceira da Fifa na venda de ingressos e pacotes de hospitalidade do Mundial, tinha como uma das suas principais provas as 900 ligações telefônicas que teriam ocorrido entre o executivo inglês e o cambista franco-argelino Lamine Fofana. 

O dado, usado como argumento pela polícia para prender Whelan no Rio de Janeiro e causar furor mundial, não foi bem esse. De acordo com laudo pericial das interceptações telefônicas, que o UOL Esporte obteve com exclusividade, foram 61 as ligações entre os celulares do executivo e do cambista, número 15 vezes menor do que o anunciado pelo MP-RJ.

Destes contatos entre os dois, apenas 28 ligações foram efetivamente completadas, somando pouco mais de 17 minutos de conversa entre os suspeitos. É isso que mostra laudo pericial feito pelo perito Ricardo Molina. A pedido da defesa, o laudo foi anexado ao processo. 

Os quase 1000 contatos supostamente realizados serviram como um dos principais argumentos da promotoria para acusar Whelan de ter ligação com uma suposta "máfia do ingresso", formada, segundo o MP-RJ, por Fofana e mais 10 acusados, além do próprio diretor-executivo da Match. 

Foram esses contatos, também, que serviram para formar o entendimento do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Félix Fisher, que negou pedido de habeas corpus em favor de Whelan no dia 19 de julho deste ano, quando o réu cumpria prisão preventiva (atualmente, ele responde ao processo em liberdade). 

Induzido ao erro pelo MP-RJ, o magistrado enxergou, à época, "estreito vínculo entre o paciente (Whelan) e outro denunciado (Fofana) nos autos, evidenciado pelas mais de 900 (novecentas) ligações efetuadas entre os denunciados".

Apesar de ter repetido inúmeras vezes à imprensa à época da prisão de Whelan, e de ter incluído na denúncia à Justiça o número de 900 ligações telefônicas entre os suspeitos, o promotor responsável pelo caso, Marcos Kac, afirmou ao UOL Esporte na última terça-feira (2/12), por meio de sua assessoria, que não tem certeza quanto ao número de ligações telefônicas entre os suspeitos: 

Mohamadou Lamine Fofana

Fofana (segundo da esq para dir) em foto de apresentação de Denilson no clube árabe Al-Nassr, em 2006 Divulgação
 
"Não temos como saber se foram ou não 900 ligações, porque não temos acesso ao sistema (da Polícia Civil em que ficam arquivadas as ligações interceptadas) e ainda não há um laudo (independente, além do que foi anexado ao processo pela defesa). Se o Dr. Kac passou essa informação, à época, foi porque a recebeu do delegado. (...) 

Se houver um erro de informação estimada antes dos laudos, será corrigido no decorrer do processo. Mas, volto a colocar, que a quantidade de ligações não deverá interferir no resultado do processo, já que o mais importante é, por exemplo, o conteúdo dessas ligações e as movimentações financeiras suspeitas."

Por causa do suposto erro do MP-RJ, a defesa de Whelan pede na Justiça que o promotor Marco Kac seja investigado por ter incluído na acusação uma "declaração absolutamente falsa, que induziu o Judiciário a erro, e que deve ser apurada, pois pode configurar os crimes de falsidade ideológica (art. 299, § único do Código Penal) e fraude processual (art. 357, § único do CP)." 

Interceptações evidenciam negociações
O fato de terem havido 15 vezes menos ligações telefônicas entre Whelan e Fofana não quer dizer, porém, que o executivo da Match é inocente no processo a que responde. 

Nas transcrições das conversas interceptadas entre os acusados, às quais o UOL Esporte também teve acesso, há trechos que mostram negociações de ingressos entre Whelan e Fofana em que o segundo deixa claro, segundo o MP-RJ, que está comprando os ingressos para repassar a terceiros, a preços acima dos oficiais:
Raymond Whelan: "Bem, eu estava ligando, mais cedo hoje de manhã eu tinha alguns business seat (pacote de hospitalidade para jogos da Copa), que estavam com o preço bom mas já acabaram agora, errr, então me avise, você precisa de alguma coisa ou há algo..."
Lamine Fofana: "Ah ok ok, sem problemas.Ok, OK. Eu te ligo de volta, Vou perguntar para o meu cliente se ele precisa de business seat. Eu te retorno".

Para o MP-RJ, esta conversa evidencia que Whelan incorreu em crime previsto no Estatuto do Torcedor:
"Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa."

Já para o advogado de defesa de Whelan, Fernando Fernandes, não há evidência de crime na conversa acima, já que não há preço estampado no produto comercializado, que eram pacotes de hospitalidade, e não bilhetes comuns para os jogos. É o que se lê na resposta à acusação, apresentada no processo, a que o UOL Esporte também teve acesso:
"O que é absolutamente fundamental que se compreenda é que a Match tem o direito, assegurado por contrato com a Fifa, de fixar livremente os valores dos pacotes de hospitalidade. (...) É importante mencionar que justamente pelo fato de os valores dos pacotes de hospitalidade poderem ser fixados livremente pela Match, nos ingressos destinados à essa modalidade de entrada não há preço estampado no bilhete, que é elementar dos crimes previstos no Estatuto do Torcedor."
Reprodução
Exemplo de ingresso do pacote tipo "hospitalidade", que não traz preço de face
Reprodução
Exemplo de ingresso comum para jogos da Copa do Mundo, com o preço de face
Em outro trecho de conversa interceptada pela polícia com autorização judicial, Whelan e Fofana negociam pacotes de hospitalidade (business seat) para o jogo Equador x França. O cambista informa ao executivo que levará jogadores ao estádio, e que convidara Pelé para assistir à partida. 

No mesmo diálogo, Fofana também admite que não compra os ingressos para seu uso próprio, e sim para "clientes". Assim como no trecho anterior, o MP-RJ enxerga nas conversas provas incontestes de crime de cambismo, enquanto a defesa de Whelan entende que não há nenhuma ilicitude nas negociações que ocorrem:
Raymond Whelan: "Ok, o que aconteceu com, o que aconteceu com Equador França?"
Lamine Fofana: "Equador França, quer saber, meu patrocinador não me respondeu ainda. Ele me disse que ia me responder e estou esperando."
W: "Ok, porque todos os jogos agora estão sendo um problema é tão bem sucedido."
F: "Eu sei, eu sei, eu entendo isso porque, você quer saber, quando eu falo com ele, eu fui no jogo ontem foi em São Paulo,ok, eu estou com ele lá e eu digo para ele que eu preciso do artigo terminado e ok, quanto custará o executivo e talvez eu faça alguma coisa."
W: "OK."
F: "É o patrocinador que está lá e acho que é melhor como você diz, colocar todo mundo no executivo do que na categoria um, sabe."
W: "Claro, claro."
F: "Err você sabe que teremos uma grande estrela que não joga mais lá, como Deco ou Romário vão passar e queremos fazer uma surpresa para o Pelé, perguntar para ele sobre o e-mail enviado para ele, porque se ele estiver no Rio ele vai passar lá"
W: "Excelente."
F: "Você sabe que isso seria fantástico."
W: "Então em qual suite você estava ontem."
F: "Ontem eu estava na suite 611."
W: "OK, então era uma suíte privada."
F: "Suíte privada, você sabe que eu recebi um presente por isso, você sabe o presentinho, a Copa do Mundo, é um presente fantástico."
W: "Charlie quer que você devolva, o Charlie gostaria que você devolvesse."
F: "Eles sabem, na suíte 611, porque você sabe o que eu compro para outra pessoa, para o meu cliente, você sabe o que eu quero dizer."
W: "Certo, certo."
Atualmente, tanto Whelan quanto Fofana e os outros dez acusados respondem em liberdade a processo por cambismo, organização para o crime, corrupção ativa, sonegação e lavagem de dinheiro. O UOL Esporte entrou em contato com o advogado do diretor-executivo da Match, Fernando Fernandes, que afirmou que não se pronunciaria neste momento sobre o caso, por este correr em segredo de justiça. 

UOL

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