Levantamento da Folha indica que pelo menos 11 ministérios e órgãos do governo federal inflaram os balanços divulgados anualmente sobre a Lei de Acesso à Informação. Documentos que deveriam ter sido tornados públicos, na prática, continuam sob sigilo.
Pela lei, a autoridade máxima de cada órgão deve publicar todo ano na internet, até o dia 1º de junho, a lista das informações outrora sigilosas que o órgão decidiu tornar públicas nos 12 meses anteriores, uma iniciativa chamada de "desclassificação".
Teriam sido desclassificados pelo governo 196 mil documentos de junho de 2013 a agosto de 2015. O Comando do Exército foi o campeão, com 69,5 mil documentos desclassificados, ou 35% do total liberado no período, seguido pelo Comando da Marinha, com 52 mil papéis.
As planilhas não descrevem o conteúdo dos documentos e os identificam apenas por números. Os balanços anuais constam das páginas de cada órgão na internet e são consolidados pela CGU (Controladoria-Geral da União) para serem apresentados como uma das conquistas da Lei de Acesso à Informação, promulgada por Dilma Rousseff em 2012.
Uma olhada mais detalhada sobre os documentos desclassificados, entretanto, expõe uma outra realidade. De 12 órgãos consultados, 11 se recusaram a fornecer os papéis solicitados, no todo ou em parte. As alegações para isso foram inúmeras.
As mais frequentes foram que, embora oficialmente desclassificado, o documento deve continuar sigiloso por outros motivos, como suposta falha no pedido de acesso e incidência de outros tipos de segredo, como industrial e comercial.
Ao Comando do Exército, a Folha fez dois pedidos para ter acesso a 13 documentos desclassificados entre 2014 e 2015. Em uma das respostas, o órgão reconheceu que dois papéis requisitados eram "desclassificados, porém devem ser mantidos sob restrição de acesso", alegando que continham dados pessoais e criptográficos.
Sobre o segundo pedido, o Exército alegou que era "genérico", embora a reportagem houvesse indicado o número de cada um dos documentos.
Em outro caso, quando acionado pela Folha para fornecer 12 documentos em tese liberados, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do Palácio do Planalto também rechaçou o pedido, alegando que o pedido "não caracterizou, de forma clara, a natureza do assunto solicitado".
O GSI disse ainda que os documentos desclassificados em 2014 eram apenas "encaminhamentos de anexos que, por força da legislação em vigor, continuam sob grau de sigilo".
Ou seja, o GSI liberou a consulta apenas aos "ofícios de encaminhamento" –uma ação simples da burocracia estatal, que representa apenas a transmissão do papel de um setor para outro–, mas não o teor do documento em si, que permaneceu em segredo.
OUTROS CASOS
Consultado sobre dois documentos em tese desclassificados, o BNB (Banco Nacional do Nordeste) recusou-se a fornecê-los. Em três casos –a Infraero, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e a própria CGU–, os órgãos alegaram falhas na divulgação dos balanços que teriam incluído indevidamente documentos ainda não liberados.
Outra inflação de dados ocorreu no balanço da Valec, empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes. No seu resumo de 2014, o órgão afirmou ter desclassificado 189 documentos.
Quando a Folha quis ter acesso aos papéis, porém, a Valec explicou que já divulga pela internet "todos os documentos não cadastrados como sigilosos e de interesse público" e que "não possui documentos cadastrados como sigilosos". Portanto, diz a resposta, "registramos como desclassificados" documentos que estavam na internet.
Exemplo positivo entre os órgãos consultados, o Comando da Marinha respondeu e forneceu cópia de 29 dos 30 documentos solicitados.
OUTRO LADO
Em nota, a CGU (Controladoria Geral da União) informou que "procedimentos estão sendo revistos" nos processos de desclassificação de documentos. Segundo o órgão, que se manifestou a pedido do Planalto após a Folha tê-lo procurado, foi incluída no "Manual do Serviço de Informações ao Cidadão", distribuído aos órgãos federais, "a necessidade de um melhor detalhamento das informações desclassificadas".
Segundo a CGU, a incidência de outros tipos de sigilo, como comercial, sobre documentos oficialmente desclassificados tem ocorrido porque a Lei de Acesso "entrou em vigor apenas seis meses após sua edição" e por isso "muitos órgãos não tiveram tempo de proceder uma análise profunda sobre a documentação".
Ao negar pedidos de informação, os órgãos públicos apresentaram diferentes explicações. Para o Exército, por exemplo, o pedido deveria conter "o escopo temático, temporal e espacial" e a indicação do "assunto de interesse de modo individualizado".
Em recurso em primeira instância, a Folha explicou que a lei ou o decreto que a regulamentou nada falam a respeito" e que é virtualmente impossível saber o que contêm papéis que são identificados apenas por números. O Exército manteve a recusa.
Ao negar acesso a papéis, o BNB (Banco Nacional do Nordeste) argumentou que eles traziam informações que, "se divulgadas, poderiam comprometer a segurança" da instituição.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional considerou que um dos documentos solicitados "não pode ser divulgado por revelar estratégia da PGFN". O Ministério do Trabalho bloqueou um papel sob alegação de que continha dados de servidores.
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