A Receita Federal parou. Principal engrenagem da máquina pública, responsável pela arrecadação de tributos federais, sem ela o governo não paga suas contas, não investe, não combate a sonegação, trava o país. Mais uma péssima notícia para o Palácio do Planalto e o ministro Joaquim Levy (Fazenda), que lutam para pôr de pé um ajuste fiscal para lá de capenga.
Na tarde desta quarta-feira (12), o secretário da Receita, Jorge Rachid, tentava conter o incêndio. Reuniu-se com os dez superintendes regionais. Pediu apoio para reverter o levante na categoria. Não obteve sucesso. Com a exceção da 1ª Região (Centro-Oeste), 8ª (SP) e 9ª (PR e SC), praticamente todos os inspetores e delegados do fisco pediram exoneração de seus cargos. Nas demais posições de chefia abaixo desses postos, o quadro se repete em todo o país.
Estima-se hoje no fisco que cerca de 90% dos auditores em função de chefia pediram exoneração. Concluíram que não vale a pena. A insatisfação na Receita é grande há muitos anos. Paulatinamente, desde o início de seu primeiro mandato, o governo da presidente Dilma Rousseff promove cortes no orçamento do fisco e/ou não reajusta os benefícios dos auditores.
A gota d´água que faltava caiu no copo na noite de terça-feira (11), quando o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou incluir na PEC 443 os auditores da Receita. A proposta de emenda à constituição 443 —um dos itens da chamada "pauta-bomba" do Congresso— vincula o salário dos servidores da Advocacia-Geral da União e das procuradorias estaduais a 90,25% do ganho dos ministros do STF. Também beneficia delegados da Polícia Federal e da Polícia Civil dos Estados e procuradores municipais nas capitais e municípios com mais de 500 mil habitantes. Os fiscais da Receita foram os últimos a tentar entrar na PEC.
Provavelmente a PEC 443 não passará no Congresso, dado o forte impacto nas contas públicas. O que mais irritou os auditores do fisco foi o desprestígio, foi se sentir menos valorizados do que as demais categorias federais, a ponto de sequer serem incluídos na PEC.
São muitas as reclamações dos fiscais. A maior parte delas, pelo menos, justas. A diária recebida em viagem está em torno de R$ 200 —para pagar estadia, alimentação e locomoção. Numa cidade como o Rio de Janeiro, por exemplo, esse valor não cobre nem o hotel. Ou seja, o auditor tem que tirar dinheiro do próprio bolso, pagar para trabalhar quando deslocado de sua cidade. Muitos se recusam a viajar.
O comissionamento de um delegado da Receita não passa de R$ 2 mil brutos. Líquido, fica em torno de R$ 1.500. Delegados de cidades como São Paulo, Rio e Distrito Federal têm aproximadamente 500 subordinados sob sua responsabilidade. As funções gratificadas no fisco, que representam cerca de 90% dos cargos de chefia, estão entre R$ 500 e R$ 800.
A conta feita pelos auditores é simples: essa quantia não vale o trabalho extra, a responsabilidade a mais, a dor de cabeça. Os que continuam nas funções de chefia o fazem por amizade aos superiores.
Na quinta-feira (6), a superintendente da 7ª Região Fiscal (ES e RJ), Eliana Polo Pereira, mandou um e-mail para Rachid, copiado para os demais integrantes da cúpula do fisco. Eliana não economizou palavras para expressar a indignação dos auditores. A coluna teve acesso à mensagem.
"O sentimento de indignação e humilhação é tanto que está afetando a todos psicologicamente. Ninguém consegue falar ou pensar em mais nada [...]. Não se trata de uma questão salarial, mas de total desprestígio da nossa instituição", escreveu ela.
Eliana reclama também da falta de comunicação do secretário da Receita com os superintendentes. Até a última quarta-feira, Rachid só tivera uma reunião com os chefes das dez regiões fiscais desde que assumiu, pela segunda vez, o comando do fisco, no início deste ano. Ela descreve uma assembleia dos auditores da 7ª Região para tratar das reivindicações salariais e das condições de trabalho.
"Respondi que a comunicação secretário-superintendentes não é da forma como eles imaginam. Relatei que o único encontro presencial foi no início de fevereiro [...]. Contei da nossa decepção ao ver nosso trabalho desvalorizado, pois parece que nada foi feito, que a Receita Federal não está atuando bem, que nada entrega, que nunca existiu arrecadação", disse Eliana.
Ela encerra a mensagem com a seguinte frase: "Quem assistiu a votação da PEC 443 nesta madrugada entende plenamente do que estou falando."
Aproximadamente 90% da receita obtida com tributos parte automaticamente do contribuinte. Assim, no curto prazo o fisco continuará a arrecadar.
Mas a paralisação dos fiscais tem efeito devastador na coleta de impostos no médio e no curto prazo. Os grandes contribuintes fazem de tudo para pagar o mínimo possível de tributos. Os auditores lotados nas delegacias de grandes contribuintes acompanham em tempo real o comportamento das maiores empresas. Se em um determinado mês um banco, por exemplo, paga muito menos tributos em relação à sua média histórica, o fiscal pega o telefone e liga para o responsável pela contabilidade da instituição financeira para saber o que ocorreu.
Sem a fiscalização e pressão contínua dos fiscais, sentindo-se mais à vontade, certamente os grandes contribuintes recolherão menos.
O ajuste fiscal de que o país necessita não se limita a 2015. Precisa se estender a 2016, 2017 e sabe-se lá quantos anos mais. Num momento em que urge arrecadar, ter a Receita Federal parada é a equação perfeita do fracasso para o governo. Mais uma para o governo Dilma.
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