domingo, 1 de fevereiro de 2015

Um ou outro, lá e cá

Hoje, quando o Congresso recebe os senadores e deputados para iniciar a nova legislatura, promete ser o dia mais interessante da vida parlamentar neste ano. A disputa pela presidência da Câmara vale a atenção que receba, não propriamente pela rivalidade entre Eduardo Cunha e Arlindo Chinaglia, com Júlio Delgado esperançoso de uma surpresa, mas, sim, pelos reflexos que a eleição lançará para fora da Câmara. 


Poucas vezes, desconsiderados os tempos de ditadura, o contraste entre as perspectivas representadas pelos dois principais candidatos terá sido tão acentuada. Alguém disse que Eduardo Cunha representa "o PMDB do mal". Eduardo Cunha representa Eduardo Cunha. O que é muito mais problemático, pela permanente e sempre aumentada incógnita, do que qualquer parcela peemedebista, todas sujeitas a limites e negociações. 


A possível presidência de Eduardo Cunha será uma dificuldade grande e constante para o governo, sem que isso assegure vantagem para a oposição. Nada a ver com independência do deputado. É que os direcionamentos de Eduardo Cunha determinam-se por motivações variáveis que não costumam ser claras, ou induzem a impressão de que sob o propósito exposto há intenções inconfessáveis, seja lá pelo que for. Imprevisível e ousada, desafiadora e passível de suspeitas diversas, assim tende a ser a presidência da Câmara por Eduardo Cunha. À imagem do próprio. 


Se a disputa fosse menos rasteira, ou seja, menos apegada às características da atualidade, Arlindo Chinaglia poderia ter feito sua campanha com a invocação da passagem que teve na presidência a que deseja voltar. Sóbrio, muitas vezes duro e áspero na condução de sessões, foi presidente da Câmara muito mais do que um petista na presidência da Câmara. Mas as presentes condições políticas são muito mais difíceis para os petistas em geral e, acima de todos, para os da Câmara. 


A possível presidência de Arlindo Chinaglia não é uma obscuridade, dado o seu histórico pessoal e político. Nem é contra ele que a oposição investe, é contra o PT. Mas com Chinaglia não se imagina que os oposicionistas tenham a vida fácil, para o seu jogo, que tiveram até agora com o peemedebista e "aliado" Henrique Alves, nem o PMDB encontre facilidade para as manipulações de suas chantagens por cargos e verbas.

Expectativa, portanto, de embates fortes. 


E há, ainda, as duas fervuras que devem escoar para a Câmara: a política econômica e a corrupção na Petrobras. O PT já aprendeu a engolir a vergonha, mas se a mão do governo no bolso dos direitos alheios provocar reações de massa, e se o caso Petrobras for levado a sério, sem a oposição preferir nova proteção aos seus comprometidos —então Arlindo Chinaglia, sob pressões enormes, vai viver o teste da sua vida política.

A depender do eleito, e do consequente estado da Câmara, será maior ou menor o grau de dificuldades políticas do governo, capaz ou não de mais agravar seu desempenho e perturbar suas pretensões. Um vitorioso ou outro, vai se acelerar ou não o processo da sucessão presidencial, maiores problemas do governo provocando a consolidação do Lula messiânico. 


A de hoje não é apenas mais uma eleição na Câmara. A eleição é lá, sim, mas o efeito é cá.






janio de freitas Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos, terças e quintas-feiras.

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POLÍTICA E ECONOMIA