Hoje, quando o Congresso recebe os senadores e deputados para iniciar a
nova legislatura, promete ser o dia mais interessante da vida
parlamentar neste ano. A disputa pela presidência da Câmara vale a
atenção que receba, não propriamente pela rivalidade entre Eduardo Cunha
e Arlindo Chinaglia, com Júlio Delgado esperançoso de uma surpresa,
mas, sim, pelos reflexos que a eleição lançará para fora da Câmara.
Poucas vezes, desconsiderados os tempos de ditadura, o contraste entre
as perspectivas representadas pelos dois principais candidatos terá sido
tão acentuada. Alguém disse que Eduardo Cunha representa "o PMDB do
mal". Eduardo Cunha representa Eduardo Cunha. O que é muito mais
problemático, pela permanente e sempre aumentada incógnita, do que
qualquer parcela peemedebista, todas sujeitas a limites e negociações.
A possível presidência de Eduardo Cunha será uma dificuldade grande e
constante para o governo, sem que isso assegure vantagem para a
oposição. Nada a ver com independência do deputado. É que os
direcionamentos de Eduardo Cunha determinam-se por motivações variáveis
que não costumam ser claras, ou induzem a impressão de que sob o
propósito exposto há intenções inconfessáveis, seja lá pelo que for.
Imprevisível e ousada, desafiadora e passível de suspeitas diversas,
assim tende a ser a presidência da Câmara por Eduardo Cunha. À imagem do
próprio.
Se a disputa fosse menos rasteira, ou seja, menos apegada às
características da atualidade, Arlindo Chinaglia poderia ter feito sua
campanha com a invocação da passagem que teve na presidência a que
deseja voltar. Sóbrio, muitas vezes duro e áspero na condução de
sessões, foi presidente da Câmara muito mais do que um petista na
presidência da Câmara. Mas as presentes condições políticas são muito
mais difíceis para os petistas em geral e, acima de todos, para os da
Câmara.
A possível presidência de Arlindo Chinaglia não é uma obscuridade, dado o
seu histórico pessoal e político. Nem é contra ele que a oposição
investe, é contra o PT. Mas com Chinaglia não se imagina que os
oposicionistas tenham a vida fácil, para o seu jogo, que tiveram até
agora com o peemedebista e "aliado" Henrique Alves, nem o PMDB encontre
facilidade para as manipulações de suas chantagens por cargos e verbas.
Expectativa, portanto, de embates fortes.
E há, ainda, as duas fervuras que devem escoar para a Câmara: a política
econômica e a corrupção na Petrobras. O PT já aprendeu a engolir a
vergonha, mas se a mão do governo no bolso dos direitos alheios provocar
reações de massa, e se o caso Petrobras for levado a sério, sem a
oposição preferir nova proteção aos seus comprometidos —então Arlindo
Chinaglia, sob pressões enormes, vai viver o teste da sua vida política.
A depender do eleito, e do consequente estado da Câmara, será maior ou
menor o grau de dificuldades políticas do governo, capaz ou não de mais
agravar seu desempenho e perturbar suas pretensões. Um vitorioso ou
outro, vai se acelerar ou não o processo da sucessão presidencial,
maiores problemas do governo provocando a consolidação do Lula
messiânico.
A de hoje não é apenas mais uma eleição na Câmara. A eleição é lá, sim, mas o efeito é cá.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com
perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve aos
domingos, terças e quintas-feiras.
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POLÍTICA E ECONOMIA