O
relacionamento de Dilma Rousseff com o partido do vice-presidente
Michel Temer atingiu um grau inédito de deterioração. O principal
problema é que o PMDB é incapaz de reconhecer a lealdade da presidente
da República. E ela é incapaz de demonstrá-la. Na avaliação da cúpula do
principal sócio do petismo, a articulação política do governo sofre uma
pane. Na noite passada, um cacique peemedebista chamou o fenômeno de
“apagão político”.
Segundo esse diagnóstico, Dilma vem perdendo
todas as oportunidades que a conjuntura lhe oferece para se achegar ao
PMDB. Em consequência, a presidente começa a se tornar uma oportunidade
que o PMDB aproveita. A animosidade do Planalto ajudou a resolver a
divisão interna da legenda. Antes, havia pelo menos dois PMDBs: o da
Câmara e o do Senado. Hoje, esses grupos operam juntos —em sintonia com
Temer, um vice que Dilma insiste em tratar como versa.
Desde o
reinício das atividades legislativas, em 1º de fevereiro, Dilma sofre
uma derrota atrás da outra. Todas têm algo em comum: as digitais do
PMDB. Só nesta terça-feira, foram duas, ambas na Câmara. Numa, Eduardo
Cunha levou a voto, em turno final, a emenda constitucional que obriga o
governo a desembolsar as verbas destinadas pelos congressistas aos seus
redutos eleitorais.
Noutra, Eduardo Cunha entregou a um
oposicionista, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a presidência da comissão especial
que colocará em pé uma proposta de reforma política. O ponto de partida
é um anteprojeto cujo conteúdo é o avesso de tudo o que o PT e Dilma
gostariam de ver aprovados numa reforma do gênero. O relator da comissão
será o peemedebista Marcelo de Castro (PI). Reservou-se para o PT uma
insignificante vice-presidência.
Cunha faz tabelinha com Renan
Calheiros, que também retira das gavetas do Senado propostas de
alterações na legislação político-eleitoral. Planeja-se uma conciliação
das propostas. A ideia é preparar um texto comum, para ser votado nas
duas Casas legislativas ainda no primeiro semestre. Está combinado que
ficarão de fora dois dogmas do PT: o fim do financiamento privado e o
voto em lista. A Constituinte exclusiva do PT e o plebiscito de Dilma
também irão para o beleléu. Com sorte, o Planalto obterá um referendo.
Se bobear, nem isso.
Aos poucos, o espírito irritadiço do PMDB se
espraia por todo o condomínio governista. A insatisfação é maior na
Câmara. Mas começa a contaminar os aliados do Senado. As duas Casas
tramam juntas o próximo bote. Planeja-se derrubar o veto de Dilma à
correção de 6,5% na tabela do Imposto de Renda. A votação deve ocorrer
em 24 de fevereiro, numa sessão do Congresso, com deputados e senadores.
O
Planalto alegou que Dilma passou o percentual de 6,5% na faca porque o
Tesouro só conseguiria suportar uma correção de 4,5%. Eduardo Cunha
avisou: se quer corrigir a tabela do IR em percentual menor, o governo
precisa enviar uma nova proposta ao Congresso, negociando sua aprovação.
Do contrário, não restará aos aliados senão ressuscitar os 6,5% que a
presidente vetou.
Na prática, Dilma e o PT estão sendo desligados
da tomada pelos partidos que deveriam prover a propalada
governabilidade. Deu-se algo inusitado: em troca da perspectiva de obter
apoio congressual, Dilma formou um ministério loteado e convencional.
Arrostou o desgaste. E não vem obtendo a contrapartida. No geral, as
bancadas dão de ombros para os pedidos dos “seus” ministros.
Num
instante em que o PT é segregado pelos demais partidos, Dilma constituiu
um conselho político 100% feito de petistas. Integram o grupo cinco
ministros: Aloisio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações
Institucionais), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência),
Jaques Wagner (Defesa) e Ricardo Berzoini (Comunicações). Por que Temer
foi excluído desse colegiado?, perguntam-se os peemedebistas, sem obter
resposta.
Pepe e Mercadante, os dois principais operadores
políticos da presidente, não são levados a sério pelos peemedebistas.
“Volta e meia, alguém vai conversar com o Mercadante e não volta nunca
mais”, diz um dos generais do PMDB, antes de criticar a “arrogância'' do
chefe da Casa Civil. “Quanto ao Pepe, virou piada”, acrescenta. “Ele é
do tipo que, para pregar um prego sem martelar o dedo, precisa segurar o
martelo com as duas mãos.”
A atmosfera belicosa restituiu ao
Palácio do Jaburu a aparência de Quartel General. A exemplo do que já
ocorrera no primeiro mandato de Dilma, a residência oficial de Temer
tornou-se ponto de encontro dos irascíveis dirigentes do PMDB. Formou-se
ali um consenso. Avalia-se que Dilma precisa retomar a iniciativa
política antes do final do mês. Por quê?
A deterioração do cenário
tende a se aprofundar depois que a Procuradoria da República der à luz
os pedidos de investigação contra políticos enroladas na Operação Lava
Jato. Diante do pé d’água, Dilma pode não encontrar nenhum guarda-chuva
quando olhar para os lados. Quem tiver um, vai abri-lo sobre a própria
cabeça, tentando se molhar o mínimo possível.
“Quando a
popularidade sorria para a presidente, até os piores defeitos dela se
pareciam muito com virtudes'', ironizou um dirigente do PMDB em conversa
com o repórter. “Depois que o Datafolha revelou os humores da rua, tem
gente achando que Dilma não merece nem 'bom-dia'.''
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