quarta-feira, 1 de julho de 2015

Editorial: Monstro marinho

É aprazível a vista do mar, dizia Lucrécio, para quem, no cais, está a salvo das tribulações e tormentas. 


Os clássicos versos do poeta latino ganham nova e bizarra pertinência nestes dias, quando se divulgam os resultados de uma abrangente pesquisa sobre a poluição dos oceanos, no encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), em San Jose, na Califórnia. 


Invisível para quem, da praia, contempla o horizonte –mas capaz de enredar baleias em seu lençol tóxico–, o plástico que se acumula na superfície dos mares vai assumindo dimensões gigantescas. 


A cientista Jenna Jambeck, da Universidade da Georgia, soube traduzir de forma vívida a extensão do problema. Para cada metro de praia, joga-se nos oceanos o equivalente a 18 sacolas de supermercado cheias de produtos plásticos. 


Esse lixo nem sempre volta ao litoral de onde foi despejado. Levado pelas correntes, dá origem a uma extensão redemoinhante de polímeros a 1.600 km do Havaí. 


Esse verdadeiro monstro marinho, a que se deu o nome de Grande Mancha de Lixo, possui uma área calculada em 1 milhão de quilômetros quadrados –quatro vezes o tamanho do Estado de São Paulo. 


No outro extremo da escala, ficaram conhecidas as fotos de filhotes mortos de albatroz no oceano Pacífico: traziam na carcaça os resíduos plásticos com que tinham sido alimentados pelos pais. De baleias a micro-organismos, exemplares de toda a fauna marinha parecem ter sido expostos à silenciosa violência desse inimigo químico. 


Inimigo humano, a bem dizer. São 8 milhões de toneladas de plástico despejadas anualmente nos mares. A pesquisa divulgada pela AAAS incide de modo específico sobre o ano de 2010. A previsão é que essa quantidade se multiplique por dez até 2025.

São poucas as propostas para corrigir o problema. No máximo, e já não parece um cenário dos mais prováveis, haveria de ser desencadeado um esforço internacional para reduzir o fluxo dos detritos. 


Enquanto isso, a grande mancha flutua, como se fosse a versão de pesadelo da história de José Saramago, "O Conto da Ilha Desconhecida". Na ficção do Nobel português, a jangada de um viajante utópico assumia, aos poucos, a forma da ilha que ele sonhava descobrir. 

Na realidade, a forma de nossos tantos sonhos triviais de consumo se resolve em lixo –e o país de plástico se estende, como uma mortalha indestrutível, pelos quadrantes mais remotos do mar.


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