O juiz federal de Curitiba (PR), Sergio Moro, responsável por conduzir os processos da Operação Lava Jato,
foi confrontado por dois juízes de Direito, membros da AJD (Associação
Juízes para a Democracia), e por advogados na audiência pública
convocada pelo Senado para discutir mudanças no CPP (Código de Processo
Penal).
O juiz atacou "brechas" na legislação que, segundo ele, protelam o cumprimento de sentenças judiciais em casos criminais.
O projeto em discussão no Senado, produzido pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e apresentado por um grupo de senadores, permite que tribunais decretem prisões de réus já a partir de um acórdão condenatório mesmo que recorrível a tribunais superiores. Na prática, a mudança poderia impedir que um réu, com sentença de condenação confirmada por um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Regional Federal, ainda continuasse em liberdade à espera do julgamento de outro recurso em tribunal superior. A proposta abrange crimes como tráfico de drogas, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa ou passiva e terrorismo.
O debate ocorre nesta quarta-feira na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Na plateia, o senador Edison Lobão (PMDB-MA), um dos alvos da Lava Jato no STF, assistiu à palestra de Moro –o senador não fez perguntas.
"Eu [em tese], sendo processado criminalmente, o que vou orientar? Vou orientar meu advogado a recorrer, recorrer, recorrer, mesmo que não tenha razão. Hoje o sistema permite essas brechas. A ideia é não permitir essas brechas", disse o juiz federal aos senadores.
O juiz afirmou que "casos complexos" que passaram pelas suas mãos, como os derivados do escândalo Banestado, que apurou remessas de bilhões de dólares para o exterior, ainda permanecem sem julgamento final, embora iniciados há onze anos.
"Eles [dirigentes do Banestado] praticaram fraudes milionárias, julguei em 2004 e nunca chegou ao final. Já foram condenados por mim, por STJ, mas não obstante, tramitam ainda recursos, nesse caso incabíveis, no Supremo", explicou o magistrado.
"Normalmente são uma patologia, a gente pensa que casos assim ocorrem pontualmente, mas não", afirmou o juiz.
Moro foi apoiado pelo presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek, que falou na "tríade morosidade, recursos protelatórios e prescrição da pena". "Os juízes não têm primazia de combater a impunidade, o juiz sim se preocupa ou deve se preocupar com a regularidade do processo, e ele visa sobretudo que não haja impunidade e que a justiça seja feita nos casos concretos", disse Bochenek.
Um dos representantes da OAB na audiência, Fábio Zech Sylvestre, disse que o projeto ofende o princípio da presunção da inocência. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito penal de sentença condenatória. Na verdade esse preceito constitucional é inerente à dignidade da pessoa humana", disse Sylvestre.
Em duro ataque ao projeto, o professor de direito e juiz no Rio, Rubens Roberto Rebello Casara, membro da AJD, fez comparações com a Alemanha nazista e o fascismo italiano para dizer que "no Estado democrático de direito os fins não justificam os meios". Segundo Casara, o projeto de lei "se insere num movimento que se caracteriza por mais punições e as pulsões repressivas presentes na sociedade, mas que se revela ineficaz para a prevenção de novos delitos".
"De boas intenções, como se diz no ditado popular, o inferno está cheio", acusou o professor. Ele disse que "não há nenhuma razão" para acreditar "cegamente em um juiz de Direito". "Os juízes erram e muito, eu já cansei de errar, muitas vezes nas melhores das intenções", afirmou Casara.
O juiz de direito de São Paulo Marcelo Semer, também membro da AJD, afirmou que casos marcados por inúmeros recursos são "folclóricos e não entram para as estatísticas". Ele disse que não se deveria mudar a legislação "a partir da Operação Lava Jato".
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) rebateu a acusação de que o projeto é movido por "interesse midiático", ao dizer que propostas de mudança do CPP tramitam desde 2011 na comissão. Dirigindo-se a Casara, o senador citou a fala do ex-ministro do STF Cezar Peluso, segundo o qual o atual sistema processual penal "é ineficiente, danoso e, eu diria, perverso". Segundo o senador, o interesse da CCJ é saber se o sistema atual está sendo eficiente e não causando impunidade.
O senador rechaçou as comparações com o fascismo e o nazismo. "Eu refuto por completo essa afirmação que não vai encontrar eco na realidade democrática e republicana que estamos passando no Brasil", disse o senador.
Em entrevista à imprensa após a audiência, Moro rebateu a acusação de afronta à presunção de inocência, citando Estados Unidos e França, "países que estão longe de ser considerados países nazistas ou fascistas", onde os réus permanecem presos após decisão de primeira instância, sistema ainda mais duro do que o agora proposto, que prevê prisão a partir de decisão na segunda instância. "Esses dois países são os próprios berços da presunção de inocência, então não me parece que esse argumento seja argumento para ser levado a sério", disse o juiz.
Sobre a mudança nas propostas entre a primeira e a ideia afinal apoiada pela Ajufe, Moro afirmou que "ninguém pode ser fundamentalista". Moro disse que a primeira ideia estava baseada em uma proposta da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), conjunto de iniciativas de diversos órgãos públicos.
"Entendemos é que o projeto da Enccla falava em primeira instância, mas entendemos que há mais chance de obter um consenso na comunidade e no parlamento colocando a prisão a partir da condenação em segunda instância", disse Moro.
Em resposta às comparações de Casara com o fascismo e o nazismo, Sérgio Moro disse que é "necessário por vezes fugir do excesso de retórica" e que ouviu "coisas ofensivas" durante o debate. "Acho que esse tipo de afirmação, além de ser inapropriada, ela fecha o diálogo e revela falta de tolerância ao pensamento alheio. Referência a 'emissário midiático' é outra questão ofensiva e não acho apropriada", rebateu o juiz.
Moro disse aos senadores que "a Justiça criminal tem que funcionar para todos". "Hoje em relação aos crimes praticados por poderosos, pelas suas vicissitudes, o sistema é extremamente ineficaz", afirmou o juiz.
O juiz atacou "brechas" na legislação que, segundo ele, protelam o cumprimento de sentenças judiciais em casos criminais.
O projeto em discussão no Senado, produzido pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e apresentado por um grupo de senadores, permite que tribunais decretem prisões de réus já a partir de um acórdão condenatório mesmo que recorrível a tribunais superiores. Na prática, a mudança poderia impedir que um réu, com sentença de condenação confirmada por um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Regional Federal, ainda continuasse em liberdade à espera do julgamento de outro recurso em tribunal superior. A proposta abrange crimes como tráfico de drogas, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa ou passiva e terrorismo.
O debate ocorre nesta quarta-feira na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Na plateia, o senador Edison Lobão (PMDB-MA), um dos alvos da Lava Jato no STF, assistiu à palestra de Moro –o senador não fez perguntas.
"Eu [em tese], sendo processado criminalmente, o que vou orientar? Vou orientar meu advogado a recorrer, recorrer, recorrer, mesmo que não tenha razão. Hoje o sistema permite essas brechas. A ideia é não permitir essas brechas", disse o juiz federal aos senadores.
O juiz afirmou que "casos complexos" que passaram pelas suas mãos, como os derivados do escândalo Banestado, que apurou remessas de bilhões de dólares para o exterior, ainda permanecem sem julgamento final, embora iniciados há onze anos.
"Eles [dirigentes do Banestado] praticaram fraudes milionárias, julguei em 2004 e nunca chegou ao final. Já foram condenados por mim, por STJ, mas não obstante, tramitam ainda recursos, nesse caso incabíveis, no Supremo", explicou o magistrado.
"Normalmente são uma patologia, a gente pensa que casos assim ocorrem pontualmente, mas não", afirmou o juiz.
Moro foi apoiado pelo presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek, que falou na "tríade morosidade, recursos protelatórios e prescrição da pena". "Os juízes não têm primazia de combater a impunidade, o juiz sim se preocupa ou deve se preocupar com a regularidade do processo, e ele visa sobretudo que não haja impunidade e que a justiça seja feita nos casos concretos", disse Bochenek.
Um dos representantes da OAB na audiência, Fábio Zech Sylvestre, disse que o projeto ofende o princípio da presunção da inocência. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito penal de sentença condenatória. Na verdade esse preceito constitucional é inerente à dignidade da pessoa humana", disse Sylvestre.
Em duro ataque ao projeto, o professor de direito e juiz no Rio, Rubens Roberto Rebello Casara, membro da AJD, fez comparações com a Alemanha nazista e o fascismo italiano para dizer que "no Estado democrático de direito os fins não justificam os meios". Segundo Casara, o projeto de lei "se insere num movimento que se caracteriza por mais punições e as pulsões repressivas presentes na sociedade, mas que se revela ineficaz para a prevenção de novos delitos".
"De boas intenções, como se diz no ditado popular, o inferno está cheio", acusou o professor. Ele disse que "não há nenhuma razão" para acreditar "cegamente em um juiz de Direito". "Os juízes erram e muito, eu já cansei de errar, muitas vezes nas melhores das intenções", afirmou Casara.
O juiz de direito de São Paulo Marcelo Semer, também membro da AJD, afirmou que casos marcados por inúmeros recursos são "folclóricos e não entram para as estatísticas". Ele disse que não se deveria mudar a legislação "a partir da Operação Lava Jato".
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) rebateu a acusação de que o projeto é movido por "interesse midiático", ao dizer que propostas de mudança do CPP tramitam desde 2011 na comissão. Dirigindo-se a Casara, o senador citou a fala do ex-ministro do STF Cezar Peluso, segundo o qual o atual sistema processual penal "é ineficiente, danoso e, eu diria, perverso". Segundo o senador, o interesse da CCJ é saber se o sistema atual está sendo eficiente e não causando impunidade.
O senador rechaçou as comparações com o fascismo e o nazismo. "Eu refuto por completo essa afirmação que não vai encontrar eco na realidade democrática e republicana que estamos passando no Brasil", disse o senador.
Em entrevista à imprensa após a audiência, Moro rebateu a acusação de afronta à presunção de inocência, citando Estados Unidos e França, "países que estão longe de ser considerados países nazistas ou fascistas", onde os réus permanecem presos após decisão de primeira instância, sistema ainda mais duro do que o agora proposto, que prevê prisão a partir de decisão na segunda instância. "Esses dois países são os próprios berços da presunção de inocência, então não me parece que esse argumento seja argumento para ser levado a sério", disse o juiz.
Sobre a mudança nas propostas entre a primeira e a ideia afinal apoiada pela Ajufe, Moro afirmou que "ninguém pode ser fundamentalista". Moro disse que a primeira ideia estava baseada em uma proposta da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), conjunto de iniciativas de diversos órgãos públicos.
"Entendemos é que o projeto da Enccla falava em primeira instância, mas entendemos que há mais chance de obter um consenso na comunidade e no parlamento colocando a prisão a partir da condenação em segunda instância", disse Moro.
Em resposta às comparações de Casara com o fascismo e o nazismo, Sérgio Moro disse que é "necessário por vezes fugir do excesso de retórica" e que ouviu "coisas ofensivas" durante o debate. "Acho que esse tipo de afirmação, além de ser inapropriada, ela fecha o diálogo e revela falta de tolerância ao pensamento alheio. Referência a 'emissário midiático' é outra questão ofensiva e não acho apropriada", rebateu o juiz.
Moro disse aos senadores que "a Justiça criminal tem que funcionar para todos". "Hoje em relação aos crimes praticados por poderosos, pelas suas vicissitudes, o sistema é extremamente ineficaz", afirmou o juiz.
"O que nós observamos hoje é uma distribuição não igualitária da Justiça criminal, ela cai muito pesadamente em cima de algumas pessoas, ou cai, –se é que cai–, em relação a outros, para essa criminalidade mais complexa."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
POLÍTICA E ECONOMIA