segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Medidas de Lewandowski no CNJ serão reavaliadas

Alan Marques/Folhapress
Ricardo Lewandowski durante julgamento do impeachment no Senado
Ricardo Lewandowski durante julgamento do impeachment no Senado

No último dia em que comandou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o ministro Ricardo Lewandowski assinou duas resoluções introduzindo mudanças na gestão dos tribunais. Ele não consultou e nem avisou a sua sucessora, ministra Cármen Lúcia, nova presidente do conselho. 

A ministra pediu informações aos presidentes de tribunais estaduais, recebidos no gabinete no dia seguinte ao de sua posse. Cármen Lúcia quer saber quais serão os efeitos dessas medidas, e eles deverão responder no próximo encontro mensal. 
A presidente do CNJ pretende passar um pente-fino nas 258 resoluções do CNJ, entre elas as duas decididas no final da gestão anterior: uma dispõe sobre a "Política Nacional de Gestão de Pessoas no âmbito do Poder Judiciário"; a outra trata da regulamentação do expediente forense no período natalino. 
As duas resoluções foram submetidas ao colegiado do CNJ em 30 de agosto e 6 de setembro, em sessões virtuais. A proposta inicial para a política de gestão estava pronta desde 2015. 
Todos os tribunais deverão criar, em 90 dias, comitês de gestão formados por quatro magistrados e quatro servidores, indicados pelo tribunal ou escolhidos em eleição direta. Serão eleitos dois juízes de primeiro grau para cada comitê. 
A resolução determina que os tribunais assegurem a participação de magistrados e servidores, sem direito a voto, indicados pelas suas respectivas associações de classe. 
"É uma ideia extravagante. Nunca tinha visto nada semelhante quanto à violação da própria autonomia dos tribunais", diz o ministro Gilmar Mendes. "É uma proposta autoritária. É o novo politburo [comitê central dos antigos partidos comunistas]", diz o ex-presidente do CNJ. 
A resolução pretende aprimorar o modelo de gestão de pessoas em todos os tribunais. Introduz a cultura de resultados, estabelece critérios para provimento de cargos em comissão e equalização entre primeiro e segundo graus. Um grupo de trabalho realizou consultas públicas e ouviu representantes de tribunais. 
"Não vi nada de grave nas duas resoluções, a não ser um desenho arcaico e nebuloso da estrutura do Judiciário", diz Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça. 
"Parece-me uma resolução burocrática, sem maiores consequências. Não sei se é necessária, ou se terá alguma efetividade", diz Thomaz Pereira, diretor de direito da FGV-Rio.
A criação dos comitês de gestão criaria sobreposição de atribuições. Teme-se o enfraquecimento do CNJ, visão reforçada pelas várias iniciativas de Lewandowski consideradas corporativistas. 
Sem consultar o colegiado, ele acolheu no gabinete da presidência do CNJ dois "conselhinhos", um formado por presidentes de associações de magistrados e outro pelo Conselho dos Tribunais de Justiça, entidade que não integra a estrutura do Judiciário. 
"Cada presidência do CNJ adotou a linha da convicção de seu presidente", diz o advogado Ives Gandra Martins. 
"Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Carlos Ayres Britto sempre entenderam, como eu, que o CNJ objetivara levar questões comportamentais do Judiciário para além das corregedorias, podendo trabalhar paralelamente ou exclusivamente nas infrações disciplinares, com o que o constrangimento de punir colegas de convívio diário seria superado", afirma Martins. 
"Lewandowski, ao contrário, hospedou o entendimento –predominante na Apamagis [Associação Paulista de Magistrados] no TJ-SP– de que o CNJ seria uma instância recursal e não paralela. Ele dirigiu o CNJ conforme suas convicções. Por isto, foi chamado de corporativista", diz. 
Em relação à resolução que trata do expediente no final do ano, Cármen Lúcia quer saber se haverá prejuízo para o cidadão, "que espera ver os tribunais trabalhando". 
A medida adapta o recesso de fim de ano ao novo Código de Processo Civil, que acolheu o lobby da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), suspendendo prazos processuais entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. No período, não serão realizadas audiências e sessões de julgamento. 
Para Pereira, da FGV-Rio, essa resolução tem o mérito de organizar e padronizar a questão. "O recesso em si não é um problema. O problema é como isso afeta, na prática, a remuneração e as férias de juízes e funcionários", diz. 
OUTRO LADO
 
A assessoria do ministro Ricardo Lewandowski informou à reportagem que "as duas resoluções foram aprovadas pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça e levam a assinatura do ministro pelo fato de ele ser, à época, presidente do CNJ". 
"O ministro Ricardo Lewandowski não se opôs, em nenhum momento, a receber uma equipe de transição da ministra Cármen Lúcia, tanto no STF, quanto no CNJ", informam os assessores. 
Segundo a assessoria, "a Resolução 240 trata de norma programática que contém uma série de princípios salutares à gestão de pessoas, tais como: a valorização da dignidade e do ambiente de trabalho, a garantia de acessibilidade e o caráter participativo da gestão de pessoas, por meio de comitês que contarão com a participação dos próprios servidores". 
"Já a Resolução 241 não traz nenhuma inovação no mundo jurídico, pois atende determinação do Novo Código de Processo Civil."
O presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça, desembargador Pedro Bitencourt Marcondes, diz que não vê "nenhuma tentativa de enfraquecimento do Conselho Nacional de Justiça com a criação dos comitês de gestão nos tribunais". 
"O CNJ está exercendo o papel dele, de estabelecer políticas públicas de gestão, dando um caráter nacional", afirma Marcondes, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 
Segundo ele, a resolução sobre gestão de pessoal foi definida a partir de consultas realizadas por um grupo de trabalho formado no próprio conselho. 
Em janeiro, Marcondes disse que a Justiça Estadual sofre discriminação. "Estou convicto de que a Justiça Estadual é discriminada devido ao preconceito existente de certos segmentos da sociedade, pois não há nenhum questionamento ou crítica sobre os outros conselhos", afirmou. 
"Ao que parece, qualquer movimento por parte de integrantes da Justiça Estadual é visto como tentativa de apequenar ou extinguir o CNJ", completou. 
"As insurgências que ocorreram no início de vida do CNJ não mais subsistem, pois, este órgão é uma realidade. A sociedade e os magistrados exigem a observância dos princípios constitucionais da administração pública na gestão dos tribunais", disse Marcondes.

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