sexta-feira, 13 de maio de 2016

Os sete pecados capitais de Dilma Rousseff

Em xeque, era petista sofre de ‘falência de autoridade política’

A presidenta Dilma Roussef - Marcos Alves / Agência O Globo / 3-2-2016

por Ricardo Noblat
11/05/2016 6:00 / Atualizado 11/05/2016 6:00


BRASÍLIA — A uma semana da data marcada pelo Senado para admitir o julgamento da presidente Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, baixou na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a “síndrome de Anna Maria Buarque de Hollanda”. É um mal que acomete ministros de Estado às vésperas de perder o emprego e seus privilégios.

O caso que deu nome à síndrome aconteceu com a compositora e irmã de Chico Buarque, ministra da Cultura do primeiro governo Dilma, entre janeiro de 2011 e setembro de 2012. Foi um período curto e desastroso para ela e para a cultura nacional.

No dia em que Ana deixou o ministério, o carro oficial levou-a ao apartamento onde morava. Uma vez lá, Ana deu-se conta de que faltava água de beber. Telefonou então para o fornecedor de água que abastecia os imóveis ocupados por ministros. Pediu um garrafão de água. E então ouviu dele:

— Esse apartamento não consta mais da relação de apartamentos de ministros. Sinto não poder atendê-la.

Nem três horas haviam se passado desde que Ana deixara de ser ministra. O jeito foi ela mesma sair para comprar água. No dia seguinte, esperou o carro oficial que a levaria ao aeroporto. Não apareceu. Ana foi de táxi e embarcou de volta ao Rio de Janeiro.

— Olha, sou eu. Estou telefonando para me despedir e agradecer por tudo — apresentou-se a um amigo, na última quarta-feira, um poderoso ministro do PT com gabinete no Palácio do Planalto.

Mais dois ministros do PT, amigos da mesma pessoa, telefonaram para ela com o mesmo propósito. Um chorou, emocionado, e falou que o partido errara muito, o outro pediu: “Não esqueça. Vou precisar de emprego. Aceito trabalhar na iniciativa privada”. Há 13 anos, pelo menos, esse ministro vivia de empregos públicos. Não era o único.

A era da estrela vermelha no poder, a mais longa desfrutada por um partido na história do Brasil republicano, começa a chegar ao fim com o afastamento do cargo, previsto para quinta-feira, de Dilma, e o início de imediato do governo Temer.

É emblemático que entre os ministros de saída estejam seis fundadores do PT, criado há 36 anos. Um ex-ministro e ex-presidente do partido, José Dirceu, está preso em Curitiba, bem como o ex-tesoureiro João Vaccari. Lula é investigado pela Lava-Jato e corre o risco de ser preso.

Em 2002, o medo que Lula despertou entre os mais abastados acabou derrotado pela esperança de redenção que ele representou para os mais pobres. Depois de 13 anos, a corrupção institucionalizada, como meio de o PT manter-se no poder, revogou, em parte, os ganhos dos mais pobres, e estarrece o país.

Foi mortal para o PT a combinação da crise econômica com a crise política. A rejeição a Dilma superou a rejeição a Collor, que caiu em 1992. Mais de 60% dos brasileiros querem vê-la pelas costas. A rejeição a Lula jamais foi tão alta. E despencou a preferência pelo PT no ranking dos partidos mais admirados.

O primeiro governo Dilma serviu para que ela afundasse o país. O segundo, para que o país afundasse mais. Quando Collor caiu, o ex-ministro da Casa Civil do governo do general Figueiredo, o jurista Leitão de Abreu, ensinou ao então repórter do GLOBO em Brasília João Bosco Rabello:

— Está vendo esses livros? São sobre Direito. Mas em nenhum você encontrará referências ao que chamo de “falência da autoridade política”. Collor caiu por isso.

Repetiu-se com Dilma a “falência da autoridade política”. O que ela diz deixou de valer. O que ele mandava que fosse feito não era feito. Ela passou a viver em um mundo de ficção. E assim será até que sua sorte seja definitivamente selada.

    Gula
    Avareza
    Luxúria
    Ira
    Inveja
    Preguiça
    Soberba
    Um serviço das ‘Organizações Tabajara’

Gula

Dilma emagreceu 20 quilos no período de pouco mais de um ano e emagreceu o país ao fazê-lo mergulhar na pior recessão econômica de sua história desde os anos 30 do século passado. Nem por isso deixou de atentar contra o pecado da gula. Presidente algum, nem mesmo os da ditadura de 1964, se empenhou tanto em concentrar o poder como Dilma o fez. Seu apetite era insaciável. Confiou em poucos auxiliares. E mesmo desses costumava duvidar quando lhe diziam o que não queria ouvir. “Não, você não entende de nada disso”, gritava se a opinião de um a contrariasse. Dilma jamais inspirou ternura ou respeito entre os que a cercavam. Inspirava temor. Certa vez, de tão assustada com o que ela lhe disse, uma ministra da área social fez pipi na calça. Um executivo de empresa moderna delega poderes, estabelece metas e cobra resultados. Dilma cobrou resultados sem delegar suficientes poderes. Foi uma gerente à moda antiga e, como tal, ineficiente. Na organização de esquerda na qual militou nos anos 70, ganhou fama como tarefeira. Fazia o que lhe mandavam. E só se distinguiu por isso.
Avareza

Ganha um fim de semana com Dilma no Palácio da Alvorada quem apontar uma dezena de pessoas alvos de elogios feitos por ela. Risque a palavra elogio do vocabulário capenga de Dilma. O que move gente, o que a leva a superar limitações, é o reconhecimento. Sem ele não se consegue desempenho acima da média. A maioria dos ministros escolhidos por Dilma destacou-se por sua mediocridade ou falta de iniciativa. Mas mesmo os que não eram medíocres acabaram se igualando aos demais por falta de incentivo. Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo, largou o Ministério da Educação. Nelson Jobim, o Ministério da Defesa, para não ter que brigar com Dilma. O ex-ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, resignou-se a tocar um ministério com nomes indicados por Dilma para os cargos mais estratégicos. Aproveitou o tempo disponível para fazer negócios e se dar bem. É hoje investigado pela Lava-Jato.
Luxúria

O desejo egoísta por todo o prazer corporal e material está longe de marcar o desempenho de Dilma como presidente. Mas o desejo de sentir-se superior em relação aos seus semelhantes é também uma forma de luxúria, e desse mal ela padeceu. Enquanto foi ministra de Lula, comportou-se face a ele como uma humilde cumpridora de ordens. Uma vez, acertou-se com Geddel Vieira Lima, então ministro da Integração Nacional, sobre o trecho por onde deveria começar a transposição das águas do rio São Francisco. Depois, ela o acompanhou a uma reunião com Lula. Ouviu Geddel dissertar sobre as vantagens do trecho escolhido, mas calou-se quando Lula discordou. Então passou a defender o ponto de vista de Lula. A necessidade de afirmação de Dilma agravou-se tão logo ela foi eleita para suceder Lula. Exigiu, a partir dali, ser tratada como “presidenta”. Jamais furtou-se a humilhar os que somente tolerava. Expulsou um general do elevador privativo do Palácio do Planalto. Fez chorar José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras. E deixou em pânico o jardineiro do Alvorada ao culpá-lo pela bicada de uma ema no cachorro que ela ganhara de presente do ex-ministro José Dirceu.
Ira

Um dos ministros do governo inicial de Dilma deu-se ao prazer de anotar os frequentes surtos de ira que a acometia. Quando já colecionava 16 episódios em dois anos, abdicou do trabalho. Os surtos haviam se banalizado. Alguns se tornaram famosos em 13 anos de governos do PT. Dilma era ministra das Minas e Energia e recebia um deputado da oposição quando Erenice Guerra e um assessor irromperam em seu gabinete. Erenice limitou-se a estender um papel para Dilma, que depois de lê-lo, explodiu: “Esses caras estão pensando o quê? Que vão botar aqui?” — e apontou para a própria bunda. “Aqui, nem a ditadura pôs”. Tão logo Erenice e o assessor saíram, Dilma começou a gargalhar. Virou-se para o deputado e disse: “Essa gente tem de ser tratada assim”. Picou o papel e retomou a conversa. Como presidente, Dilma protagonizou o que ficaria conhecido como “A guerra dos cabides”. Irritada com a arrumação do seu guarda-roupa no Alvorada, começou a jogar cabides em Jane, a camareira. Que reagiu jogando cabides nela. Jane acabou demitida, mas depois foi presenteada com outro emprego, em troca do seu silêncio.
Inveja

Quem se acha não inveja seus semelhantes. A não ser que reconheça que pelo menos um deles possa lhe ser superior. A inveja de Lula responde por uma série de atritos que Dilma teve com ele, prejudicando seus governos. No primeiro, logo de saída, ela quis mostrar que não seria tolerante como Lula fora com suspeitos de corrupção. Nascia, ali, a “faxineira ética”, capaz de demitir sete ministros em menos de um ano. Nos anos seguintes, aconselhada por Lula, ela readmitiu alguns e empregou representantes dos outros para garantir apoio à sua reeleição. A faxineira ética teve vida curta. Havia um pacto não escrito firmado por ela com Lula que permitiria o retorno dele à presidência em 2014. Dona Marisa, mulher de Lula, jamais perdoou Dilma por ter passado seu marido para trás. Dilma é mulher de confronto. Lula só confronta da boca para fora. Ela ganhou a parada, mas por pouco não perdeu a eleição para Aécio.
Preguiça

De dar longos expedientes, certamente não. De ler relatórios e de anotá-los, também não. De meter-se em tudo, inclusive no que não deveria, tampouco. A preguiça de Dilma, talvez a forma mais perversa de preguiça, foi a de ouvir, de conversar, de trocar ideias, de conviver com pessoas. Dilma é uma mulher solitária e atormentada por seus demônios. Amava o pai. Não se dava bem com a mãe, e ainda não se dá. Considera a filha “insuportável”, como uma vez confessou. A mãe mora com ela no Alvorada. Mas antes morava com o ex-marido de Dilma em Porto Alegre. Quando a Câmara aprovou o impeachment, o ministro Jaques Wagner sugeriu a Dilma que telefonasse para cada um dos 137 deputados que haviam votado contra. Seria um gesto simpático. Wagner entregou a Dilma a lista dos 137 com pelo menos dois ou três números de telefone de cada um. Destacou quatro telefonistas para fazerem as ligações. Dilma não quis. O vice Michel Temer telefonou para quase todos os 367 deputados que votaram a favor do impeachment. Muitas razões explicam a queda de Dilma, mas talvez a principal seja o fato de ela não gostar de ninguém e de ninguém gostar dela.
Soberba

A vaidade é o pecado preferido do carismático personagem vivido por Al Pacino no filme “Advogado do Diabo”. A soberba talvez tenha sido o pecado preferido de Dilma. Por soberba, ela desprezou os políticos em geral, e a maioria deles em particular. Evitou aproximar-se deles. Evitou recebê-los. Tratou-os como cargas que era obrigada a carregar. Ao então deputado Paulo Rocha (PT-PA), referindo-se à sua atividade na Câmara, uma vez ela observou: “Não sei como você suporta isso”. Há mais de três anos que o ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pede para ser recebido por ela — sem sucesso. Diante do risco de a Lava-Jato bater à sua porta antes da reeleição, Dilma divulgou uma nota que afastava qualquer culpa dela, mas que deixava Lula exposto à suspeita de que a roubalheira na Petrobras fora obra dele, sim. Pode ter sido. Mas pode ter sido de Dilma também. Por mais que a soberba a impeça de reconhecer, ela e Lula estarão ligados para sempre pela história do país. Para o bem ou para o mal. Hoje, são as conveniências, apenas elas, que os fazem encenar uma parceria que já se desfez.
Um serviço das ‘Organizações Tabajara’

Se arrependimento matasse, a presidente Dilma estaria morta a essa altura. Afinal, sob a supervisão dela, tudo fora acertado em sucessivas rodadas de conversas entre Jaques Wagner, ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.

O PSOL havia entrado na Câmara com um pedido de cassação do mandato de Cunha, acusado de ter mentido aos seus pares ao dizer que jamais escondera dinheiro no exterior. Cunha precisava de três votos do PT para derrotar no Conselho de Ética a admissibilidade do pedido. Em troca, arquivaria qualquer pedido de impeachment contra Dilma.

Na tarde do último dia dois de dezembro, diante da resistência do PT ao acordo, Dilma desistiu dele. Disse a Wagner que não gostava de Cunha e nem confiava nele. Ela nunca se conformara com a derrota do candidato que apoiara contra Cunha na disputa pela presidência da Câmara. Achava que dessa vez poderia se dar bem e ele, mal.

Na noite do mesmo dia, Cunha anunciou que aceitara o pedido de impeachment de Dilma subscrito pelos juristas Hélio Bicudo, fundador do PT, Miguel Reale Jr., ex-ministro do governo Fernando Henrique, e Janaína Paschoal. Foi a maior trapalhada do que viria a ser batizado pelo ministro Gilmar Mendes de “Organizações Tabajara”.

Marca registrada do programa “Casseta & Planeta — Urgente”, da Rede Globo, as Organizações Tabajara, ali, serviram ao humor inteligente. Aplicada à vida política nacional, a expressão passou a designar as piores trapalhadas cometidas pelo governo e pelo PT. Foram muitas. E é possível que ainda ocorram outras antes do fim da Era da Estrela Vermelha.

A própria escolha de Dilma para ser candidata a presidente em 2010 foi coisa das Organizações Tabajara, comandadas, na época, por Lula. Ele a escolheu porque não queria um homem, nem um nome de São Paulo, nem ninguém mais inteligente do que ele, nem quem fosse do PT, e nem quem pudesse ambicionar a reeleição. Deu errado.

O PT engoliu Dilma de má vontade e lhe criou sérios problemas. Como filha legítima do brizolismo, onde militou, Dilma apenas tolerou o PT à falta de outro jeito. Ela pode ser menos inteligente do que Lula, nada carismática, e analfabeta quando se trata de fazer política partidária. Mas é mais corajosa do que ele. Bateu o pé e foi candidata à reeleição.

E o que dizer do discurso de que impeachment é golpe? Golpe avalizado por Dilma, Lula e o PT, que participaram de todas as fases do processo? E o que dizer do lance a serviço do governo estrelado pelo deputado Waldir Maranhão, que anulou a votação do impeachment na Câmara para depois anular sua própria decisão? Realizações das Organizações Tajabara.


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