sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Perto da ruína, alguma sensatez

À beira da ruína, a Petrobras começa a recuperar a lucidez. Aliás, seria um tanto mais justo dizer que o governo soltou algemas da empresa, que, no entanto, ainda não foi libertada do cárcere da má administração pública federal. A empresa vai passar o facão nas despesas, vai juntar quanto dinheiro puder, ficando um tanto menor do que o governo a imaginava, em parte de modo delirante. 

Note-se que, de 2010 para 2014, o endividamento relativo da empresa (ponderado pela receita) foi multiplicado por quase cinco. 

A Petrobras enfim deixa um pouco mais claro como vai ser o seu "ajuste". Faz tal coisa à maneira dos governos federal e estaduais, que procrastinaram ou procrastinam até o abismo em vez de tomar medidas a fim de evitar a falta de água, luz e dinheiro no caixa. 

Em entrevistas na tarde de ontem, a direção da Petrobras anunciou que não vai fazer dívida alguma em 2015; muito pouco em 2016 e 2017. Neste ano, vai reduzir o investimento em um terço, quase R$ 30 bilhões. Vai manter o preço de gasolina e diesel a fim de compensar, em um ano e meio ou dois, o prejuízo imposto pelo governo até o ano passado, que a obrigava a vender produto abaixo do custo. Vai vender parte menos interessante do patrimônio. Quer dar um jeito de cancelar subsídios para o gás industrial e óleo combustível. Deve recuperar uns papagaios devidos por outras partes do setor público. No limite, "talvez considere a possibilidade" de não distribuir lucro aos acionistas, caso tenha lucro, aliás. 

"A curva de produção da companhia será atenuada. O mote do nosso plano é o redimensionamento da Petrobras em termos de financiabilidade", disse Graça Foster.

Além de ter causado o desaparecimento de vários anjos, silfos e fadas protetores da língua portuguesa, o que significa essa declaração da presidente da Petrobras? Que tanto por prudência como escassez de dinheiro, a empresa vai pisar no freio de projetos ou investir menos, o que vai, grosso modo, impedir que a produção da empresa cresça tão rapidamente como o previsto nos últimos anos, anos, aliás, de metas frustradas. A Petrobras vai furar menos poço, vai adiar a conclusão de fábricas de derivados de petróleo, refinarias. 

Não pagar dividendos, não dar lucro aos acionistas, é, a princípio, sinal de desgraça e vexame quase terminal para uma empresa. No entanto, dados os desastres e os azares simultâneos que atropelam a Petrobras, no curto prazo é uma atitude sensata (ainda que talvez inevitável). Melhor do que entupir a empresa de ainda mais dívida, dívida agora muito mais cara. Melhor do que empurrar a tarefa de tapar um eventual buraco para o conjunto dos brasileiros, pendurando a conta no Tesouro Nacional, o que, além de indecente, lançaria descrédito também sobre a política de recuperação das finanças do governo federal. 

O saneamento da empresa depende do fim de outras ilusões, delírios do Planalto, como o exagero da política de conteúdo nacional, que está ruindo sob o próprio peso, ou da participação compulsória da empresa em novas explorações do pré-sal, no entanto ora em hibernação. Mas, enfim, a empresa começa a cair na real. 


vinicius torres freire Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência', 'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de terça a sexta e aos domingos

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