Operação Lava Jato
Por Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo
Fundo Consist, do qual teriam saído R$
7,1 milhões em propinas para ex-ministro do Planejamento, preserva 'uma
gama de contratos', diz força-tarefa da Operação Custo Brasil
O ex-ministro Paulo Bernardo foi preso na Operação Custo Brasil. Foto: Dida Sampaio/Estadão
A Polícia Federal e a Procuradoria da República descobriram que o
fundo Consist – cujo mentor e beneficiário maior teria sido o
ex-ministro Paulo Bernardo (Planejamento/Governo Lula e
Comunicações/Governo Dilma) – continuou operando mesmo depois da
deflagração da Operação Pixuleco II, em agosto de 2015, quando foram
presos um lobista e um advogado sob suspeita de serem os operadores do
esquema de desvios milionários sobre empréstimos consignados.
Paulo Bernardo, preso na quinta-feira, 23, na Operação Custo Brasil,
deixou o governo Dilma em 2015. A investigação mostra que, mesmo depois
da saída dele do Ministério das Comunicações, o fundo Consist ainda se
mantém ativo.
“Há indícios de que havia uma permanência da organização criminosa e,
mesmo após cessarem os cargos públicos esse esquema ainda se mantém em
diversos locais, uma gama de contratos ainda está em vigor e diversas
pessoas têm uma força política grande”, declarou o procurador da
República Andrey Borges de Mendonça, da força-tarefa da Operação Custo
Brasil.
Deflagrada na quinta-feira, 23, a Custo Brasil culminou com a prisão
do ex-ministro e de mais dez investigados por suposto desvio de R$ 100
milhões no âmbito dos consignados.
Na sexta-feira, 24, o procurador defendeu a manutenção da ordem de
prisão preventiva de Paulo Bernardo. “Além de casos de tentativa de
obstrução da investigação, o Ministério Público Federal entende que a
prisão, embora medida excepcional, se faz necessária para neutralizar
esse risco, seja de reiteração, seja de novas condutas fraudulentas. E
mais: esse valor (desviado) tem que ser ser recuperado. A finalidade do
processo penal também é recuperar o patrimônio obtido ilicitamente. Essa
é uma finalidade do processo penal e a aplicação da lei penal, nesse
sentido, é de recuperar parcela desses valores.”
Quando aponta ‘casos de tentativa de obstrução da investigação’, o
procurador da Custo Brasil se refere ao detalhe de que, após a Pixuleco
II que prendeu o ex-vereador do PT de Americana (SP) Alexandre Romano, o
Chambinho – suposto lobista da organização criminosa que desviou R$ 100
milhões dos consignados, dos quais R$ 7,1 milhões teriam sido
destinados ao ex-ministro -, houve registros de ‘atitudes fraudulentas
para induzir em erro a Justiça’.
Naquela mesma ocasião, agosto de 2015, foi alvo de buscas o
escritório do advogado Guilherme Gonçalves, em Curitiba, apontado como
repassador de propinas a Paulo Bernardo e pagador de contas eleitorais
da senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), mulher do ex-ministro.
A petista é investigada no Supremo Tribunal Federal (STF), Corte
máxima que detém competência para processar políticos com foro
privilegiado.
O advogado Guilherme Gonçalves também teve a prisão decretada na
Operação Custo Brasil, mas está foragido. Por meio de sua assessoria ele
disse que vai se entregar à Justiça Federal.
A Custo Brasil é um desdobramento da Pixuleco II, a fase da Operação
Lava Jato que pegou o fundo Consist, para o qual eram canalizados
recursos desviados da trama dos consignados.
A Consist é uma empresa de software que fez acordo com entidades
contratadas pelo Planejamento na gestão de Paulo Bernardo, em 2010.
Cabia à Consist gerenciar o dinheiro emprestado por milhões de
servidores públicos.
Segundo o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, que
integra a força-tarefa da Custo Brasil, foi verificada a simulação de
contratos de serviços após o desencadeamento da Pixuleco II. O plano
seria tentar conferir uma aparência de legalidade a transferências de
valores sob suspeita.
“Houve atos nesse sentido, de tentar simular uma prestação de serviços”, declarou Andrey Borges.
O procurador reafirmou os motivos do decreto de prisão preventiva do
ex-ministro do Planejamento. “O esquema permaneceu durante mais de cinco
anos. Não era um esquema isolado, um ato isolado. Era um esquema
permanente e estável em que havia recebimento de valores altos, valores
milionários. Em alguns casos, isso não se aplica a todos, se verificou
atitudes fraudulentas para induzir em erro o juízo, como por exemplo,
por meio da simulação de contratos de serviços após a deflagração da
Pixuleco II, em agosto de 2015. Houve atos nesse sentido de tentar
simular uma prestação de serviços”, declarou Andrey Borges na
sexta-feira, 24, após audiência de custódia de Paulo Bernardo e de
outros alvos da Custo Brasil.
Na audiência, Paulo Bernardo afirmou que ‘não recebeu nenhum centavo
desse esquema’. Ele contestou o recebimento de valores. Seus advogados
argumentaram que ‘não há’ motivos para que o ex-ministro permaneça
preso. Mas o Ministério Público Federal e o juiz Paulo Bueno de Azevedo,
da 6.ª Vara Federal Criminal em São Paulo consideram que os indícios
contra Paulo Bernardo são fortes e suficientes para que ele seja mantido
em custódia.
A Custo Brasil ganhou força a partir das delações premiadas de
Chambinho e do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT/MS). Eles revelaram a
extensão do fundo Consist.
Mas não apenas as revelações de Chambinho e Delcídio deram base à
operação que pôs atrás das grades o ex-ministro e lança suspeitas sobre
outro ex-ministro petista, Carlos Gabas (Previdência), alvo de buscas. A
Justiça mandou conduzir coercitivamente Gabas, mas como ele preferiu se
manter em silêncio nem foi levado à PF para depor.
“Além das colaborações há diversos elementos de provas, especialmente
sobre o chamado fundo Consist, que era o fundo que o senhor Guilherme
Gonçalves (advogado de Curitiba) gerenciava”, destaca o procurador
Andrey.
“Esse fundo aponta para pagamentos de despesas pessoais de Paulo
Bernardo. Ressalto que estamos tratando aqui de investigação, não de
condenação.”
O procurador anotou que ‘as evidências apontam que havia pagamentos
pessoais, não só de apartamento, mas banais, celulares, contas básicas’.
“O Ministério Público Federal está convencido de que já indícios suficientes para a manutenção da prisão de Paulo Bernardo.”
Na quinta, 23, quando Paulo Bernardo foi preso, seus advogados, em nota, alegaram que a medida ‘é ilegal’.
“A defesa não teve acesso à decisão ainda, mas adianta que a prisão é
ilegal, pois não preenche os requisitos autorizadores e assim que
conhecermos os fundamentos do decreto prisional tomaremos as medidas
cabíveis”, afirmaram os criminalistas Verônica Sterman e Rodrigo
Mudrovitsch.
A ÍNTEGRA DA NOTA DIVULGADA PELA DEFESA NO DIA DA PRISÃO DE PAULO BERNARDO
“O Ministério do Planejamento se limitou a fazer um acordo de
cooperação técnica com associações de entidades bancárias, notadamente a
ABBC e SINAPP, não havendo qualquer tipo de contrato público, tampouco
dispêndios por parte do órgão público federal. Ainda assim, dentro do
Ministério do Planejamento, a responsabilidade pelo acordo de cooperação
técnica era da Secretaria de Recursos Humanos e, por não envolver
gastos, a questão sequer passou pelo aval do Ministro.
Não bastasse isso, o inquérito instaurado para apurar a questão há
quase um ano não contou com qualquer diligência, mesmo tendo o Ministro
se colocado à disposição por diversas vezes tanto em juízo como no
Ministério Público e Polícia Federal.
A defesa não teve acesso à decisão ainda, mas adianta que a prisão é
ilegal, pois não preenche os requisitos autorizadores e assim que
conhecermos os fundamentos do decreto prisional tomaremos as medidas
cabíveis”
Verônica Sterman e Rodrigo Mudrovitsch
ESTADÃO