sábado, 18 de junho de 2016

Em um ano na prisão, herdeiro da Odebrecht passou por 'conversão'

petrolão


Giuliano Gomes - 1º.set.2015/Folhapress
O executivo Marcelo Odebrecht, preso na Lava Jato, durante depoimento à CPI da Petrobras em Curitiba
O executivo Marcelo Odebrecht, preso na Lava Jato, durante depoimento à CPI da Petrobras em Curitiba
18/06/2016 02h00
Nas últimas semanas, para susto dos agentes da Polícia Federal, Marcelo Odebrecht começou a contar piadas na carceragem onde está preso em Curitiba (PR). 

 
O espanto tem motivo simples: Marcelo, cuja prisão completa um ano neste domingo (19), vivia cabisbaixo e quieto. Parecia arrogante, irascível e inconformado, como se fosse vítima de erros judiciais em série.
Agora se converteu em "gente boa", como é chamado por agentes da Polícia Federal. Até assiste à TV ao lado do doleiro Alberto Youssef, dono do aparelho, já que a porta das celas na carceragem ficam abertas.
A mudança ocorreu após a maior empreiteira do país, que faturou R$ 132 bilhões em 2015, decidir fazer um acordo de delação que promete ser histórico pelas revelações.
Marcelo era inicialmente contra a colaboração, mas dobrou-se às evidências apresentadas por seu pai, Emílio Odebrecht: ou delata ou o grupo quebra. As dívidas chegam a R$ 90 bilhões. Finalmente ele topou. 

Marcelo foi preso em 19 de junho, a partir de acusação que seus advogados consideravam frágil: a de pagar propina no exterior. 

O próprio juiz Sergio Moro revogou esse pedido e decretou uma nova prisão quando descobriu anotações que Marcelo fizera em seu celular, nas quais havia sugestão de destruição de provas e de interferência na apuração. 

TRÊS PASSOS ATRÁS
Habituado a mandar e estar à frente dos concorrentes, Marcelo experimentou na prisão a sensação de estar sempre três ou quatro passos atrás dos investigadores. 

Enquanto ele negava ter usado contas no exterior para pagar suborno, procuradores já tinham provas vindas da Suíça da movimentação. 

Quando seus advogados imaginavam que poderiam entregar algo grandioso para a polícia num eventual acordo de delação, como um departamento especializado em pagar suborno, a PF descobriu essa divisão em Salvador (BA) e uma testemunha-bomba: a funcionária que cuidava desse setor, Maria Lúcia Tavares, que aceitou fazer um acordo de delação. Ela conseguira escapar dos advogados da Odebrecht para se salvar da prisão.

Paulo Lisboa/Folhapres
 
Presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht chega ao IML para realização de exame de corpo delito na manhã deste sábado, em Curitiba, 20
 
Com a delação de Maria Lúcia os executivos e advogados na Odebrecht concluíram que não havia mais defesa possível para o grupo. Foi um baque para Marcelo. Em setembro de 2015, numa sessão da CPI da Petrobras, ele externou seu desprezo por delatores: "Quando lá em casa minhas meninas brigam, eu perguntava: ´Quem fez isso?'. Eu talvez brigasse mais com quem dedurasse". 

Marcelo tinha tanta certeza de que sairia rapidamente da prisão que nem se licenciou da presidência do grupo. Despachava com advogados que iam até o presídio em Curitiba e dava ordens como se estivesse de férias. Só em dezembro abriu mão do cargo por pressão de bancos e da família. Banqueiros, afinal, não gostam de dar crédito para uma empresa cujo presidente está preso. 

O executivo também exibiu o que os policiais classificam como "arrogância" ao ser interrogado por Moro sobre as anotações em seu celular. 

Em vez de responder às perguntas do juiz, como faz todo réu, apresentou um texto prolixo, cheio de evasivas. A estratégia foi depois considerada desastrosa. 

Depois que deixou a presidência do grupo, Marcelo substituiu a preocupação com negócios por exercícios físicos, em jornadas de até seis horas diárias. A bateria incluía duas horas de bicicleta, exercícios em barras, flexão e levantamento de peso com um galão de água que ele adaptara. 

Essas jornadas só eram possíveis porque deixara a PF e fora transferido em julho de 2015 para o Complexo Médico Penal, na região metropolitana de Curitiba.

Marcelo queria voltar a presidir a Odebrecht, o quarto maior grupo privado do país, após deixar a prisão. Mas foi convencido que é uma missão impossível para quem vai confessar o pagamento de subornos em escala jamais vista no Brasil. 


Uma das maiores resistências contra a sua volta partiu do próprio pai. Emílio Odebrecht tem dito a amigos e advogados ouvidos pela Folha sob condição de anonimato que foi um erro ter colocado o filho para dirigir o grupo. 

Apesar de ter estudado numa escola exemplar na Suíça, a IMD (International Institute for Management Development), Marcelo é considerado pelo pai um executivo inexperiente, até ingênuo.

Um exemplo recorrente da suposta ingenuidade foi ter montado um departamento para cuidar de propina dentro da própria empresa. 


Marcelo começou a virar "gente boa", como dizem os policiais, pouco meses depois de regressar para a carceragem da PF. 

Ele foi trazido de volta para a sede da polícia em fevereiro, na mesma data da prisão do ex-marqueteiro do PT João Santana, como estratégia de pressão para que ele aderisse à delação premiada. 

Afinal, a PF já tinha informações de que Santana recebera recursos da Odebrecht no exterior. Colocar um ao lado do outro poderia minar a resistência de Marcelo.

A estratégia com Santana não funcionou, mas há cerca de um mês foi definido que ele faria o acordo. Mesmo pagando advogados caríssimos, os tribunais já haviam dado oito decisões contrárias à revogação da prisão dele.

 
Rivaldo Gomes/Folhapress
 
Presente em 21 países, com 168 mil funcionários, o Grupo Odebrecht tem receita de R$ 107,7 bilhões e lucro de R$ 498 milhões ao ano. Muitos de seus braços são investigados pela Operação Lava Jato, o que levou em junho à prisão do presidente da empresa. Na imagem, funcionários limpam a fachada da sede, em São Paulo, após protesto. Conheça 22 braços do grupo. Leia mais

Marcelo está sozinho na cela de 16 metros quadrados, depois de dividi-la com um traficante de drogas. 

Os outros detidos na PF são os doleiros Alberto Youssef e Nelma Kodama e o ex-deputado Pedro Corrêa, delatores ou candidatos à delação. 

Marcelo continua obcecado por exercícios físicos, a ponto de usar as grades para se exercitar às 5h, antes de o sol nascer. Agora tem também outra preocupação: prepara com disciplina militar o que entrará no acordo. 

Depois que o ex-presidente José Sarney comparou o conteúdo da delação da Odebrecht a uma metralhadora ponto 100, um dos participantes das negociações disse que a imagem é imprecisa: o teor se parece mais com uma bomba incendiária, que extermina tudo onde cai.
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UM ANO NA PRISÃO

Herdeiro da Odebrecht é alvo da Lava Jato
1º PEDIDO DE PRISÃO 19.jun.15
Marcelo Odebrecht é preso preventivamente pela Lava Jato. Segundo juiz Sergio Moro, há prova de pagamento de propina pela empresa
22.jun.15
Bilhete de Marcelo à sua defesa recolhido pela PF traz orientações para contestar acusações. Uma das frases, 'destruir e-mail sondas', leva à suspeita de tentativa de ocultar provas
20.jul.15
PF apresenta um relatório com anotações encontradas no celular do executivo que sugerem que ele tentou deter o avanço das investigações
1ª DENÚNCIA 24.jul.15
Lava Jato encontra contas na Suíça que ligam a Odebrecht ao pagamento de propina a ex-dirigentes da Petrobras. Marcelo é denunciado, e nova prisão preventiva é decretada
25.jul.15
Marcelo e outros executivos são transferidos para o Complexo Médico-Penal do Paraná, em Pinhais
28.jul.15
Moro acolhe a primeira denúncia contra Marcelo, no caso de contratos de R$ 12,6 bilhões em obras de refinarias no Paraná e Pernambuco, no Complexo Petroquímico do Rio (Comperj) e na sede da Petrobras em Vitória (ES)
7.ago.15
Marcelo troca sua defesa, que passa a ser feita por Nabor Bulhões
1º.set.15
Executivo depõe na CPI da Petrobras e diz não ter o que delatar
2ª DENÚNCIA 16.out.15
Marcelo é novamente denunciado sob acusação de pagar propinas no total de R$ 138 milhões em oito obras da Petrobras, como a terraplenagem das refinaria Abreu e Lima (PE) e Comperj (RJ)
19.out.15
Moro aceita a denúncia e decreta a prisão preventiva do empresário pela terceira vez
10.dez.15
Executivo formaliza seu afastamento da presidência do grupo
2.mar.16
Nas alegações finais em uma das ações penais, defesa critica teoria do 'domínio do fato', ou seja, ideia de que Marcelo Odebrecht sabia das práticas da empresa
CONDENAÇÃO 8.mar.16
Marcelo Odebrecht é condenado pelo juiz Moro a 19 anos e 4 meses de prisão
3ª DENÚNCIA 28.abr.16
Empresário é alvo de nova denúncia, relacionada às investigações sobre setor de pagamentos de propina na empresa e repasses ao marqueteiro do PT João Santana; acusação é aceita
*DELAÇÃO
25.mai.16*
Marcelo e Ministério Público assinam negociação de delação premiada e de leniência
1º.jun.16
Moro suspende por 30 dias segunda ação penal contra Marcelo Odebrecht
8.jun.16
Empresa envia comunicado aos funcionários com autocrítica sobre sua conduta

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