quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Por prisão de Delcídio, Janot pediu nova interpretação da Constituição

O senador Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, fala ao celular durante votação no Senado da MP 665, do ajuste fiscal. Leia mais
Para conseguir que o ministro Teori Zavascki, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizasse a prisão de Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, a Procuradoria-Geral da República pediu que fosse feita uma nova interpretação do que diz a Constituição Federal. 

O art. 53 da Carta só permite a prisão de membros do Congresso Nacional em exercício quando há flagrante de crime inafiançável. Ao considerar que o caso de Delcídio encaixa-se nesse critério, o Ministério Público Federal apresentou provas de que o senador tentava atrapalhar as investigações e integrava uma organização criminosa. Fazer parte da organização, seria, para a Procuradoria, um crime permanente, que está se desdobrando em todo o momento. Tem-se, assim, estado de flagrância a qualquer momento.

A própria Procuradoria admite que essa interpretação é uma novidade e argumenta contra a visão oposta: "A Carta Magna não pode ser interpretada de modo a colocar o Supremo Tribunal Federal, intérprete e guardião máximo da Constituição Federal, em posição de impotência frente à organização criminosa que se embrenhou dentro do Estado", diz o pedido de prisão preventiva.

"A interpretação literal do § 2º do art. 53, descontextualizada de todo o sistema, transformaria a relevante garantia constitucional da imunidade parlamentar em abrigo de criminosos, os quais vêm sabotando relevante investigação criminal e instrução processual em curso", completa o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que pode ter havido interpretação excessivamente dura do texto.

Renato Silveira, professor titular de direito penal da USP, aponta que a maior prova apresentada é pelo crime de sabotar as investigações. "Existe uma percepção de organização criminosa neste caso concreto? Qual é a organização criminosa que está sendo investigada aqui? Tem outras provas desta organização?", indaga. "A acusação não é de organização criminosa, pontualmente falando. É de que teria se tentado comprar testemunhas", completou.

O criminalista Celso Vilardi, advogado da defesa de executivos da Camarago Corrêa, também questiona a ordem de prisão em flagrante pelo crime de pertencer a uma organização criminosa. "Então todos que estão em uma organização criminosa podem ser presos a qualquer momento?", perguntou. "É mais complicado. Se eu filmar um assassinato hoje e prender amanhã, ele [o preso] não será preso em flagrante", argumentou.

DITADURA

A prisão de um parlamentar em exercício, além de requerer flagrante de crime, também está sujeita a ser revertida pela Casa a que o deputado ou senador pertence. No caso do Delcídio, trata-se do Senado.

O professor Roberto Dias, coordenador do curso de direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo e doutor em direito constitucional, explica que essas proteções integram a Constituição devido ao passado de regime de exceção do Brasil.

"A garantia que a Constituição dá é para o Parlamento, não para os deputados e senadores em si", explica. O propósito é evitar prisões ilegítimas. "É justificável para um país que deixou um regime de exceção e reflete o art. 2º, que garante a independência dos Poderes".

DESDE 2001

Foi uma emenda constitucional de 2001 que criou condições para que deputados e senadores pudessem ser processados criminalmente no STF ao alterar o art. 53 da Carta.

Até então, os parlamentares, além de só poderem ser presos em flagrante de crime inafiançável –como é hoje–, estavam mais protegidos contra processos. O Supremo precisava pedir autorização da respectiva Casa para que uma denúncia fosse aceita.

"Na prática, o que acontecia? Nada. As Casas ficavam em silêncio e não acontecia nada", disse Dias. A ação só era levada adiante após o término do mandato, caso o deputado ou senador não conseguisse se reeleger.

O professor explica que, em 2001, foi alterado o significado do silêncio da Câmara ou do Senado. Agora, é necessário que as casas se manifestem para que a ação seja interrompida. "E isso é só para crimes cometidos após a diplomação. Se for de antes, o STF não precisa nem comunicar nada", afirmou. "Então, os deputados e senadores passaram a ser processados pelo STF, que não acontecia antes", completou.

Na época em que a emenda constitucional foi aprovada, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) presidia a Câmara dos Deputados e Ramez Tebet (PMDB-MS), morto em 2006, presidia o Senado. 



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