Carta que Dilma não leu no Senado mente, tergiversa e desafia São Gregório
07 Julho 2016 | 17h37
Quinta-feira 7 de julho de 2016
Está preso em Curitiba o marqueteiro João Santana, na adolescência
conhecido como Patinhas e nos autos da Operação Lava Jato como Feira,
referência a Feira de Santana, cidade da Bahia, próxima daquela onde
nasceu, Tucano. Ele responde por ter auferido propinas milionárias de
empresas que forneceram equipamentos ou executaram obras para a
Petrobrás. Não por ter definido como Coração Valente sua patroa, Dilma
Rousseff, em cujas campanhas eleitorais – a eleição em 2010 e a
reeleição em 2014 – ele produziu e executou o marketing. Essa marca foi,
de fato, uma obra-prima de sua imaginação fértil.
Nada há de valentia, mas somente covardia, na decisão que a
personagem dele tomou de não comparecer à comissão do impeachment do
Senado, pela qual está sendo julgada, com prazo de encerramento marcado
para novembro, por crime de responsabilidade na administração resultante
das vitórias nas urnas. A carta que mandou seu ex-ministro da Justiça e
ex-advogado-geral da União José Eduardo Martins Cardozo ler, ao
contrário, é patética, extremamente arrogante, covarde e mentirosa de
cabo a rabo. O ato de não comparecer, não tendo nada mais importante a
fazer, já é pusilânime em si, pois a única explicação para o que fez é o
medo de se comprometer ainda mais diante do questionamento da advogada
de acusação Janaína Paschoal e de senadoras e senadores que não
simpatizam com sua causa: voltar ao poder.
Despertar piedade sem sequer pedir perdão, arvorar-se em injustiçada
sem apresentar evidências e fingir-se de vítima sem definir a atrocidade
assacada contra ela foram suas táticas explicitadas sem subterfúgios
desde a abertura. “Já sofri a dor indizível da tortura”, começou. É uma
óbvia apelação, que se tornou seu mantra desde que surgiu na vida
pública pelas mãos do ex-chefe Lula. Foi torturada? E daí? Dilma repete
exaustivamente que o foi mesmo. Em entrevista a Luiz Maklouf de
Carvalho, à época na Folha, contou que, durante 22 dias no
DOI-Codi de São Paulo, teve até dentes quebrados pelo “capitão
Maurício”, o hoje tenente-coronel Maurício Lopes Lima. Outro repórter de
responsa, Luiz Cláudio Cunha, atesta que ela disse a verdade, não o
oficial, que, ao ser interrogado a respeito, disse que a interrogou, mas
nunca a molestou.
Apesar de conhecer sua propensão à mentira, neste caso tudo indica
que ela contou, sim, um fato. Sobra, contudo, uma cobrança que Cunha fez
e eu repito: o milico, um cínico de marca, contou que lamenta não lhe
ter pedido um cartão de visitas por não ter previsto que ela seria
presidente, tão bem que a tratou. Na Presidência da República Dilma não
enquadrou o indivíduo nem os comandantes das Forças Armadas, inclusive o
comandante do Exército, general Enzo Petri, que, em resposta a
solicitação oficial da Comissão da Verdade, instituída por Dilma,
garantiram não ter havido sevícias nas repartições militares durante a
ditadura. Nem o tíbio ministro da Defesa de então, Celso Amorim. Com
isso, a presidente inutilizou o trabalho da comissão.
A presidente afastada foi torturada, sim. E daí? Desde quando vítima
de tortura tem direito a indulgência plena? Trata-se de uma tolice da
doença infantil do esquerdismo, que o velho Lênin execrou. Por falar em
doença, voltemos à carta. “Já passei pela dor aflitiva da doença”,
alguém escreveu por ela e Cardozo leu aos senadores. Quem não terá
passado, principalmente depois dos 60, casos dela e meu? E qual é a
conclusão? Quem já adoeceu merece perdão prévio por pecados, erros ou
delitos que vier a cometer, só por ter sobrevivido – como índices de
inflação e desemprego de dois dígitos, quebradeira e roubalheira
desenfreadas sob sua égide? Menas, querida, menas, diria seu chefinho.
“E hoje sofro a dor inominável da injustiça. O que mais dói é
perceber que estou sendo vítima de uma farsa política e jurídica”. Qual?
Ela foi afastada da Presidência da República, para a qual foi eleita e
reeleita, num processo de impeachment instaurado na Câmara a pedido de
um ex-fundador de seu partido, o promotor Hélio Bicudo, um ex-ministro
da Justiça, o adversário tucano Miguel Reale Júnior, e a professora de
Direito da USP Janaína Paschoal. Todos investidos na condição legal de
cidadãos brasileiros. E o crime de responsabilidade é grave, porque
atinge toda a cidadania, e não apenas cidadãos isoladamente, esclarece o
jurista Modesto Carvalhosa.
O Tribunal de Contas da União (TCU) indicou 50 peritos para saber se
ela cometeu tal crime ao assinar decretos não autorizados pelo
Legislativo e usar saldos de bancos públicos sem devolvê-los
imediatamente, as tais “pedaladas fiscais”. Os peritos a incriminaram. O
procurador do TCU Júlio Marcelo de Oliveira testemunhou contra ela no
processo. Eduardo Cunha, seu antigo aliado e cúmplice, abriu o processo,
usando prerrogativa legal de presidente da Câmara. Em plenário, 367
dos513 deputados federais autorizaram o Senado a julgá-la. Na comissão
do impeachment do Senado, 16 senadores contra 5, dos 21, encaminharam a
votação para o plenário, que a afastou do cargo por 54 votos dos 81
possíveis. Em todos os casos, há mais de dois terços de reprovação ou,
no mínimo, dúvida sobre sua conduta. O que justificaria tanta injustiça,
a ponto de ela classificar o processo de “farsa jurídica e política” e
até de “golpe”, segundo sua carta, de um novo tipo, o desalmado
desarmado?
Defendida da “farsa” pela simpatia solidária do presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), por seus cinco aliados da “bancada do chororô”,
simpatizantes e admiradores ela conseguiu a oitiva de 40 (não podia ser
um total que não repetisse Ali Babá, céus?) testemunhas de defesa, que
nunca viram nada e, por isso, de nada sabiam. E peritos do Senado
reconheceram a prática de crime em três dos quatro decretos ilegais e
nas “pedaladas fiscais”, nos quais não encontraram suas impressões
digitais. “Crime de responsabilidade também é praticado por omissão”,
esclareceram-me pessoalmente juristas ilustres, como Ives Gandra da
Silva Martins, Carlos Ari Sunfeld e Régis de Oliveira, Se houve ou não,
julgam os julgadores. Não é assunto para peritos. Parece óbvio até para
analfabetos jurídicos, como o autor destas linhas.
Na carta, Dilma também insistiu na hipótese absurda de o principal
beneficiário de seu afastamento, Michel Temer, não ser legítimo por, ao
contrário dela, não ter votos. Acontece que se Temer a elegeu
“presidenta”, em 2010 e 2014, ela também o elegeu eventual substituto.
Os 54 milhões de votos que derrotaram Aécio em 2014 foram dados aos dois
e em sua obtenção o PMDB liderado pelo vice teve participação decisiva.
Ela não teria sequer chegado ao segundo turno se não se tivesse aliado a
ele. Por isso mesmo, a dupla Dilma-Temer responde agora mesmo a
processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no qual a chapa de ambos
pode ser cassada por práticas ilegais, também na eleição. Parece pouco?
Olhe que as mentiras que ela contou sobre a situação do País no mesmo
pleito não são consideradas criminosas. Embora tenham ajudado a
elegê-los.
Por falar nisso, ela escreveu e o garboso Cardozo leu que o governo
Temer “É” a crise. Ora, a grave crise data de 2014, como qualquer
criança de 2 anos sabe, e o vice assumiu em maio último. O argumento,
então, é construído com o mesmo critério antigregoriano dos decretos
assinados em julho e legalizados cinco meses depois, em dezembro. A
lógica dessa patacoada só se imporá no dia em que efeito causar causa.
Mas quem se arrisca a explicar isso pra madama?
Jornalista, poeta e escritor
ESTADÃO
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