O jornalista Ricardo Melo reassumiu há um mês a presidência da EBC
(Empresa Brasil de Comunicação). Ele foi reconduzido por determinação do
STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu decisão do presidente
interino, Michel Temer, de tirá-lo do cargo.
Melo havia sido nomeado por Dilma Rousseff dias antes de ela ser
afastada da Presidência. Ele tem direito a um mandato de quatro anos.
Nesta entrevista à Folha, o jornalista comenta a baixa audiência
da TV Brasil, nega que houve aparelhamento do órgão pelo PT e afirma
que, como escolas ou postos de saúde, a empresa pode dar prejuízo já que
existe para garantir o direito constitucional à informação pública.
Folha - Uma TV privada sobrevive com pouca audiência, desde que dê
lucro. Uma TV Pública só tem sentido se chegar às pessoas. E a TV Brasil
tem audiência muito baixa. Por que mantê-la?
Ricardo Melo - A Constituição prevê a comunicação privada, a
estatal e a pública. A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) foi criada
com a missão de garantir o direito que os cidadãos têm à informação que
não está presa aos interesses de mercado.
Ele equivale ao direito constitucional à educação e à saúde. Assim como o
posto de saúde e a escola podem dar prejuízo, a comunicação pública
também pode, do ponto de vista de mercado.
Por que as TVs privadas não têm mais programação infantil? Porque a
publicidade para crianças foi limitada e elas simplesmente aboliram essa
programação. Mas ela continua sendo de interesse público.
Mas, para cumprir a missão, a TV pública deve ter audiência.
O Ibope é uma medição questionada inclusive pelas TVs privadas. E a
medição do instituto, em relação à TV Brasil, se restringe a seis
regiões metropolitanas: SP, Rio, Salvador, Porto Alegre, Recife e
Distrito Federal. O Ibope não mede audiência em parabólicas nem de
retransmissoras.
A TV pública no Brasil tem oito anos. A BBC [inglesa] tem 90 anos.
Começou com audiência pífia. Nem por isso ela foi fechada. Audiência se
conquista pelo hábito e a extensão do sinal da emissora. Nós temos
dificuldade de sinal porque não temos dinheiro. No Rio e em SP,
alcançamos uma região pequena.
Qual é o custo total da EBC?
É de cerca de R$ 500 milhões. A TV Brasil e a NBR [emissora que presta
serviço ao governo] representam 40% disso. Falam que a TV tem deficit de
R$ 90 milhões. É preciso esclarecer: ele foi calculado em cima de
projetos que gostaríamos de fazer. É uma projeção. Como não teremos a
receita, não teremos a despesa. Portanto esse deficit é uma falsidade.
A TV contratou muitos profissionais terceirizados. Por quê?
Na reportagem da TV Brasil, 90% são da casa, concursados, com salários de R$ 5.000, R$ 6.000, R$ 7.000.
Somos uma empresa basicamente de funcionários públicos. Em 2008, quando a
EBC foi criada, reunindo empresas como Radiobrás, TVE e Fundação
Roquete Pinto, eram 2.572 funcionários, 54% deles de carreira. Hoje são
2.552. E 94% de carreira.
Dizer portanto que o número de trabalhadores dobrou é outra falsidade.
Houve questionamentos em relação à contratação de jornalistas que
seriam alinhados com o PT e que foram demitidos quando o sr. foi
afastado. Houve aparelhamento?
O mercado de comunicação tem as suas especificidades. Tem pessoas que
agregam valor e credibilidade ao produto que você oferece ao público. Se
elas aderem a um projeto de comunicação pública dentro dos recursos que
a gente tem, isso é um bem para a comunicação pública.
E o suposto alinhamento?
Nunca teve esse critério. A maioria desses jornalistas, aliás, já estava
na empresa quando cheguei [em junho de 2015]. Se tinham perfil de
esquerda ou de direita, pouco me interessa. Não peço ficha de filiação
partidária para ninguém. Mas eu quero falar é do perfil jornalístico
deles.
Paulo Moreira Leite [que apresentava o programa "Espaço Público"]
trabalhou no Jornal da Tarde, na Folha, na revista Veja, no Estado de S.
Paulo, dirigiu a revista Época [das Organizações Globo]. Paulo Markun
[que apresentava o "Palavras Cruzadas"] foi da TV Globo e da TV Cultura
nos governos do PSDB. Ricardo Melo [referindo-se a si mesmo] trabalhou
na Folha, na revista Exame, na TV Bandeirantes, na TV Globo, no site
Terra, no SBT.
Sidney Rezende foi da CBN e da GloboNews. Luís Nassif trabalhou na Folha
e na TV Cultura em governos tucanos. Tereza Cruvinel trabalhou no
jornal O Globo. Quando vêm para a EBC eles viram todos petistas? Isso é
um absurdo.
Quanto eles ganhavam?
Muito menos do que ganhariam no mercado. E eles eram contratados como
pessoas jurídicas [PJ], que custam menos para a empresa. Ganhavam 12
salários e só. Não tinham 13º, férias, multa por rescisão de contrato.
A Tereza Cruvinel, por exemplo, ganhava R$ 12 mil por mês. O programa do
Alberto Dines [Observatório da Imprensa] estava sendo negociado por R$
500 mil por ano, para toda a estrutura de produção.
Enfim, temos cerca de 20 contratos [terceirizados] contra 2.552 concursados.
Há críticas em relação às abordagens sobre o impeachment.
Nunca no jornalismo falamos que se tratava de um golpe. Mas a TV Brasil
se deu a tarefa de colocar todas as manifestações no ar, a favor e
contra o impeachment.
Tinha passeata de sem-terra contra, de mulheres, de juristas? A TV
Brasil estava lá cobrindo, e só a TV Brasil. A nossa missão é dar voz a
quem não tem voz. E esses caras não aparecem nas outras mídias. Agora,
em nenhum momento a gente deixou de cobrir qualquer manifestação a favor
do impeachment.
Mais do que isso: convidamos sistematicamente gente de todas as posições
para falar na TV Brasil. Já convidamos os tucanos José Serra, Aécio
Neves, Aloysio Nunes Ferreira e Tasso Jereissati. E convidamos
publicamente o presidente em exercício, Michel Temer, para falar na TV
Brasil. É mentira dizer que só entrevistamos petistas.
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