Pedro Ladeira - 3.nov.2016/Folhapress
A ministra Cármen Lúcia preside sessão no Supremo Tribunal Federal |
Além de asseverar ao público a continuação da Lava Jato no ritmo conhecido, a homologação das delações da Odebrecht deixou claro que Cármen Lúcia não deve se deixar intimidar no jogo da política brasiliense.
Não que seja exatamente uma partida de pôquer. Talvez truco seja a
metáfora mais adequada. Como se sabe, o presidente Michel Temer (PMDB)
"trucou" Cármen ao dizer que só indicaria um substituto para o relator
da Lava Jato, Teori Zavascki, após o Supremo definir quem iria ocupar o
papel do ministro morto em acidente aéreo na semana retrasada.
A jogada de Temer foi inteligente, pois se indicasse imediatamente como
os seus enrolados auxiliares palacianos gostariam, o regimento do
Supremo garantiria ao novo ministro herdar os trabalhos de Teori. O
presidente tirou esse peso, e a inevitável acusação de interferência que
viria, das costas.
Mas a presidente do STF não esperou pela definição do novo relator, que
só ocorreria com a volta dos trabalhos no Judiciário, para tratar do
nevrálgico e midiático ponto da delação da Odebrecht. O rito mais lento
era o esperado pelo Planalto e pelo Congresso, ambos cientes do teor
explosivo das revelações dos ex-executivos da empreiteira.
Chamou para si a responsabilidade de fazer andar a homologação adiantada
por Teori, vista como vital para a ampliação e aprofundamento do escopo
da Lava Jato —praticamente todos os atores importantes da República
estão lá citados, como Lula, Dilma Rousseff e o próprio Temer.
Assim, a procrastinação burocrática natural da troca de relator não
afetou este ponto específico do processo. Por óbvio, quem assumir a
tarefa terá de inteirar-se dos autos, mas o fato é que uma equipe ampla
de juízes auxiliares tem o "software" que processa a lógica da operação,
assegurando ritmo de jogo.
Com a homologação na praça, Cármen tirou o bode de sua sala do ponto de vista de sinalização pública e política. Como temia o Planalto, a ministra ganhou a rodada. Como se diz no truco, ao ser "trucada", gritou "seis!" para o desafiante.
No cargo, a presidente tem demonstrado a proverbial prudência mineira,
como no episódio em que aceitou a desobediência legal do presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), contemporizando sua permanência no
cargo contra ordem do próprio STF. Avalizou o polêmico acordo da dívida
do Rio, um acerto duvidoso para dizer o mínimo.
E, agora, ainda que tenha avançado a homologação, desconsiderou a ideia
inicial de Teori de levantar todos os sigilos das delações. Assim, os
personagens envolvidos ganham mais algum tempo para preparar suas
explicações, pelo menos até os novos e inevitáveis vazamento dos
conteúdos.
Cármen Lúcia pode simplesmente não ser candidata a nada, mas coloca-se
no tabuleiro político sem grandes reservas. Como Joaquim Barbosa antes
dela, resta saber se há alcance prático além do ganho de imagem nisso.
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