quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Lava Jato analisa movimento de R$ 52 mi de empresa de palestras de Lula



Lula. Foto: Fernando Donasci/Reuters

A Operação Lava Jato rastreia os valores movimentados pelo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua empresa de palestras, a LILS Palestras, Eventos e Publicações. Em 2014, ano de deflagração da fase ostensiva das investigações de cartel e corrupção na Petrobrás, foi registrado a distribuição de R$ 5,3 milhões em lucros ao petista dos R$ 7,5 milhões em dividendos retirados da empresa desde que ela foi aberta em 2011, após deixar a Presidência da República.


Réu desde a semana passada por supostos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo Petrobrás, Lula é acusado de receber R$ 3,7 milhões em propinas em reformas e benfeitorias no triplex do Edifício Solaris, no Guarujá (SP) – parte dos R$ 87 milhões pagos pela OAS por três contratos na estatal.


“A LILS Palestras, Eventos e Publicações distribuiu a Lula, a título de lucro, R$ 7.589.936,14, ou seja, 36% do total auferido pela entidade no período (destacando-se que a maior retirada, de R$ 5.670.270,72 aconteceu em 2014, ano da deflagração da fase ostensiva da ‘Operação Lava Jato’)”, registram os procuradores da Lava Jato, na primeira denúncia que levou Lula ao banco dos réus, em Curitiba, na terça-feira, 20.

As informações são de um documento produzido em março pela Lava Jato, inicialmente anexado ao pedido de condução coercitiva de Lula, quando foi alvo da Operação Aletheia. As movimentações financeiras da LILS e do Instituto Lula são alvo de um inquérito ainda aberto na Polícia Federal, que deve resultar em nova denúncia criminal da Procuradoria contra o ex-presidente, ainda esse ano.

Criada para que o ex-presidente pudesse dar palestras, a LILS movimentou entre 2011 e 2015 um total de R$ 52,3 milhões. Foram R$ 27 milhões recebidos, a maior parte de empreiteiras e grandes empresas, e R$ 25,2 milhões em débitos.

A Lava Jato passou a investigar a LILS depois que identificaram que R$ 9,9 milhões recebidos pela empresa tiveram como origem seis empreiteiras acusadas de cartel e corrupção na Petrobrás.

As empreiteiras investigadas por pagamentos de palestras de Lula são a Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e UTC. Executivos das três últimas fizeram delação premiada e confessaram pagar propinas – nenhum confessou, nos termos tornados públicos até aqui, corrupção no dinheiro de palestras de Lula. Os executivos da Odebrecht ainda negociam um acordo.

As suspeitas da Lava Jato são que os pagamentos por palestras realizadas por Lula a partir de 2011 podem ter ocultado propinas do esquema de cartel e desvios nos contratos da estatal. Além da empresa de palestra, estão sob investigação as doações e contribuições feitas para o Instituto Lula.

“Lula manteve relação próxima com diversos executivos dessas companhias. Além da proximidade, identificou-se que o Instituto Luiz Inácio Lula da Silva e a L.I.L.S., entidades em que Lula é a figura máxima, receberam aportes multimilionários das empreiteiras participantes da organização criminosa.”


Coaf. Relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, mostra que a LILS aplicou R$ 35,17 milhões em fundos de investimento, entre abril de 2011 e maio de 2015. Os valores foram investidos via BB Gestão de Recursos – Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.
Os técnicos alertam sobre possível ocorrência de “operações cujos valores se afiguram objetivamente incompatíveis com a ocupação profissional, os rendimentos e/ou a situação patrimonial/financeira de qualquer das partes envolvidas”.

No documento da Lava Jato anexado à denúncia, a força-tarefa registra que “não obstante sua estrutura bastante limitada, mormente para a prestação de serviços de ‘organização de feiras, congressos, exposições e festas’, foi possível verificar no curso das investigações da Lava Jato que a  LILS foi destinatária, nos últimos anos, de vultosos recursos”.

O Coaf registrou também que no período de 2011 e 2015 a LILS aplicou R$ 5 milhões no Brasilprev. O documento registra que a LILS tem como sócios Lula, com 98%, e o presidente do Instituto Lula, Paulo Tarciso Okamotto – também réu no processo contra o ex-presidente na Lava Jato em Curitiba.

“Ex-presidente da República, atualmente cadastrado com empresário, com renda mensal no valor de R$ 3.753,36”, registra o Coaf.


O ex-presidente apresentou documentos para comprovar que realizou as palestras para qual foi contratado. Segundo o Instituto Lula, que registrou publicamente todos os serviços, foram 72 palestras, ao custo de US$ 200 mil cada.

Não há irregularidades em se dar palestras, registram os investigadores, porém os pagamentos das empreiteiras do cartel chamam a atenção.

“Os altos valores repassados a LILS Palestras nos últimos anos, somados à circunstância de que no âmbito das investigações da Operação Lava Jato têm sido identificadas diversas operações de lavagem de dinheiro mediante a celebração de contratos de prestação de serviços e/ou consultoria com empresas sem estrutura física e pessoal relevante, algumas inclusive constituídas por ex-agentes públicos e políticos de destaque no governo federal, indica a necessidade de melhor averiguar tais transações.”

Pagadores e recebedores. O Coaf listou quem foram os principais pagadores da LILS e como foram efetuados esses créditos na conta da empresa do Banco do Brasil, entre 2011 e 2015. A Odebrecht é a que mais paga: R$ 3 milhões.

O presidente afastado do Grupo Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, e executivos da empresa negociam desde o início do ano um acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República (PGR) e Ministério Público Federal, em Curitiba.

O ex-presidente Lula e Okamotto são os dois que mais receberam da LILS, mostra relatório do Coaf. O ex-presidente, segundo o documento do Coaf, recebeu R$ 1,51 milhão entre 2011 e 2015. Okamotto, R$ R$ 1,10 milhão. A terceira maior destinatária é a filha de Lula Lurian Cordeiro Lula da Silva, que recebeu R$ 365 mil. Há pagamentos ainda para outros filhos, Luis Cláudio Lula da Silva, R$ 209 mil e Sandro Luis Lula da Silva, e para a campanha de vereador do filho Marcos Claudio Lula da Silva, R$ 50 mil.


Propinas. Os dados de documentos anexados à primeira denúncia formal contra Lula, em Curitiba, estão sendo cruzados com informações registradas por Lula e seus familiares, amigos e sócios. As suspeitas são que as movimentações financeiras da LILS e do Instituto Lula serviram para ocultar propinas.

No material produzido pela PF, os peritos comparam as datas de recebimentos pela LILS por palestras com o período em que as empreiteiras pagaram propinas a dois ex-diretores da Petrobrás: Paulo Roberto Costa, ex-Abastecimento e primeiro delator da Lava Jato, e Renato Duque, ex-Serviços. Esse último, cota do PT no esquema de fatiamento político da estatal entre PT, PMDB e PP.

“Insta destacar, inclusive, que os períodos nos quais as empreiteiras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão efetuaram pagamentos de propinas à Paulo Roberto Costa, via Costa Globa, coincidem com o período em que efetuaram pagamentos a LILS Palestras, Eventos e Publicações por serviços pretensamente prestados.”

Costa foi o primeiro delator da Lava Jata a confessar o esquema Petrobrás. Ele apontou em 2014 ao juiz federal Sergio Moro que a corrupção era sistêmica no governo federal, abrangendo além da área de petróleo e gás, energia, rodovias, ferrovias e aeroportos.

Pela Costa Globa ele recebeu “propinas atrasadas das empreiteiras: a Camargo Corrêa, no valor de R$ 3 milhões, Queiroz Galvão, R$ 600 mil, Iesa Óleo & Gás, R$ 1,2 milhão e Engevix, R$ 665 mil.. Dessas, as duas primeiras efetuaram pagamentos a LILS. 
 
O MPF destaca que Costa, que foi diretor de Abastecimento da Petrobrás entre  maio de 2004 e abril de 2012,
e Renato Duque, que ocupou a Diretoria de Serviços da estatal de janeiro de 2003 a abril de 2013, terem aberto empresas de consultoria – respectivamente, as empresas Costa Global e D3TM – para continuarem “a receber valores de propina sob a forma de contratos falsos de prestação de serviços”.

No processo criminal aberto pelo juiz federal Sérgio Moro na terça-feira, 20, Lula é acusado pelo envolvimento com R$ 87 milhões de propinas pagas pela OAS, por três contratos da Petrobrás. A acusação aceita aponta que R$ 3,7 milhões desse montante foram pagos ao ex-presidente de forma oculta no triplex 164-A do Edifício Solaris no Guarujá (SP) e no custeio do armazenamento de bens pessoais do petista ente 2011 e 2016.

Além do inquérito aberto sobre a LILS e Instituto Lula, o ex-presidente ainda é alvo de um inquérito por corrupção e lavagem de dinheiro na compra e reforma do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP), que a Lava Jato diz ser dele – o petista nega – e de investigações por associação à organização criminosa e obstrução às investigações do escândalo Petrobrás, em Brasília – no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Justiça Federal do Distrito Federal.


COM A PALAVRA, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Em publicação divulgada pelo Instituto Lula, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva informa que “de 2011 a 2015, Lula deu 72 palestras empresariais pagas, para 45 empresas contratantes no Brasil e em todas as partes do mundo”.

“Lula discursou em reuniões de diretoria, seminários para dirigentes de empresas, encontros com clientes e confraternizações dos mais diversos setores – financeiro, alimentício, construção, bebidas, comércio, comunicações e outros.”

Segundo informa o documento, “todas as receitas e despesas da empresa LILS foram devidamente contabilizadas e seus rendimentos registrados nas declarações de Imposto de Renda dos dois sócios”.

“A LILS estabeleceu um contrato padrão para ser utilizado em cada palestra e tomou como referência o valor em reais equivalente a 200 mil dólares, de acordo com a taxa de câmbio da época da palestra, semelhante ao cobrado por outros ex-presidentes de projeção internacional.”
COM A PALAVRA, A DEFESA DE PAULO OKAMOTTO
“Todos doadores do Instituto Lula e contratantes de palestras de Lula também doaram e contrataram Fernando Henrique Cardoso. Podem procurar nos institutos de José Sarney, Itamar Franco e outros ex-presidentes que devem achar as mesmas empresas”, afirma o criminalista Fernando Augusto Fernandes.


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