A frase fora pronunciada por Eduardo Campos no encerramento da entrevista que ele concedera ao Jornal Nacional,
na noite da última terça-feira, horas antes de embarcar, na manhã do
dia seguinte, no jatinho que o transportaria para a morte. Seguiram-se
ao acontecimento funesto as indagações que costumam perseguir os mortos
moços, sobretudo os que nascem condenados a um futuro promissor.
Mas
já? E por que ele, no frescor dos seus 49 anos? Por que assim,
despedaçado num mergulho fatal do avião no solo? Por que agora, a menos
de dois meses da sucessão presidencial? As interrogações e as
circunstâncias da tragédia fizeram de Eduardo Campos um cadáver
paradoxal —cheio de vida.
Velório de Eduardo Campos
A
inscrição na camiseta dos filhos, ecoada numa faixa fixada na lateral
do caminhão de bombeiros que desfilou o impensável pelas ruas da capital
pernambucana, potencializa no imaginário coletivo a sensação de que a
morte, às vezes, não mata. O corpo de Eduardo Campos —ou o que restou
dele— será enterrado neste domingo como um homem realizado. Ele
sobrevive na disputa presidencial com chances de obter o que não
conseguira produzir na fase em que ainda respirava: a abertura de uma
terceira via.
Vice de Eduardo Campos, Marina Silva vai à cabeça da
chapa na próxima quarta-feira. Com um potencial de votos duas ou três
vezes maior do que a do titular, a ex-coadjuvante reassume o papel de
protagonista como um estorvo para Dilma Rousseff. Prevalecendo a lógica,
a esperança da candidata do PT de reeleger-se no primeiro turno está na
bica de ser enviada para o beleléu.
Convertida numa espécie de
viúva-política de Eduardo Campos, Marina pode tornar-se uma ameaça
também para Aécio Neves. Beneficiária da atmosfera de comoção, ela entra
na briga com chances de ultrapassar o candidato tucano. Se tiver
competência para combinar a utopia da “nova política” com uma dose do
pragmatismo do companheiro morto, Marina flertará com o segundo turno.
Antes
da tragédia, o eleitorado parecia fadado a lidar com uma pergunta que,
pela sexta vez em duas décadas, marca a sucessão no Brasil: PT ou PSDB?
Numa entrevista
que concedera em maio de 2013 à revista Teoria e Debate, da Fundação
Perseu Abramo, o presidente do PT federal, Rui Falcão, minimizara as
chances de Eduardo Campos tornar-se um ator relevante na disputa de
2014.
“Não acredito que haja espaço para uma terceira via. Há o
governo e a oposição”, dissera Falcão. Ele previa que faltaria nexo a
Campos quando ele tivesse de injetar ideias em seu discurso: “É possível
que haja mais de uma candidatura de oposição, mas não há candidatura do
mesmo campo da presidenta Dilma.” Para Falcão, haveria um replay do Fla-Flu que faz de todas as sucessões presidenciais meras gincanas do PSDB contra o PT.
“Esses
são os dois projetos que têm concepções diferentes sobre o Brasil. Um, a
concepção liberal privatista; e nós, uma concepção de desenvolvimento
sustentável, de projeto social e de um Brasil em outro patamar,
diferente do que tivemos como legado”, afirmara Falcão.
Nessa
época, Marina Silva ainda recolhia assinaturas de apoiadores para fundar
a sua Rede Sustentabilidade. Mas Falcão desdenhava da ex-petista: “Não
tem partido, nega partido, mas está tentando construir um. Ainda é um
projeto de candidatura. Se vier, será com o discurso da eleição passada,
com alguns ajustes, mas já foi testado e aparecerá como oposição.”
Decorridos
cinco meses dessa entrevista, a Rede teve o registro negado pelo TSE. E
Marina abrigou-se no PSB de Campos. Para surpresa geral, aceitou a
condição de segunda da chapa. Fez isso numa fase em que sete legendas
lhe ofereciam a vaga de presidenciável. Entre elas o PPS de Roberto
Freire.
Imaginou-se que Marina proporcionaria a Campos uma
transfusão de parte dos 20 milhões de votos que obtivera em 2010. Porém,
transcorridos dez meses de campanha, o candidato do PSB não conseguiu
firmar-se como meio-termo viável entre Dilma e Aécio. Parecia que lhe
faltavam firmeza e credenciais para sintetizar o sentimento de mudança
escancarado nas pesquisas.
Eduardo Campos mordia Dilma. Mas
soprava Lula. Ele enxergava méritos na era FHC. Mas ficava tiririca
quando Aécio dizia que estariam juntos no futuro. A ‘nova política’ de
que tanto falava o parceiro de Marina era um conceito vago, condicionado
à geografia. Em Brasília, a “nova política'' serviria para “mandar
Sarney à oposição”. Em Pernambuco, era uma coligação de 21 partidos.
Eduardo
Campos dizia que Dilma entregaria um país pior do que recebeu. E Lula
retrucava: “Creio que o Eduardo não pode exagerar nas críticas porque
ele sabe que é o mesmo projeto, o projeto do qual ele participou e que
tantos avanços trouxe para Pernambuco e o Brasil.”
Para complicar,
PSB e Rede têm dificuldades para chegar a um consenso sobre o mundo,
antes de reformá-lo. Vivem um drama descrito na piada de Millôr
Fernandes sobre a tecnologia da engenharia chinesa: de um lado da
montanha, colocam 10 mil chineses para cavar. Do outro lado, mais 10
mil. Se os dois grupos se encontram no meio da montanha, inaugura-se um
túnel. Se não se encontram, inauguram-se dois túneis.
Ao continuar
cheio de vida depois da morte, Eduardo Campos oferece aos sobreviventes
a oportunidade de cavar um único túnel. As altas taxas de eleitores sem
candidato indicam que a polarização da política brasileira entre PT e
PSDB já torrou a paciência de muita gente. As duas legendas são
identificadas como responsáveis pelo fisiologismo e pelos atentados ao
erário praticados em nome da governabilidade.
Para enfrentar o PT,
o tucano Fernando Henrique uniu-se ao rebotalho da política nacional.
Para prevalecer sobre o PSDB, Lula levou a parceria com o arcaico às
fronteiras do paroxismo. Num cenário assim, a morte prematura de
personagens como Eduardo Campos, a despeito de todas as suas
contradições, leva as pessoas a refletirem sobre as mortes
procrastinadas.
Na política brasileira, há tantos vivaldinos que
as pessoas ficam tentadas a enviar-lhes coroas de flores ou a
atirar-lhes na cara a última pá de cal. Vem daí a atmosfera de comoção
que permite a Eduardo Campos respirar nos dizeres da camiseta dos
filhos: “Não vamos desistir do Brasil”.
Em momentos como o atual, a
história parece se mover. Resta saber como Marina Silva irá percorrer a
terceira que, morto, Eduardo Campos ressuscitou. Em 2010, Marina
costumava dizer que um governo ideal reuniria os melhores quadros do PT e
do PSDB. Eleita, cuidaria de unir as duas forças. Terminou virando a
escada que o tucano José Serra subiu para chegar ao segundo turno na
condição de candidato favorito a ser derrotado por Dilma. A diferença é
que não havia nessa época o voto-comoção.
Fonte: Blog do Josias
Fonte: Blog do Josias
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