terça-feira, 24 de junho de 2014

Roberto Freire: “O PT enxovalhou a esquerda brasileira”

Prezados leitores,

Recebi algumas críticas por ter postado a matéria anterior, neste blog/jornal, como notícia “requentada”. Quero deixar claro que eu não a publiquei nenhum “furo de reportagem”. Acredito que assim como eu, os meus leitores também percebam que muito bem linkadas estão as datas em que elas divulgadas. 

A matéria não é minha, mas por tratar-se de um assunto tão sério como este, é muito importante sejam sempre lembradas.

Fui acusada por um email anônimo de querer “ficar famosa “ divulgando matérias contra o PT. Eu não publico matéria contra o PT. Eu publico as verdades sobre o PT e que todos brasileiros precisam saber. Eu não quero “ficar famosa” à custa de um partido corrupto, e portanto, perverso ao povo do nosso país. Acima de tudo, covarde para todas as classes de aposentados.

Ademais, estou usando de um direito que me é permitido pelo Art. 5º da Constituição Federal: Art. 5º "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade.”  Este blog tem mais de mil seguidores e, portanto, me sinto na obrigação divulgar a verdade, nada mais que a verdade.

Em assim sendo, publico mais uma divulgada no dia 01/06/2014.

Leopoldina Corrêa.




Roberto Freire: “O PT enxovalhou a esquerda brasileira

Roberto Freire é um dos veteranos do Congresso Nacio­nal. Uma das referências da esquerda brasileira, ele esteve em Goiânia no início da semana passada e concedeu entrevista exclusiva na sede do Jornal Opção. Tinha pouco mais de meia hora, mas ficou por mais de hora e meia, com seu animal político interno instigado pelos questionamentos da equipe de jornalistas — “Vocês têm um jornal de pensamento”, chegou a dizer.


Em agenda oficial do PPS, partido do qual é o presidente nacional, ele veio a Goiás hipotecar apoio à candidatura governista do PSDB, que está fechado com o nome de Marconi Perillo para a reeleição. Sua presença reforçou tam­bém o trabalho do pré-candidato Marcos Abrão Ro­riz, ex-presidente da Agên­cia Goiana de Ha­bitação (Agehab) e que quer ser o primeiro parlamentar do PPS por Goiás. “Estamos apostando nele”, disse Freire.


O pernambucano, hoje deputado federal por São Paulo, continua convicto como marxista, embora diga não ser mais comunista. “A experiência soviética pôs fim a esse modelo, mas a esquerda sobrevive e produz frutos”, diz, citando a socialdemocracia da Europa. Só não tolera sua ideologia ser comparada à do PT, um partido que “enxovalhou a esquerda com a corrupção”, como diz sem meias palavras. No plano nacional, Roberto Freire apoia seu conterrâneo Eduar­do Campos (PSB) à Presi­dência e vê com muito otimismo o momento da ala oposicionista. “As pesquisas mostram crescimento dos índices dos candidatos de oposição.”


Elder Dias — O sr. é um dos parlamentares mais experientes do País, com 40 anos de vida pública. Nesse tempo, chegou ao Senado, entre 1995 e 2002. É uma instituição que muitos consideram ultrapassada ou sem função. E o sr., o que pensa sobre isso?


O Senado parece não ter muita função hoje porque a Federação brasileira é disfuncional, é quase uma ficção. Se a Federação funcionasse, o Senado seria de fundamental importância. Nos Estados Unidos, se conhece quem é senador, não se sabe quem seja deputado. Isso porque o senador representa os Esta­dos, onde a política é realmente feita.


Há um dado na República brasileira que poderíamos chamar de “pecado original”, para usar uma linguagem meio religiosa: não éramos um país de Estados, mas, sim, um império. Mas, mesmo assim, com a República acabamos por copiar o modelo norte-americano, que tinha, na origem, Estados, que, por sua vez, construíram uma União. Nós tínhamos uma União que se dividiu em Estados. A partir daí, criou-se entre nós uma Fede­ra­ção que nunca se afirmou. Em al­guns momentos, até pareceu que teríamos uma Federação — e isso foi até criticado em determinado mo­mento como se fosse um malefício, a chamada “política dos go­vernadores”, que é colocada com sentido pejorativo. Pois seria justamente essa política que daria força à Federação. A Federação é a força dos Estados, mas aqui isso ficou confundido. Assim, a tendência no Brasil é a União continuar forte, enquanto que no país que nos serviu de modelo para imitação a União só é forte para o mundo. Internamente, o governo federal tem pouquíssima força, o que prevalecem são os Estados. Não dá para imaginar o Brasil com uma Fede­ração como a dos Esta­dos Unidos, porque nossa história é completamente diferente, mas que pelo menos se respeitasse o nome de “República Federativa”, coisa que realmente nós não somos.


Frederico Vitor — Não há nada que aponte rumo à constituição de uma verdadeira Federação, ainda que aos nossos moldes?


Pelo contrário, a cada dia há ainda mais centralização. O Con­gresso se rende, por exemplo, a uma pressão para criar a categoria dos servidores do Poder Judiciário, que é nacional. Mas como? Pra que serve, então, o Poder Judiciário dos Esta­dos, se é tudo como um único servidor da União brasileira? Se vão ficar legislando sobre isso em Brasília, pra que serve governador e Assembleia?


Então, penso que a questão do pacto federativo precisa ser muito maior do que a simples distribuição de receitas. É preciso ter uma amplitude maior do que a questão dos recursos entre União e Es­ta­dos. Por exemplo, qual o papel de uma Assembleia Legislativa? Tal­vez do ponto de vista legislativo, de­pois de 1988 até as câmaras mu­nicipais tenham um papel maior, porque lhes foram entregues as leis de organização do município, de uso do solo, diretrizes de ocupação, definições de área urbana, enfim, todo um quadro de interferências efetivas. E o que sobra para as Assembleias? O papel dos Estados só vai se efetivar, de fato, em uma reunião administrativa dos secretários da Fa­zenda. São questões que precisam ser colocadas quando se fala em pacto federativo. Ou então da­qui a pouco poderemos mandar governadores para casa, e antes dis­so, as Assembleias Le­gislativas, porque tudo vai ser resolvido em Brasília.


Esse processo se afirma também por força das arrecadações e de políticas econômicas dos governos. Isso não é dos tempos de Lula, mas foi exacerbado no governo dele, porque aparece um vezo [mau hábito] que é muito próprio de nós da esquerda: nós somos totalizantes. Tanto que nosso regime virou totalitário.


O pensamento da esquerda considera que o planejamento central, o poder central é que vai re­solver. Ou seja, o presidente da República. Não há descentralização. Alguns exemplos que deram bons resultados nesse sentido não serve de incentivo para descentralizar mais. Pelo contrário, chega um momento que estagna ou até mes­mo há um retrocesso. Um exemplo está na educação, onde houve grandes avanços com a universalização, fruto do Fundeb [Fundo de Desenvol­vimento da Educação Básica] e do Fundef [Fun­do de Manutenção e Desen­vol­vimento do Ensino Funda­mental e de Valori­zação do Magis­té­rio]. In­clu­sive há teses, como a do meu grande amigo Cristovam Buar­que [senador (PDT-DF) e ex-ministro da Educação no governo Lula], que apontam para a federalização da educação. Seria um grande retrocesso. Como é que vou cuidar da educação em Brasília com um País continental como esse? Ao contrário, é preciso descentralizar. Mas, claro, é necessário destinar recursos, não há como resolver o problema da educação sem investimento. Hoje, aplica-se mal, mas ainda é pouco para nossas demandas. E é a União que pre­cisa distribuir, porque os municípios não têm como arcar com o custo.


Enfim, a discussão do pacto fe­derativo precisa ser bem maior. Outro exemplo: houve um mo­men­to na reforma do Judiciário em que toda a visão concentrou-se nos tribunais superiores. Em nenhum momento se discutiu como fortalecer a Justiça estadual. Ao contrário, esta virou apenas um mero incidente no caminho para os tribunais superiores, uma encaminhadora de recursos. Não se decide nada na Justiça estadual e a tendência é de cada vez mais se decidir tudo nas instâncias de cima.


As chamadas súmulas vinculantes trazem a ideia de que tudo está se resolvendo lá em cima, para depois descer. Não sou contra as súmulas, mas é a visão dessa ideia totalizante: tudo sobe para Brasília, para o poder central, para a União, para os tribunais superiores enquanto o que deveria estar sendo discutido era como descentralizar certas instâncias. O ideal era que os tribunais estaduais tivessem decisões terminativas; o que faríamos era discutir quais seriam elas. Só subiriam recursos extraordinários, mais nada. O que pudesse ficar nos Estados, assim seria.


Cezar Santos — O sr. falou citou a questão de estarmos em um governo de esquerda. Há quem diga que vivamos hoje em uma república sindicalista. O sindicalismo tomou o governo, na prática, estão tomando conta dos fundos de pensão. Não há uma contradição?

 

Vou desfazer um mal entendido. Não considero o governo do PT como de esquerda. Eu disse, na verdade, que há um vezo do pensamento de esquerda. E o PT ainda é um partido de esquerda. Mas seu governo não é.


Euler de França Belém — Mas o que é o governo do PT?


O governo é um grande representante dos interesses consolidados da banca financeira nacional e do grande capital. Pior, um grande capital de apadrinhados.


Elder Dias — Então nisso entra o que se chama de política dos campeões, desse apoio a grandes grupos por meio de financiamentos, por exemplo, do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]?

É uma política equivocada, da forma com que foi feita. E observe que não estou dizendo que seja equivocada a política de o Brasil financiar obras pela América Latina e pelo mundo. Não acho que seja um erro do BNDES financiar porto onde bem desejar. Tem de cuidar para que se empreste dentro das regras do sistema, até para que não soframos calote. Se não houver calotes, que empreste, pois essa é a função do banco.


Cezar Santos — Mas já há calotes.


Sim, alguns, até porque não está havendo muito respeito às regras de mercado nem aos interesses nacionais. As relações do Brasil são relações pontuadas pelos interesses do partido do governo e não pelos interesses da República.


Euler de França Belém — O sr. defende a investigação dos negócios do BNDES com investidores como Eike Batista e a JBS-Friboi?


Claro que é preciso fazer. Até porque não é mais um problema só do BNDES, mas do Tesouro Nacional. O que o BNDES recebeu de aporte do Tesouro — que é de todos nós — para fazer em­prés­timos é algo absurdo. Quando o BNDES constitucionalmente recebia recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] e ti­nha seus próprios recursos para fazer a política de fomento e de desenvolvimento, tinha e deveria ter autonomia total. Mas no mo­mento em que o governo, de for­ma irresponsável, começa a aportar ao BNDES recursos do Te­souro é preciso saber para onde isso está indo. É preciso que a so­ciedade passe a ter uma preocupação maior, porque não há nenhuma destinação constitucional ao BNDES de recursos do Tesouro.


Euler de França Belém — Até o país mais liberal do capitalismo mundial, os Estados Unidos, ficaram surpresos ao saber que o BNDES tem 31% das ações da JBS.


Há um histórico de participação do BNDES em ações, mas não sei se nesse nível, não sei qual era a média. Mas esse [JBS-Friboi] é um dos apadrinhados. Um outro, Eike Batista, o apadrinhado maior, se deu mal. Não sei como será em relação a esse caso, mas pode vir aí um outro escândalo. Outro escândalo vem dessa questão dos fundos de pensão.


Euler de França Belém — O caso dos fundos de pensão não mereceria uma atenção maior do Legislativo nacional?


Não é nem só do Legislativo, é uma questão nacional. Os fundos de pensão têm aspectos importantíssimos, porque, além de garantir a aposentadoria dos servidores das estatais brasileiras, é também um instrumento do próprio sistema capitalista, como grandes investidores — quando não o maior investidor, como no caso da Previ. Ou seja, interessam à toda a economia e à sociedade brasileira como um todo, não é só problema do governo. O que vejo não é um tipo de “república do sindicalismo, mas uma prática sindical que alguns pensam que poderiam implantar na República, não prestar contas a ninguém, não achar que deva satisfação e achar que tudo vale para continuar no poder. A consequência são práticas como a que a gente vê agora, em um caso como o do Sindicato dos Rodoviários de São Paulo: em 16 anos, 14 assassinatos de dirigentes. É a tônica de uma tragédia, não há controle algum.


Cezar Santos — Isso é máfia.


Claro, uma tragédia, porque não tem nenhum controle. Quando a contribuição sindical foi estendida às centrais sindicais, a gente tentou incluir que o Tribunal de Contas analisasse as prestações de contas delas, mas fomos derrotados. Não prestam contas a ninguém! E pensam, quando chegam ao governo, que podem fazer o que fazem — contabilidade “criativa”, inventar que Tesouro pode sustentar BNDES, ou escolher apadrinhados etc. São questões de um governo irresponsável. Agora é que está se falando abertamente disso, quando o governo começa a mostrar seu esgotamento, as pessoas estão começando a perceber os equívocos. Se houvesse ainda certo clima de euforia, não estaríamos discutindo isso aqui. Não vou livrar a presidente Dilma, porque ela era responsável também, mas muito do que ela está passando — e sem ter competência para resolver os desafios — isso tudo vem de antes, do governo Lula.


“Estamos perdendo mercado até no Mercosul”


Euler de França Belém — A revista “IstoÉ” publicou uma denúncia sobre um esquema de criação de sindicatos. Onde o sindicato não está favorável, cria-se outro. A matéria denuncia o PDT como o partido que comanda esse tipo de manobra. Como o sr. avalia isso?

 

Não foi o PDT quem bolou esse esquema. Isso foi obra de Luiz Marinho [PT, ex-ministro do Trabalho], que hoje é prefeito de São Bernardo do Campo (SP). O PDT tem participação porque, naquela época, a Força Sindical era ligada ao partido. Nosso partido há muito tempo tem pouca presença nos sindicatos. Perdemos isso, foi uma derrota nossa, histórica e mundial, mas nossa também aqui. Mas em alguns momentos, alguns sindicatos ligados ao partido vinham até nós por questão de reconhecimento, requerendo divisão para poder criar um novo sindicato da mesma categoria, mas nunca conseguimos nada, porque a estrutura estava montada em prol do interesse da CUT [Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT] e de uma parcela para a Força Sindical, por causa do PDT.


Isso é um problema grave que estamos discutindo com os sindicatos em que temos presença. É uma das reformas que precisa ser feita. Uma das questões mais difíceis de fazer é acabar com a contribuição sindical compulsória para trabalhador e para patronato. Terá de haver trabalho concreto de militância sindical e de força diante da categoria, porque hoje o que está acontecendo é que não discutimos seriamente nossos problemas.


Estamos vivendo um momento crucial, com o esgotamento de um ciclo. Precisamos mudar tanto a questão da contribuição de imposto sindical como a do fundo partidário. A semelhança é que se criam sindicatos para ter acesso à contribuição e se criam partidos para ter acesso ao fundo. A partir daí, credencia-se para vender o tempo da televisão das formas mais variadas do mercado político, como um ministério. Hoje são 39, mas esse governo irresponsável seria capaz de criar 49 para atender os partidos que poderiam lhe dar tempo na campanha. Tem de mudar a lei e acabar com a ideia de que qualquer partido tenha acesso ao fundo. Tem coisa melhor do que criar um partido?

É antidemocrático pensar que há muitos partidos, temos até poucos, em relação aos Estados Uni­dos, que têm mais de cem. Não tem de limitar isso. O que é preciso limitar é sua criação por interesse ao fundo para virar instrumento de barganha.


Frederico Vitor — Houve ingerência na questão da refinaria do Texas, quando Dilma ainda era ministra de Minas e Energia?


Se houvesse uma CPI sobre o caso pra valer, ela é quem iria responder isso para você e para mim também (risos). Mas eu desconfio, não tenha dúvida. Hoje se pode perceber que há dois grupos divergindo com relação à Petrobrás, um de dilmistas — com Graça Foster [presidente atual da Petrobrás] e Dilma — e outro de lulistas — com Sergio Gabrielli [ex-presidente da Petrobrás] e Lula. Estão tentando resolver as contradições por lá, mas as divergências estão expressas. Dilma Rousseff disse que se soubesse das cláusulas não es­clarecidas (do contrato de compra da refinaria) não teria aprovado o negócio e ainda não mudou seu posicionamento, não se desmentiu, em relação ao que disse, o que é positivo.


Euler de França Belém — O sr. diz que o modelo está esgotado. Os dados das recentes pesquisas mostram algo muito interessante: Lula não está tão à frente de Dilma nas intenções de voto: 43% a 40%, em uma delas. Isso mostra que o ex-presidente também não está tão bem assim nos índices.



Eu nunca briguei com pesquisas. O que posso dizer é que esta é muito boa para a oposição. Ela sinaliza que Dilma não é uma candidata “para ir pra casa” e Lula não pode ser nenhum grande plano para substituí-la, porque está mais ou menos parelho com os índices dela. Isso é um dado importante, o outro é o crescimento dos índices dos candidatos de oposição.


Euler de França Belém — Por que o modelo do PT se esgotou?


Não diria que seja exatamente o modelo do PT. É todo o processo que vem desde o fim da ditadura militar. Nós vivemos talvez o período mais longo de liberdade democrática com forças políticas que se consolidaram nesse processo. Elas esgotam-se porque foi marcante a intervenção do governo Itamar Franco, que implantou o Pla­no Real, com Fernando Hen­ri­que Cardoso como ministro da Fazenda. Também nos aproveitamos, nesse período, do momento da economia internacional. O Brasil se aproveitou disso, embora perdendo oportunidades — e isso é algo a se cobrar de Lula, que foi presidente em uma fase importante da economia brasileira e o aproveitou só para si, mas não para o País. Tivemos a estabilidade e o boom econômico no governo Lula, mas não aproveitamos. Perdemos a chance de nos tornar uma sociedade industrial. Pelo contrário, deixamos de ser, a desindustrialização é flagrante no Brasil. Se produzíamos bens de capital, hoje não estamos produzindo nem bens duráveis, porque é melhor importar. Veja a explosão de déficit em nossa balança comercial, que começou a ser movida por importações.


Estamos perdendo mercado no próprio Mercosul. A Argentina, que importava nossos automóveis, está comprando da China. Os chineses estão entrando em tudo e o que estamos fazendo para enfrentar esse momento? Este governo do PT continua não tendo ne­nhum projeto para o Brasil. (enfático)


Cezar Santos — Está também havendo um desencanto total. Lawrence Pih, talvez o primeiro grande empresário a declarar apoio ao governo do PT no início, disse estar totalmente desiludido, tanto com a política econômica como com a social, porque hoje o governo considera que quem ganhe 300 reais já é de classe média.


Esse é um dos factoides do lulopetismo. O Brasil não ampliou nada, substancialmente. Não pode uma economia que cresce 2% ao ano imaginar que é potente, importante, isso é uma bobagem. Não há qualquer economia importante no mundo, que dê qualidade de vida crescente a sua população, que não seja baseada na produção e no crescimento econômico. E nós não crescemos, o crescimento brasileiro é medíocre.


Não temos nenhuma agenda de desenvolvimento. Tivemos alguns “rasgos”, mas, com Lula, nenhum. O nível de investimento público do governo Lula foi baixo. Como se pode fazer um país crescer sem investimento? Os únicos investimentos que houve partiram de estatais e de setores da economia, que aproveitaram o boom da economia. E tem outra: muitas vezes isso se deu por causa de algo que eles criticavam muito, que foram as privatizações. O setor siderúrgico privado se expandiu de forma impressionante, aproveitando esse boom. Começaram, inclusive, a expandir fora do Brasil. Não houve política mínima para aproveitar essa estrutura no País. Assim, nos desindustrializamos.


Um detalhe a mais: não adianta pensar em industrialização como o­corria no passado, até porque o mun­do mudou a forma de se industrializar. No Nordeste, alguns festejaram, porque a Azaleia [indústria de cal­çados] saiu de Caxias do Sul (RS) e foi para Sobral (CE). É uma bobagem, porque hoje a indústria está na Ín­dia, na China etc., porque nesses lu­gares há mais competitividade. Esse sempre foi um erro do Nor­des­te: copiar o que foi desenvolvimento no Sul. O que gerou foi um ele­­fante branco e a falência do mo­delo. Não tivemos a capacidade de dar o salto tecnológico das novas e­co­­nomias. Isso não está sendo discutido hora nenhuma por esse governo.


Elder Dias — Mas isso já foi discutido seriamente algum dia? Alguma vez o Brasil deu algum passo rumo à vanguarda em vez de imitar modelos?

Deu, sim. A indústria automobilística brasileira foi fruto de todo um processo de criação de base para isso. Não foi algo surgido ao acaso. Há algo que pouca gente lembra, mas é um fato histórico quase único: o Brasil, por conta de contradições do governo fascistoide de Getúlio Vargas — que tinha uma ala a favor do Eixo nazista na 2ª Guerra e outra a favor dos aliados —, conseguiu ser um dos primeiros países fora do mundo desenvolvido a ter uma siderúrgica, que é a infraestrutura básica para qualquer indústria. O complexo de Volta Redonda é isso. Então, em plena 2ª Guerra, o Brasil entrou em favor dos aliados tendo uma siderúrgica, o que não era interesse de forma alguma dos países industrializados, que queriam que continuássemos a exportar matérias-primas e importando bens com valor agregado. Do ponto de vista energético, a criação da Petrobrás também foi fundamental.


Vieram a indústria automobilística e a indústria nacional da construção civil com a fundação de Brasília — o que pode ser contestado à vontade, mas o Centro brasileiro cresceu por causa dessa opção política. Ou seja, isso não foi obra do acaso, o Brasil deu seus próprios passos em um processo para se tornar um país industrializado, inclusive criando bens de produção. Isso aconteceu com a economia brasileira.


Elder Dias — Mas o sr. fala de um Brasil de mais de 50 anos atrás. E a partir de então?


Não estamos dando saltos. Um salto que não demos diz respeito a patentes. O que produzimos nesses termos é muito pouco, não temos nenhum grande incentivo para a produção de inovações tecnológicas. Há um preconceito que a gente ajudou a construir no Brasil, de que não deve se associar a pesquisa ao mercado, porque nós, comunistas, imaginávamos uma outra sociedade, que não tínhamos de fazer nada pelo mercado capitalista. Isso não deu e hoje é preciso acabar com essa separação, temos de vincular indústria a pesquisa. E que faz pesquisa fundamentalmente no Brasil é o Estado, não é a empresa. Só na cabeça desse governo, que faz uma medida provisória para que a indústria automobilística receba incentivos por inovações que produção. O que ocorreu foi que essa indústria começa a produzir carroças de novo. É na matriz que se inova, aqui não se inova nada. A gente faz somente o atrasado, porque o mundo está inventando o tempo todo. E o Brasil, está fazendo o quê? Lula, quando finalmente pareceu acertar alguma coisa na vida dele, virou mascate do etanol. Depois, começou a falar do pré-sal. Um retrocesso, em um mundo que discute energia renovável, limpa. O setor sucroalcooleiro quer pegar Lula pelo pescoço, para lhe dizer que foi um irresponsável.


Era preciso que o governo entendesse os novos tempos. O fim da União Soviética teve a ver com uma profunda revolução. Ela não acabou por nenhum ataque a palácio de inverno — o que aliás levaria a um golpe, mas não a uma revolução. Esta vem por um modo diferente de produzir riquezas para a sociedade. Essas são as grandes revoluções. O processo de mudança na forma de produzir da sociedade industrial começou no início do pós-guerra, quando o conhecimento começou a se tornar o principal item e a substituir os fatores de produção. Foi uma profunda transformação revolucionária. E o socialismo foi o primeiro modelo de organização social a ser derrotado por essa revolução. Assim ocorreu também com o capitalismo familiar, hoje há um outro capitalismo. Não há Rottschild nem Mata­razzo [nomes de famílias tradicionais de industriais de grande poderio econômico até meados do século 20], hoje querem saber qual é o executivo tal, quem está investindo onde, qual é o fundo de pensão que dá mais lucro, qual é o suporte de tal aplicação. Quando não havia necessariamente mais a propriedade familiar, como era até décadas atrás, começamos a viver no Brasil um período de pasmaceira, não avançamos nada. Tanto que chega então um Collor da vida [Fernan­do Collor, hoje senador, que foi presidente do Brasil de 1990 a 1992] e todo mundo achou que era novidade quando ele começou a falar das carroças, se referindo aos automóveis brasileiros.


Collor quebrou o protecionismo que só atrasava a economia brasileira — que vendia a carroça que fosse, porque não precisava inovar nada, o que era desenvolvido não entrava no Brasil, estava proibido. Tínhamos uma economia que não se desenvolvia e infelizmente essas mudanças ainda não foram feitas até hoje. O Brasil continua com baixa produtividade. Pior: começou a não ter preocupação com o processo de desenvolvimento.


Lula garantiu toda a euforia de seu governo vendendo carroças, pegando banco oficial, que poderia investir na produção, para financiar o consumo, no crédito para comprar carro. Você dá um real e compra um automóvel, pronto! E quem não queria comprar um automóvel? Claro que as pessoas poderiam comprar, mas não poderia ser opção de um estadista, mas, sim, de um comerciante! (enfático)


Perdemos a oportunidade, e não foi por faltar recursos, porque a economia mundial nos deu todas as chances, o que nunca tínhamos tido. Era questão de aproveitar o momento, como ocorreu com a exportação de café, que credenciou São Paulo ao processo de industrialização. E com o governo Lula, nos credenciamos a quê? Dilma insiste em querer continuar dando incentivos a uma população totalmente endividada, que não compra mais automóvel, pode dar o crédito que der, porque tem dívidas e porque o mercado está saturado. A economia não cresce, portanto não há explodindo renda nenhuma. Quero ressaltar que essa minha crítica hoje tem ouvidos para ser ouvida, mas é algo que eu não falo de agora, mas então ninguém queria ouvir.


Euler de França Belém — O sr. acredita que o debate nas eleições presidenciais vai se concentrar nessa questão econômica ou pode ser ético-moral?

Não creio que vá haver questão moral em alta desta vez. O eleitor pode até brigar por isso, enquanto em relação à economia muitos ficam sem entender o debate. O povo gosta de polêmicas, fofocas, e isso é legítimo. É um problema da sociedade, a que não podemos fugir. Mas é bom dizer que, quando há o cenário de uma crise, a população sabe o rumo que quer — só Pelé para pensar que o povo não sabe votar —, embora possa até não escolher a melhor opção.


Em 1989, quando o povo escolheu dois “outsiders” [Collor e Lula] para ir ao segundo turno, estava sabendo o que queria. Deu bobagem, mas o povo sabia o rumo, queria começar coisa nova, não queria Ulysses [Guimarães, candidato do PMDB], Brizola [Leonel Brizola, candidato do PDT], Covas [Mário Covas, do PSDB], Maluf [Paulo Maluf, candidato do PDS] nem ninguém. O povo queria saber de novidade: escolheu um caçador de marajás e um que era contra tudo e contra todos. Dois outsiders, mas em quem o povo apontava para o futuro, ainda que pudesse errar. Tínhamos deixado para trás a ditadura, tínhamos conquistado a liberdade de imprensa, era a primeira eleição. Então, eu mesmo poderia dizer que o povo votou errado, porque tive pouco mais de 1% dos votos (Roberto Freire foi candidato também, pelo PCB). Mas não, provavelmente acharam que não era meu momento. O povo pode até não saber quem vai resolver, mas sabe onde aperta seu calo.


O povo agora terá a sabedoria de entender que o momento não é para discutir posição sobre aborto, por exemplo, como foi em 2010. Não se discutia mais nada porque o Brasil parecia muito bom, parecia estar às mil maravilhas. Tanto foi que essa moça, completamente despreparada, se elegeu presidente da República. Ninguém perguntou nada a ela, o que ela projetava, o que ela sabia, apenas bastou Lula dizer que ela era a candidata. Agora, não. O povo quer saber o que vão fazer, porque há a inflação, há o endividamento, há o risco de desemprego, que está crescendo. Por isso eu digo que teremos uma eleição com grandes debates, como já estamos tendo.


Euler de França Belém — A população parece ainda não perceber que Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) como alternativas, porque são desconhecidos. Como o sr. avalia isso?

 

A resposta está na própria pergunta, quando você argumenta que eles são desconhecidos. O importante, no momento, é sabermos que há um governo muito mais mal avaliado do que bem avaliado hoje. Isso não contaminava diretamente a presidente, mas vieram as manifestações e, como como um castelo de cartas, ela também ruiu. Desde então, Dilma continua no mesmo processo.


No Ibope houve um crescimento substancial de Eduardo Campos, que pulou de 6% para 11% na última pesquisa, isso com o mínimo de cam­panha e continuando ainda muito desconhecido. Aécio Neves, que tem um pouco mais de conhecimento pela população, saltou de 14% para 20%, um salto exponencial. Quem tem 20% de intenções de voto não pode ser um candidato qualquer. E num momento sem campanha ainda. A única campanha que existe no momento é de Dilma, que voltou ao índice que tinha em levantamentos passados — tinha 40%, baixou para 37% e agora voltou para 40%. Há ainda um público a conquistar, não canto vitória nunca e eleição é sempre dura, mas vejo co­mo muito difícil a situação para Dil­ma mudar essa realidade e como mui­to boas as chances de a oposição ganhar.


“O comunismo foi derrotado pela história”


Euler de França Belém — O sr. apoia Eduardo Campos. Vejo que agora ele está tentando se desvincular de Aécio. Qual é a diferença precisa entre os dois, para explicar para o leitor que é eleitor? E entre ambos e Dilma?


Os dois têm o objetivo de retirar o PT do poder. Um, Aécio, por uma oposição mais longa; outro, Eduardo, por se diferenciar do modelo petista no campo das esquerdas e das forças progressistas. O PPS analisou o nome de Eduardo e resolveu apoiá-lo por ser do campo democrático de esquerda, como nós. Em Pernambuco, nós estivemos muito mais tempo juntos do que ele com o PT ou nós com o PT. Eduardo e eu não éramos partidários do governo Miguel Arraes [ex-governador de Pernambuco, referência da esquerda nordestina] e o PT era oposição. Não vamos esquecer de que os petistas chamavam Arraes de Pinochet do Nordeste. Sem fazer muita história, basta lembrar onde estava Arraes e seus companheiros, no exílio. Ele sempre esteve conosco, os comunistas, na luta democrática do MDB. Comunis­tas e socialistas eram a base da Frente do Recife, uma certa hegemonia da esquerda em Pernam­buco, que tinha reflexos no Brasil.


Discutindo toda essa trajetória, estivemos juntos na luta pela anistia, pelas Diretas Já, na votação em Tancredo Neves (PMDB) no colégio eleitoral, pela Constituinte, assim como também no governo Itamar Franco, do qual o PT não quis participar e ainda botou Luiza Erundina para fora. O PSB nunca fez luta em separado. Estivemos juntos em 2002, na eleição de Lula à Presi­dência. Nós nos afastamos em 2004. Agora, há um reencontro histórico de uma esquerda democrática no Brasil. Queremos ir para esse campo pela crítica que fizemos à experiência do socialismo real. Os socialistas tinham uma crítica a nós, comunistas, porque eram representantes do “socialismo e liberdade”. Então, a escolha de Eduardo não é destituída de uma discussão teórica, tem a ver, sim, com pensamento político. E tem uma importância fundamental para a esquerda brasileira, porque o PT enxovalhou a esquerda brasileira, com o processo de corrupção. (muito enfático)
A esquerda brasileira pode ter cometido erros à vontade. Em 90 anos de Partido Comunista cometeu vários, até crimes. Mas nunca, nunca, tivemos histórico vinculado à corrupção neste País. O Partido Comunista não admitia um tipo de coisa como alguém vinculado a bandido de uma organização criminosa como o PCC [Primeiro Comando da Capital, que controla vários presídios brasileiros e que também é responsável por atentados contra a polícia em grandes cidades].


Vejo hoje um sentimento, um “déjà vu”, de querer vincular o PT ao comunismo. Costumo dizer que nem embocadura moral o PT tem para isso (enfático). Não porque o comunismo seja algo tão diferente, mas porque não pode estar vinculado a um experimento que faz banqueiro rir à toa, que escolhe apadrinhados para ser “players” no jogo capitalista. O que isso tem a ver com a esquerda e com o comunismo? (enfático)


Esse é um aspecto. O outro é que, com a candidatura de Aécio solitária, esse confronto com Dilma Rousseff não iria se dar. Quando Marina Silva foi apoiar Eduardo Campos eu disse que seria um equívoco, não porque eu não quisesse que ela fosse para lá, mas porque isso reduziria a possibilidade de segundo turno sem ela como candidata. Então, consolidar Eduardo é importante para as oposições brasileiras. É outra alternativa no campo da oposição, diante de uma oposição mais tradicional. Juntos a Eduardo estão cerca de dez ex-ministros de Lula, entre eles Marina e o próprio Eduardo. Ou seja, uma oposição mais recente.

O adversário concreto é a hegemonia petista; então, se começa a haver deslocamento de apoio rumo a uma alternativa, eu tenho de saudar e não repelir. É algo com que eu vivo brigando. Quem quiser vir de lá, que venha. Não vamos ser o que são do lado de lá. Fiz todo esse histórico para dizer que Eduardo tem mais identidade com o que nós, do PPS, somos do que com o que é o PT.


Euler de França Belém — O sr. ainda é comunista?

Não mais, até porque essa experiência do comunismo foi derrotada pela história. O que é o comunismo como experiência histórica? A revolução bolchevique, a revolução socialista. Os partidos comunistas não eram a esquerda, que tem um pensamento plural. Éramos uma experiência histórica, que foi derrotada. Não posso hoje confundir o pensamento iluminista de Marx com o que ocorre, por exemplo, na Coreia do Norte, uma coisa patética, um reino daquela espécie. Sou marxista e um homem de esquerda.


Cezar Santos — E onde há hoje um governo socialista?


Há todo um pensamento da es­querda que formou a Europa como um continente de maior justi­ça social e de maior igualdade. Quem fez isso? Foram os socialistas.


Cezar Santos — O destino é a socialdemocracia, então?


Socialdemocracia é de esquerda. É preciso acabar com esse preconceito absurdo e equivocado que o PT construiu. Nós, enquanto estamos existindo no mundo, tínhamos nossas diferenças porque disputávamos o modelo a ser adotado. Não vou renegar meu passado e a esquerda não tem como renegar a socialdemocracia. Ora, todas as esquerdas surgiram no movimento socialdemocrata. O partido que fez a revolução bolchevique era socialdemocrata — bolchevique era a maioria e menchevique, a minoria, mas ambos eram do partido socialdemocrata russo. Eram disputas que existiam no pensamento de esquerda. O que o PT fica tentando fazer crer é que o que também fez Stálin, de forma profundamente equivocada, que quis dizer que os sociais-democratas da Alemanha eram tão inimigos como os nazistas, ou mais até. Trotsky não fez isso, e apesar de nunca ter sido trotskista eu o admiro, sua história é interessantíssima. Pelo contrário, Trotsky disse que era um grave erro o que Stálin estava fazendo, ao querer transformar os sociais-democratas em inimigos, facilitando então a vida dos nazistas. No fim, lascamos todos nós juntos. Há até um bom livro (“O Homem que Amava os Ca­chorros”, de Leonardo Padura Fuentes) — sobre essa história e do qual já vi uma resenha de vocês na internet — sempre me deparo com o conteúdo do Jornal Opção pelas redes sociais.


Nós, do Partido Comunista, às vezes tínhamos essa repulsa aos sociais-democratas. Foi preciso Mikhail Gorbatchev [ex-presidente da União Soviética] chegar à Escandinávia e admitir que lá se fez muito mais pela classe operária do que fizemos nós, os comunistas. Não vou dizer que nós não fizemos nada pelo mundo, até porque a força do comunismo foi fundamental para que a esquerda no mundo ajudasse a derrotar o nazismo e do fascismo. Mas, em termos de organização social, os sociais-democratas entenderam muito melhor a sociedade do que nós. Nós construímos uma sociedade que ruiu.


Elder Dias — Então os brasileiros escolherão, em outubro, entre três opções de esquerda? O PSDB é socialdemocrata até no nome.


É bom você ter ressaltado isso, porque o PPS e mesmo o PCB já entendiam o PSDB como um partido de esquerda, democrático. Eu acompanhei a criação do PSDB, que não foi senão um movimento da ala esquerda do PMDB no Constituinte. Formaram um partido com o intuito de lutar pelo parlamentarismo no Brasil. E aí está o grande erro de Fernando Henrique Cardoso, porque foi para o governo, ficou oito anos e não implantou o parlamentarismo. Ele teria de abdicar de seus poderes e implantar o parlamentarismo. Este foi o grande erro dele, e que ninguém cobra. O papel do PSDB era lutar por sua grande bandeira, que era o parlamentarismo, mas não tiveram coragem. (enfático)


Elder Dias — Um papel que está consolidado até no programa do partido.


Claro, como eu disse, era a grande bandeira do PSDB na luta na Constituinte. Outra coisa: o PSDB esteve junto conosco, os comunistas, nas lutas mais significativas no combate à ditatura e na reconquista democrática? Como é que eu posso destratar uma figura como José Serra, desmoralizar um dos grandes quadros da esquerda brasileira, um democrata, um homem que combateu o regime militar como poucos deles (do PT) combateram? (enfático) Discordar dele, tudo bem; mas não se pode desqualificá-lo.


Elder Dias — O momento em que o PSDB se alinha ao PFL (hoje DEM) para disputar a eleição de 1994 não foi um rompimento do partido com a esquerda? Como o sr. interpretou essa escolha naquele momento?

Nós apoiamos Lula naquela eleição. Mas vamos voltar mais atrás: em 1962, a Frente do Recife ganhou a eleição com Miguel Arraes e seu vice era um coronel de interior, Paulo Guerra. O que quero mostrar é que certas alianças políticas podem ser feitas. Naquele momento, o governo de Fernando Henrique fez essa opção. Repare como a história é interessante: no governo Itamar Franco começou a ser construída uma alternativa de centro-esquerda para o Brasil. Estava lá o que tinha de melhor no PSDB, no PMDB — Pedro Simon [RS, senador pelo partido] era o líder do governo —, o PCdoB, o PSB e o PPS. O que se começava a discutir era, se o PT participasse do governo, o candidato à Presidência seria Lula. Tasso Jereissati, do PSDB, seria o vice. Escrevi um artigo com Plínio de Arruda Sampaio (PT) no qual expunha que não tinha porque o PT bancar a candidatura de José Dirceu em São Paulo em 1994, porque ele poderia apoiar Mário Covas, o que viabilizaria o apoio nacional do PSDB a Lula. Isso ainda um ano antes. O que o PT fez? Tirou Erundina, porque estava no governo. Depois, em 2002, Lula fez aliança com um dos maiores capitalistas brasileiros, José Alencar.


Então, não é a aliança eleitoral que define o rumo do governo, mas sim a aliança que se faz ao governar. Quando Lula traz Paulo Maluf (PP), Fernando Collor (PTB) e José Sar­ney (PMDB) para o governo, está trazendo para governar junto com ele. Arraes trouxe Paulo Guerra, mas não governou com o que este queria, pelo contrário: fez um governo profundamente revolucionário, em que fez o primeiro contrato coletivo no campo, rompeu com toda a estrutura de subordinação e de trabalho feudal, quase escravo. Arraes ganhou a eleição, mas tinha um projeto. O governo Itamar, com Fer­nan­do Henrique, tinha um projeto. Éramos uma oposição, mas não dá para ver o governo dele como não sendo um Brasil da reforma. Ele reformou o Estado brasileiro — pouco ainda, porque precisava muito mais, não teve continuidade. Infe­lizmente, depois, foi cuidar da reeleição, reelegeu-se e foi um desastre no final, por conta da crise internacional. O PT, depois, veio com uma grande expectativa, mas só deu continuidade a isso. Por isso, rompemos.


O PT, que reclamava muito desse tipo de questão de alianças, foi aquele que embaralhou tudo de uma vez por todas. O governo de Lula não teve nenhum limite.[Deputado federal Roberto Freire, presidente nacional do PPS, em entrevista ao Jornal Opção: “Marcos Abrão nos dá uma perspectiva maior em Goiás, o que não pôde se realizar até hoje” / Foto: Fernando leite/Jornal Opção]Deputado federal Roberto Freire, presidente nacional do PPS, em entrevista ao Jornal Opção: “Marcos Abrão nos dá uma perspectiva maior em Goiás, o que não pôde se realizar até hoje”.


Euler de França Belém — Por que o PPS de Goiás apoia o nome do PSDB e não o pré-candidato do PSB, Vanderlan Cardoso?


Já estávamos no governo de Marconi Perillo e em nenhum momento a discussão passou por fazer outra opção. Mesmo com algumas críticas, entendíamos que deveríamos continuar no governo. Nosso apoio a Eduardo não nos impede de fazer aliança com outros candidatos não apoiados por ele. O que definimos no PPS foi que não apoiaremos candidatos da base de Dilma Rousseff. No campo da oposição, não há nenhum impedimento de apoiar um candidato que apoie Aécio à Presidência.


Euler de França Belém — O sr. avalia que Marconi Perillo, como herdeiro político de Henrique Santillo [ex-governador de Goiás], é um político progressista, de centro-esquerda?


Marconi é um democrata. E isso no Brasil, para nós do PPS, já é muita coisa. Um dos problemas do PT é não ser democrático. E além de não ser democrático, não tem sido republicano. Um ex-presidente da República como Lula tratar o Supremo Tribunal Federal (STF) da forma com que ele trata é um desrespeito à democracia e à República que não se pode admitir.


Euler de França Belém — E o PT tenta também controlar a imprensa.


Sim, e estão conseguindo. Com um discurso bonito, fizeram uma lei re­gulamentando a internet, o que é pe­rigosíssimo. No mundo inteiro, não há nenhum país democrático que tenha algo parecido, isso só existe em regimes autoritários e ditatoriais. Falam que a Europa votou uma lei semelhante, mas que não tem na­da a ver. Votaram uma mudança na lei das telecomunicações, para tratar da neutralidade, não há lei alguma sobre internet. Aqui, ficou parecendo que foi uma grande conquista.


É interessante poder expor isso em um veículo como esse, que considero um jornal de pensamento. Nós, comunistas, tínhamos uma visão de controle de imprensa. Era a visão de um partido único, toda uma concepção política. Pensávamos que a imprensa, para ser democrática, era a imprensa das Forças Armadas, a imprensa da juventude, distribuída pelos atores sociais. Tudo ao contrário do que o sistema capitalista coloca. O exemplo de nossa derrota me mostra que faltou alguém para dizer que aquela falta de liberdade e democracia estava errado. No mundo do socialismo real não tinha aquele para dizer que aquilo não poderia dar certo. A crítica não era aceita, o que era aceito era o aplauso. Os escritos de Marx sobre liberdade de imprensa, como sobre a “Gazeta Renânia”, falam exatamente desse tema. Deixamos de ser o leninismo no poder para sermos defensores da democracia, da ideia humanista. Não há como imaginar um mundo melhor de liberdade do que o que já vivemos no Brasil. Não temos de regular nada. O que tínhamos de regular e não fizemos muito dificilmente faremos agora, ao contrário. A tradição europeia é diferente, eles lá sempre tiveram uma imprensa escrita totalmente livre — o que continua —, mas a imprensa televisiva vem das estatais. O Estado totalitário controla, mas é mais democrático o Estado que usa a imprensa a favor do governo? Os grandes grupos da imprensa não são novidade, estão aí mesmo antes da Globo, que já tinha sido TV Tupi, aliás. Não há monopólio. Por exemplo, o que há no caso da Globo, já que por lei cada empresa só pode ter cinco emissoras, é a predominância de seu conteúdo pelas demais repetidoras dele. Há aí uma questão de qualidade e de mercado também. Não tem de haver processos de regulamentação da imprensa, mas das empresas. Não pode haver lei de controle da imprensa. E não é um governo do qual se possa perceber que tenha um sentido de fazer o que seja mais democrático. Não, é um governo que quer controle, que faz campanha contra as empresas do chamado “PiG” [Partido da Imprensa Golpista, expressão inventada por aliados do governo contra alguns veículos de comunicação]. O partido do governo está mobilizado contra a liberdade de expressão. Portanto, é um processo perigoso.


Na Câmara dos Deputados, a presença de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) na presidência, com todos os problemas que possa ter, é benfazeja para a democracia, porque o Congresso não é correia de transmissão dos interesses do PT. Ele não mexeu em nada das questões de liberdade. Por exemplo, há agora um projeto do senador Roberto Requião (PMDB-PR) sobre o direito de resposta, que é um perigo, pois em três dias um juizado de pequenas causas pode mandar um jornal publicar algo ou determinar indenização a alguém que se diga ofendido em rito sumário. Ou seja, é um tipo de forçar a autocensura, vai acabar com o jornalismo investigativo. Henrique retirou a questão de pauta porque eu o alertei. Percebe-se que ele tem uma sensibilidade democrática, talvez pela história do MDB. Coisa que o PT não tem, talvez por sua história particular.


Euler de França Belém — O PMDB, no governo, serve para moderar o PT?


Certamente. Desde que eu votei em Henrique Eduardo Alves eu digo isto: não é porque ele possa ser o melhor dos presidentes, mas é preciso que o PMDB venha para se contrapor. O aparelhamento é muito grande nos meios de comunicação do Congresso. Eu fui a um deles e tive de brigar com o apresentador no ar, porque a última palavra era sempre do representante do PT.


Euler de França Belém — Como será a vida do próximo presidente, se não for do PT?

É uma das coisas com que Lula tem de se preocupar, se Dilma não for reeleita. Teremos uma pequena caça às bruxas. Mas ele ainda controla um grande partido, mesmo derrotado, por conta de sua liderança.


Euler de França Belém — Vai ter caça às bruxas?

Vai ter. E espero que o governo tenha a capa



FONTE: SURGIU

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