Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O ministro Edson Fachin, do Supremo, relator de casos da Lava Jato na Segunda Turma do tribunal |
igor gielow
A decisão da Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) que
transformou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu abre o caminho para
interditar um dos principais atalhos que a classe política quer pegar
para se livrar de condenações no âmbito da Operação Lava Jato.
Pode, se confirmado em julgamento mais à frente, ser um marco na
cronologia da operação que mudou de lugar as placas tectônica da
política brasileira desde que irrompeu, em 2014.
Ao julgar nesta terça (7) que Raupp pode ser processado por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro por ter recebido legalmente dinheiro de
uma construtora que caiu na malha da Lava Jato, a turma de ministros que
cuida dos casos da operação sinaliza a validação da tese central da
investigação tocada em Curitiba.
Raupp recebeu em sua campanha de 2010 R$ 500 mil da construtora Queiroz
Galvão, "por dentro", no caixa oficial. Segundo a apuração, a Queiroz
desviou recursos de obras da Petrobras com ajuda de um dos então
diretores da estatal e de um doleiro. Depois, um operador intermediou o
pagamento lícito, direcionando os depósitos.
Esta sofisticação é pilar do petrolão, que foi desvelada ao longo do
trabalho do Ministério Público Federal e Polícia Federal sob o comando
da Justiça Federal. Como o dinheiro voltava em forma de dinheiro legal
para o partido amigo do Planalto à época, no caso de Raupp o PMDB-RO,
era impossível traçar sua origem como propina. Por fora, vários
envolvidos no processo também levavam algo, conforme as investigações.
Desde 2014, políticos do antigo condomínio governista sob o PT repetiam
que era preciso "separar o joio do trigo", já que seria impossível para
acusados saber que o dinheiro que entrou em sua campanha era oriundo de
propina. Era um discurso uniforme: "Como eu ia saber que o dinheiro era
frio? Desde quando dinheiro vem com carimbo?", ouvi algumas vezes.
Só que até aqui as investigações vêm apontado no mínimo conhecimento dos
acusados do esquema em questão, quando não participação ativa. No caso
de Raupp, por exemplo, a Procuradoria-Geral da República identificou
contatos entre o senador e o operador peemedebista Fernando Baiano na
época das transações. O senador nega qualquer irregularidade.
De seu lado, quem era da oposição na gestão do PT pode dizer que, como
não tinha influência sobre a Petrobras, não teria como fazer parte de um
conluio no qual não ofereceria nada em troca ou do qual nada poderia
saber a natureza de sua operação. Faz sentido retórico, mas precisa ser
apurado.
Isso também não escamoteia o fato de que as empreiteiras doavam por
perspectiva de poder. É notório que candidatos a oposição a presidente
sempre ganharam fortunas na campanha de empresários interessados em boas
relações e outras coisas em caso de vitória. Fora o caixa dois.
Nas últimas semanas, a "teoria do joio e do trigo" foi repaginada para
uma versão 2017, figurino usado principalmente por políticos do PSDB
-mas em um formato que une praticamente toda a classe política. Ela
trata dos famigerados "pagamentos não contabilizados", o caixa dois.
Ambos os lados trabalham para que a prática seja transformada em crime
pelo Congresso, logo não passível de punição por eventos passados como
toda tipificação penal nova. Com isso, tentam isolar acusações de
lavagem de dinheiro e corrupção, hoje associadas à prática. E poderiam
bradar que "apenas" cometeram um crime que não pode ser punido, o
"trigo" em contraposição ao "joio" de estar envolvido diretamente no
petrolão.
Esta questão não é afetada pela decisão desta terça, que de todo modo
não tem nada de definitiva: é a transformação de Raupp em réu, que ainda
será julgado por isso. Mas é uma indicação de que parte do caminho para
atenuar a vida dos envolvidos no petrolão pode estar interditada.
No caso do caixa dois, será precisa muita engenhosidade para convencer a
plateia da "teoria do joio e do trigo" versão 2017. É necessário mais
do que ingenuidade para comprar a ideia de que um partido aceitou
dinheiro ilegal e não perguntou sobre sua origem.
Além disso, parece improvável que o Supremo mexa num vespeiro desses
quando os interesses são tão claros. Se dobrou-se à "vox populi" quando
proibiu doações privadas a campanhas em vez de regulá-las, estimulando
novas modalidades de caixa dois, será curioso se resolver enfrentar a
opinião pública quando a causa não é exatamente defensável. Será um bom
teste para a nova composição do plenário, se o tema chegar até lá.
A esta altura, contudo, mesmo o sucesso na manobra parece ser mais um
detalhe: qualquer político que tenha o recebimento de dinheiro por fora
das empreiteiras da Lava Jato confirmado está automaticamente condenado
no tribunal das urnas, pareça isso justo ou não.
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POLÍTICA E ECONOMIA